Prêmio
Folha Categoria Reportagem 1994
Tesoureiro acerta negócio por telefone
05/08/94
Editoria: CADERNO ESPECIAL
Página: Especial-3
Da Reportagem Local
A Folha realizou dez telefonemas para concretizar a negociação
da compra de bônus eleitorais. A seguir, os principais trechos das
conversações entre a reportagem e o comando de campanha do PL:
PRIMEIRO TELEFONEMA
Quinta-feira, dia 28, para o comitê de campanha de Flávio Rocha
(PL), em Brasília.
Folha - Por favor, eu queria falar com a pessoa responsável pelo
setor de doações para a campanha, com quem eu falaria?.
Funcionária do Comitê - Pode falar comigo ou com o sr.
Teófilo (tesoureiro da campanha), mas o que seria...
Folha - Eu sou um empresário, um pequeno empresário aqui em São
Paulo e eu queria fazer uma doação pra campanha, mas queria saber
como funciona o esquema com o bônus, né?
Funcionária - Qual é a sua empresa?
Folha - A minha empresa é uma empresa de representação, Menezes
Representações. É uma empresa pequena, né?
Funcionária - Deixa eu explicar uma coisa: nós temos
uma conta no Banco do Brasil, na qual as pessoas que estão colaborando
na campanha estão fazendo as doações... Então... sua doação seria
de qual valor mais ou menos?
Folha - Eu reúno um grupo de amigos aqui, a gente estava querendo
fazer uma doação em torno de uns R$ 150 mil, isso reunindo o meu
grupo.
SEGUNDO TELEFONEMA
Um dia depois, sexta-feira, dia 29.
Folha - É o Francisco Menezes...
Funcionária - A gente está com uma reunião aqui, com
o pessoal de televisão... Então vamos fazer o seguinte, eu falei
com o Teófilo e ele está indo para São Paulo hoje à noite. Aí ele
-porque agora ele vai participar de uma reunião e não adiantaria
nada conversar com você. E na segunda ele (Teófilo) está vindo às
dez horas para cá (Brasília). Então, se você quiser, qualquer coisa,
pode conversar, como é que se diz, na segunda cedo. O que você acha?
Folha - É, pode ser na segunda.
Funcionária - É, teria que ser antes de nove horas,
porque ele tem que ir pra Guarulhos, aquela coisa toda. E aí, como
é que fica.
Folha - É... eu já tinha marcado uma coisa cedo na segunda.
Funcionária - Só um minutinho, deixa eu ver se ele já
terminou uma outra ligação lá e...ô Francisco, é o seguinte, ele
disse que segunda-feira de manhã te telefona aí em São Paulo mesmo.
Folha - Tá ok.
Funcionária - A partir de que hora ele liga?
Folha - Manda ele me ligar cedo, umas nove horas. Pode ligar
às nove mesmo.
Funcionária - Nove mesmo? Pro escritório, né?, aquele telefone
que o sr. deu.
Folha - Agora, Léia, você chegou a falar com ele (Teófilo) sobre
aquela possibilidade.
Funcionária - Ele me disse o seguinte: que isso conversa-se
pessoalmente.
Folha - Tá legal, tá bom então.
Funcionária - De qualquer forma ele te procura então.
TERCEIRO TELEFONEMA
Tarde de segunda-feira, dia 1º de agosto. Teófilo não ligou na segunda
cedo. O repórter volta a procurar o comitê, em telefonema para Brasília.
Nem a funcionária (Léia) nem Teófilo se encontram.
QUARTO TELEFONEMA
Ainda na tarde de segunda. Finalmente, o primeiro contato com Téofilo.
Folha - Dr. Teófilo, quem está falando aqui é o Francisco
Menezes, não se a Léia falou...
Teófilo - Falou... Eu até liguei, eu estive em São Paulo,
fui para São Paulo na sexta-feira à noite e passei a manhã aí, viajei
hoje à tarde para Brasília. Liguei aí pra você e atendeu a secretária
eletrônica.
Folha - É, exatamente, eu tinha dado uma descida, eu tava
fora, só que cheguei pouco depois e me falaram que o sr. tinha ido
para Brasília.
Teófilo - É, eu já estou em Brasília, mas isso não impede...
Diga, vamos, como é que a gente pode... é, você quer conversar sobre
os bônus, não é?
Folha - É, exatamente. Eu sou de um grupo de micros e
pequenas empresários, da região aqui perto de São Paulo, São José
dos Campos, e a gente se interessaria de comprar um lote de bônus
para ajudar a campanha...
Teófilo - Pronto, pronto, nós estamos à sua disposição.
Folha - Agora, a gente tem a informação de que seria possível
assim, um pequeno deságio, dr. Teófilo...
Teófilo - Isso a gente teria que conversar pessoalmente.
