Segredos do Poder
"Eles querem ter acesso antes..."



27/05/1999
Editoria: BRASIL
Página: 1-6


da Sucursal de Brasília

André Lara Resende liga para Pedro Malan para comentar discurso que Fernando Henrique Cardoso faria no Itamaraty no dia 23 de setembro de 1998. O telefonema ocorreu entre os dias 19 e 23 de setembro. Nesse discurso, FHC falou pela primeira vez na crise econômica de forma aberta durante a campanha eleitoral e citou o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Malan e Lara Resende falam por 10 minutos e 15 segundos. Fazem correções naquilo que o presidente leria. O ministro da Fazenda demonstra que negociava os termos do discurso com o FMI e com o Departamento do Tesouro dos EUA.
A idéia era ter uma aprovação prévia, reservada, para garantir que esses organismos divulgassem um apoio público ao discurso logo depois que FHC falasse.
Também fica evidente nesse diálogo que Francisco Lopes, então diretor do Banco Central, já tinha sérias divergências com a equipe econômica. Lopes acabou sendo presidente do BC depois da mudança cambial, em janeiro passado, mas deixou o governo por causa de, entre outros motivos, divergências com Malan.
Segundo Lara Resende diz na conversa, "Chico Lopes acha que isso (o acordo com o FMI) é uma espécie assim de abrir mão de independência do Banco Central".
Eis a íntegra da conversa, que também pode ser ouvida na Internet, no site do Universo Online (www.uol.com.br):