Folha - Claro, claro.
Teófilo - Esse seu telefone é de São Paulo, não é?
Folha - É. É da cidade. É do escritório aqui em São Paulo.
Teófilo - Eu devo ir a São Paulo no máximo na segunda-feira,
no máximo. A gente poderia, pra você, tudo bem?
Folha - Tudo bem. Eu estou meio apressado, mas tudo bem.
Teófilo - Se eu for antes, Flávio vai amanhã, se eu
tiver oportunidade eu vou e volto, qualquer coisa assim. Esse seu
telefone, você normalmente está nele, mesmo quando atende a secretária
e tal...
Folha - É, exatamente.
Teófilo - Mas você está onde agora...
Folha - Olha, eu percorro toda essa região do Vale do
Paraíba, mas a nossa sede é em São Paulo, por conta da burocracia
etc.
Teófilo - Então a gente teria que combinar como...
Folha - O sr. teria algum telefone que eu procurasse o
sr. em São Paulo?
Téofilo - Tenho. 290.6011. Agora eu teria que lhe informar.
Eu deixaria o recado na secretária, eu vou estar em São Paulo, dia
tal, assim, assim... lhe dou as instruções pra gente se encontrar.
Folha - Tá, perfeito. Agora, de princípio, o sr. acha que dá
pra fazer, né?
Teófilo - É, dá pra conversar. Eu preciso saber quais seriam
os valores etc.
Folha - Eu já poderia adiantar para o sr., a gente tem
um grupo assim de umas vinte, trinta pessoas, e poderia ser algo
em torno de, cerca de R$ 100 mil. Esse grupo inteiro. Aí a gente
queria ver qual era a possibilidade do deságio.
Teófilo - O que é que o pessoal está pensando, então?
Folha - O pessoal tinha a informação de que outros partidos
aqui em São Paulo estavam fazendo em torno de 30%...
Téofilo - Eu acho difícil, porque aí fica difícil você
viabilizar... Porque isso aí é um terço...
Folha - Dá pra conversar, dá pra gente baixar...
Teófilo - Eu acho que meio a meio é o correto... Quer
dizer, 100 por 200, qualquer coisa assim.
Folha - Dá fazer nesses termos?
Teófilo - Nesses termos eu creio que sim. Eu teria que
ver com o próprio candidato porque a gente é muito criterioso, mas
se conversa.
Folha - Não, porque a gente deu preferência (ao PL) exatamente
por...
Teófilo - Por causa do imposto único...
Folha - Por nossa identidade...
Teófilo - Com o candidato...
Folha - Porque a gente poderia pegar qualquer outros partidos
menores no Rio e São Paulo que não teria problema...
Teófilo - Então raciocine nestes termos.
Folha - Então, no caso...
Teófilo - Dois por um.
Folha - No caso dos 100 (reais) a gente receberia 200
em bônus.
Teófilo - Isto. É.
Folha - Tá certo.
Teófilo - Você me localiza sempre neste telefone. Se você
tiver alguma coisa que você já ache que dá pra tocar, você já me
avisa que eu me desloco até aí, qualquer coisa.
Folha - Tá certo. O nome do sr. é Teófilo...
Téofilo - Téofilo Furtado.
Folha - Eu agradeço a atenção do sr.
QUINTO TELEFONEMA
Tarde de terça-feira, dia 02.
Secretária do Comitê do PL em Brasília informa que Teófilo Furtado
não se encontra. Fala que ele pode ter ido para São Paulo.
SEXTO E SÉTIMO TELEFONEMAS
A reportagem ligou, ainda na tartde de terça-feira, duas vezes
para a empresa Guararapes, da família de Flávio Rocha, em São Paulo,
onde Teófilo Furtado trabalha como executivo. Ele também não estava.
OITAVO TELEFONEMA
Manhã de quarta-feira, dia 3.
Uma secretária da Guararapes deixa um recado de Teófilo Furtado
para o repórter. O recado, deixado numa secretária eletrônica, era
a senha de que o negócio estava praticamente fechado.
NONO TELEFONEMA
De um orelhão, repórter liga para a Guararapes, no início da
tarde de quarta-feira. Fala com Teófilo e acerta o horário, por
volta das 18h, para realizar o negócio. Ele pergunta de quanto será
a compra e informamos que o valor é de R$ 70 mil, o que corresponderá,
conforme os índices acertados em telefonemas anteriores, ao recebimento
do dobro (R$ 140 mil) em bônus eleitorais.
DÉCIMO TELEFONEMA
Novamente de um orelhão, repórter informa que, caso não possa
comparecer pessoalmente, mandará um portador para receber os bônus
e dar o cheque correspondente. O negócio foi fechado a partir das
18h20 da noite de quarta-feira.
(Xico Sá)
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