Pedro Malan - Alô?
André Lara Resende - Oi, Pedro.
Malan - Oi, André.
Lara Resende - 'Tá com um tempinho?
Malan - 'Tô.
Lara Resende - Vou te dizer o seguinte. Eu acho duas coisas. Primeiro eu teria algumas observações de estilo, assim, uma coisas mais, assim, meio de português, mas que, digamos, isso é bobagem. Certamente alguém melhor do que eu aí...
Mas eu acho que o discurso tem duas coisas. Ele é... é muito importante saber a quem está se dirigindo. Porque ele está estruturado como se fosse uma declaração de cadeia nacional para o povo em geral. Então ele é um pouco, ele é professoral, assim, explicando para o público interno, e não sofisticado.
Não é um discurso de estadista. Não é o discurso do Blair (primeiro-ministro britânico). 'Cê viu o discurso do Blair na ONU? Que eu recebi hoje aqui. É um discurso assim impecável de organização, essas coisas, né?
Então, é... então, eu acho que ele, nesse sentido, ele... se eu tivesse pensando, como você me pediu para ler como o público externo, eu acho excelente o presidente se dirigir ao seu público interno de uma maneira firme, explicando as questões, é... de maneira muito decisiva, tal etc. Mas claramente não é o discurso para mim. 'Tá?
Agora, o discurso está dividido, de certa forma em duas partes. Até o item 32, inclusive, ele é muito assim professoral para um público pouco sofisticado. Do item 33 em diante, ele muda um pouco de tom. E ele é um pouco mais de... para um público mais sofisticado.
Então, eu, de certa forma, engraçado, quer dizer, a partir do 33 em diante, ele é mais satisfatório para você, pensando como um público sofisticado externo, né?
Aí, eu diria, por exemplo, o seguinte. Eu acho que no item 50 é fundamental, é a mensagem forte para esse público, 'tá. E eu acho que isso talvez pudesse ser dito, de uma forma assim, talvez um pouco mais explícita e mais... mais dura.
Pedro Malan - Item 50...?
Lara Resende - Tem duas metas imediatas nessa direção...'Cê não com ele em frente a você aí não?
Malan - Peraí, deixa eu ver... Tantas versões que eu não sei mais qual é... Peraí. Eu já não sei qual é a versão que você tem. Deixa eu pegar uma outra aqui. É diferente. Um minutinho. O que você tem é aquele que eu te dei lá, no domingo?
Lara Resende - É, domingo, 17 do nove.
Malan - Começa aqui: "No mundo de hoje, manter a solidez econômica..."?
Lara Resende - Não... Espera aí, deixa eu ver onde é que 'tá isso... Complicado...
Malan - Como é que começa?
Lara Resende - O 50 começa dizendo o seguinte: "Tenho duas metas imediatas nessa direção", esse é o 49. Aí, o 50: "A primeira é reafirmar meu compromisso de... (inaudível) uma proposta de ajuste fiscal para os próximos três anos. Estou determinando hoje aos ministros da Fazenda e do Planejamento que acelerem os trabalhos na preparação desse programa".
Malan - Sei...
Lara Resende - Depois, o 51 é: "A segunda é determinar que sejam efetuados estudos no sentido de definir uma emenda constitucional que consagre o princípio do equilíbrio fiscal". Então, quer dizer, isso aqui é o, assim, o coração. As medidas, o que que 'tá fazendo.
E, bom, e depois tem, eu acho, no item que fala sobre... no meu é o item 56, "no mundo de hoje, manter a solidez econômica..." Aqui também pode ser outro item de substância, 'tá.
Eu diria o seguinte: "Nós estamos aprendendo a tratar do nosso ajuste de abertura em relação ao mundo. Dialogar intensamente com os parceiros e com as instituições institucionais..." Eu não sei nem se eu usaria "parceiro", 'tá? "...Instituições internacionais, com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, o Bird, e outras organizações", eu poria, "dialogar", vírgula, "em busca de soluções para evitar o alastramento do pânico" _eu não sei se a palavra pânico, se dita_ "e o aprofundamento da crise", que ele já falou lá na frente, e tal.
E, depois, é... instituições internacionais, aí eu diria... "de quais somos sócios", eu também não falaria. "Instituições internacionais com as quais mantemos relações maduras, abertas e soberanas", ponto.
Eu tiraria o "se for necessário um acordo com o fundo, o faremos". Acho que nós estamos insistindo o tempo todo, mas podemos até falar mais explicitamente da idéia de que o fundo tem papel de coordenação desses acordos.
Acho que o discurso do presidente deve ser, onde for necessário, nesses itens específicos de ajuste, ser o mais explícito possível. Mas ele deve sempre ser um discurso da idéia de estadista. Para uma idéia de "concertação" internacional, em termos disso e tal. E não nós estamos numa crise e quebrando. Entendeu?
Aquela idéia de dizer "regional" e não singularizado, nós... Não é que nós estamos ameaçando de... Tem que ser dito, olha, "nós vamos participar de uma ação coordenada, fundamental" etc. etc. E vamos fazer o dever de casa. E afastar o máximo a idéia de que ele está... "Se for necessário fazer um acordo com o fundo", eu falei, não precisa dizer isso... Nós vamos trabalhar em conjunto...
Malan - O problema é que tem gente aqui que acha que precisa, entende?
Lara Resende - Por quê? Você acha o quê?
Malan - Eu acho que... eu tinha até sugerido botar, em vez de "acordo", "entendimento"...
Na versão, a última, ele acabou de me dar uma agora, ele mesmo botou uma coisa mais ou menos nessa linha que você 'tá falando . Deixa eu ver se eu consigo entender a letra dele aqui. Um minutinho. É... Ficava assim, ó: "Por isso não temos, e não teremos medo de tratar de nossos ajustes com abertura em relação ao mundo. Dialogar intensamente com parceiros" _que você botou entre aspas, né?_ "com instituições internacionais, como o Fundo Monetário, o Banco Mundial, o BID e o BIS, às quais somos sócios, e com as quais continuaremos a manter um relacionamento maduro, aberto e soberano".
Lara Resende - Isso.
Malan - (Lendo) "Se for do interesse do país um entendimento com essas instituições, o faremos". Aí tem um coisa que ele me deu hoje, com a letra dele: "Estou convencido que os países do G-7, as instituições referidas acima deveriam colocar à disposição do Fundo Monetário Internacional recursos suficientes para serem utilizados em casos de necessidade pelos países da América Latina, numa espécie de fundo de contingência" _aqui entre aspas_ "que teria como o objetivo a prevenção de crises". Isso é a letra dele.
Lara Resende - É, mas eu... isto é, em substância, exatamente ao que eu acho que você deve ter aí. Eu acho até que pode estar melhor formulado que isso. Isso aí está meio confuso. Mas eu acho que o que ele deve dizer é isso. "Olha, nós manteremos os contatos com os organismos internacionais", pode até citar o fundo especificamente etc. etc.
Malan - Posso te pedir um favor?
Lara Resende - Hum?
Malan - 'Cê vai falar com o Stanley... com Fischer (diretor-gerente-adjunto do FMI) ainda hoje, né?
Lara Resende - Vou.
Malan - Eles estão, tanto o Fundo quanto o Tesouro (Departamento do Tesouro dos EUA), dizendo, pedindo, assim, quase que dizendo: "Nos deixem ler antes..." Porque a idéia é que eles saiam com expressão de apoio. Eles querem ter acesso antes...
Lara Resende - Hum...
Malan - Para poder expressar apoio. É... você pode... O Fischer, eu acho que falaria com mais abertura comigo do que com você, do que comigo, como ministro, sobre essa questão...
Lara Resende - Eu vou ligar para ele agora e falar com ele.
Malan - É, liga...
Lara Resende - É, ele me perguntou, ele me perguntou ontem à noite, então, é o seguinte: "Is Pedro coming next week for the meeting to negotiate or just for coming?" (O Pedro está vindo na semana que vem para negociar ou apenas por vir?) Aí, eu falei, olha, "depends" (depende), eu acho que "to negotiate, depends on what" (para negociar, depende sobre o quê), tá?
Malan - Hum...
Lara Resende - Eu até não entendi o que ele queria dizer com isso. Agora, ele me disse depois o seguinte: "Vocês, todo mundo... Como é que está a situação?. Eu falei, "well... stabilized" (bem... estabilizada). Aí ele disse: "Está todo mundo nervosíssimo e só vocês brasileiros não estão".
Aí eu disse, "o, Stan, do we have an alternative?" (ô, Stan, nós temos uma alternativa?) Ele disse, ah, não, tal. Mas eu senti ele assim muito ansioso. Com... para alguma solução.
Agora, eu não tenho a menor idéia se ele está pensando de acordo com o Fundo ou com uma outra coisa.
Malan - Não, a minha impressão, por isso eu queria que você checasse antes, que é isso. Que qualquer... qualquer solução teria passagem por um... por um acordo. Uma margem que a gente tem ali é para ver a natureza do acordo, um programa brasileiro que...
Lara Resende - Olha, eu conversei com o Chico Lopes ontem... Extremamente resistente a isso... Extremamente resistente... Chico Lopes acha que isso é uma espécie assim de abrir mão de independência do Banco Central. Que os caras vão chegar aqui, vão dizer isso, aquilo, aquilo, dar palpite nisso, naquilo, tal. Muito assim... E... aquela tese que eu te falei um pouco, olha, vão nos impor um ajuste fiscal não factível... Então, porque eles não entendem, não entendem a coisa do conceito, são inflexíveis sobre isso, vão impor, então é um, é um... aquilo lá vai acabar sendo um sinal de... extremamente complicado. E se você fala disso, diz "é coisa de Teresa, ah, num sei o quê, inviável".
Malan - Bom.. A minha percepção das conversas que eu tive com o Stanley, é verdade é que quando a situação se deteriora você vai ficando menos seguro, mas era de que seria um programa nosso que eles dariam o apoio e o...
Lara Resende - E eu 'tô achando que nós vamos ter que fazer isso o tempo todo.
Malan - Dá uma checada com ele que eu queria saber como ele 'tá vendo isso, depois 'cê me retorna antes de eu ligar para ele.
Lara Resende - 'Tá bom. Eu vou ligar para ele. Bom, mas, então, pra terminar, então, eu acho que é isso, perfeito. E eu fiquei com a impressão, portanto, que, se quisesse para ter um discurso de mais impacto, incisivo, eu encurtaria, perfeito?
Malan - Eu acho que o presidente já encurtou. Quer dizer. O negócio que 'cê tem aí deve ter o quê? Umas 13 páginas, uma coisa assim?
Lara Resende - Tem 12.
Malan - Doze? É já 'tá com... Bom, 'tá com 11. Mas é 11 em espaço dois, espaço menor. Ele já cortou muita coisa.
Lara Resende - 'Tá bom. Eu vou ligar para ele, depois eu te falo.
Malan - 'Tá bom.
Lara Resende - Um abraço.

REAFIRMAÇÕES
FHC voltou a se referir a esse discurso em várias oportunidades. Abaixo, trecho do discurso que fez no dia 7 de outubro, em que agradeceu a sua reeleição:
"Tive o cuidado, ainda antes do dia das eleições, de alertar o Brasil, numa conferência que fiz, no Itamaraty, para as dificuldades que a economia internacional apresenta e que o país terá que enfrentar. Não quis nem me omitir, nem deixar de dizer o que pensava sobre essas matérias. Assim como todos os demais candidatos disseram o que pensam sobre essas matérias."

O DISCURSO FEITO 1
"Quero reafirmar meu compromisso de estruturar uma proposta de ajuste fiscal para os próximos três anos. Determinei aos ministros da Fazenda e do Planejamento que acelerem esse programa para apresentá-lo o quanto antes, mesmo antes do prazo previsto. Não pedi apenas que fosse apresentado um programa, mas defini dois elementos indispensáveis, superávits primários crescentes ao longo dos próximos três anos e suficientes para impedir que a dívida pública cresça a um ritmo superior ao crescimento do PIB, mantendo estável essa relação ao longo do tempo. A melhora da situação fiscal terá que ser substancial já em 1999. Aí estará a maior parte do esforço requerido para o triênio 1999-2001 seja qual venha a ser o presidente eleito. O que fizemos no curto prazo contribuirá para solidificar a convicção íntima, interna sobre o ajuste e ampliar a credibilidade do nosso programa. Determinei também que sejam rapidamente efetuados estudos para definir bases legais que consagrem o princípio do equilíbrio fiscal. Vamos limitar de forma mais clara as despesas à existência de recursos necessários para financiá-las."

O DISCURSO FEITO 2
"No mundo de hoje, manter a solidez econômica, evitando que outros se contagiem com as repercussões negativas de políticas fracas ou equivocadas, exige o diálogo e a articulação entre países e instituições para consolidar uma ordem internacional mais justa. Por isso, não temos e não teremos medo de tratar de nossos ajustes com abertura em relação ao mundo: dialogar intensamente com parceiros e com as instituições internacionais como o Fundo Monetário, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o BIS, das quais somos sócios e com as quais continuaremos mantendo um relacionamento maduro, aberto e soberano. Se for do interesse do país um entendimento com estas instituições, o faremos.
Estou convencido de que os países do G-7 e as instituições referidas acima deveriam colocar à disposição do Fundo recursos suficientes para serem utilizados, em caso de necessidade, pelos países da América Latina em uma espécie de "fundo de contingência" que teria como objetivo a prevenção de crises."


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