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Blog do João

23/12/2003 - 16h43

A primeira sessão de cinema

Domingo amanheceu chuvoso. E cedo. Às 7h30, lá estava ele em pé, grudado nas grades do berço: "Qué passeio! Passeio!". Bem, minha primeira intenção foi tentar dar uma "enrolada" no menino. Coloquei um livrinho no berço e, silenciosamente, me aconcheguei no sofá ao lado. Minha esperança (vã, como vi poucos segundos depois) era que ele se distraísse o livro e voltasse a dormir por pelo menos uns 30 minutos. Que nada. Não demorou muito e lá veio: "Qué passeio! Passeio!". Derrotado, decidi que era hora de fazer alguma coisa, pois meus argumentos para mantê-lo no leito haviam se esgotado.

Normalmente, os domingos são fáceis de resolver. Tomamos café juntos na padaria, damos uma volta pelo bairro e vamos ao clube ou à pracinha até a hora do almoço dele. Nisso vai-se a manhã. Depois, o dia flui a sabor do vento, sem muitas preocupações. A encrenca rola quando chove. Por vezes vamos a museus ou exposições, como já contei aqui. Mas dessa vez, a Mãe sugeriu que era hora de mudar. "Que tal um cineminha?"

Achei ótimo, mas confesso que senti um calafrio percorrer minha espinha. "E se ele não gostasse e desatasse a chorar sem parar? E, pior, se ele começasse a gritar até perder o fôlego? Sala de cinema tem pediatra de plantão?" Como estivesse lendo meus pensamentos, a Mãe emendou: "A gente não precisa se preocupar. É um filme infantil, tem outras crianças acompanhadas pelos pais. Todos devem estar acostumados com essas e outras reações". Mas é claro, óbvio. Não estávamos a caminho de "Invasões Bárbaras", mas ao encontro do "Irmão Urso". Tranquilo. Vamos nessa.

Até aí, tudo bem. Com o João no carrinho, tomamos café e nos mandamos. A chuva havia dado uma trégua, mas o tempo continuava feio, muito feio. Ao chegarmos, fila. Como sempre, a habitual eficiência das cadeias exibidoras. Duas sessões marcadas para as 11h, apenas um caixa funcionando. Resultado, Mãe na fila e eu com o menino rodando pra lá e pra cá. Na boca dele, um só nome: "Papai Noel! Quero ver o Papai Noel!". Ao que eu respondi, com toda minha cara-de-pau: "O Papai Noel está dormindo. Mais tarde nós vamos vê-lo. Agora é hora de cinema. Olha que legal!". Efeito zero. "Papai Noel! Quero o Papai Noel!". Quando as lágrimas começavam a escorrer, surge a Mãe com as entradas. "Ok, João, vamos ao cinema!" Não adiantou. "Papai Noel! Quero o Papai Noel!", com as lágrimas já rolando. Nessa, rodei o carrinho e, segundos depois, já estávamos no interior da sala.

Não sei se foi a brutalidade da manobra, mas o fato é que o Papai Noel ficou do lado de fora. A sala escura, a tela gigantesca, o som inacreditavelmente alto, tudo contribuiu para que o garoto ficasse em transe. Pelo menos até nos sentarmos. Acomodado no meu colo, a impressão que eu tive é que ele estava com medo. Sim, medo. Começou a choramingar e a pedir para sair. Enquanto isso, na tela, trailers e mais trailers. Dez minutos depois das 11h e nada de o filme começar. Mais trailers, choramingos, até que o desenho finalmente começa. Aos poucos, com a Mãe falando baixinho ao seu ouvido, ele foi se acalmando e se interessando por aquele espetáculo. Em minutos, já parecia completamente absorvido pelo filme. Papai Noel? Quem é esse cara?

Mais habituado à escuridão, só então olhei meus companheiros de sala. Eram em sua maioria pais (poucas mães), com seus filhos, todos um pouco mais velhos que o João. Durante o filme, por duas vezes, uma menininha cruzou a nossa frente rumo ao banheiro. No mais, conversas sobre o que rolava na tela. Nenhum "psiu" ou pedido de silêncio. Pareciam veteranos, enquanto eu não passava de um calouro. Relaxei.

Uma hora depois, o menino cansou. Pelas minhas contas ainda faltavam 30 minutos para o fim, mas ele não queria saber. Conformada, a Mãe o tomou pela mão e combinamos de nos encontrar lá fora após o fim da sessão. Afinal de contas, alguém deveria ver o filme até o fim, para o caso de ele perguntar, sabe como é... Cinco minutos depois, lá vêm os dois de volta. Sobem a escada e depois tornam a descer. Mais preocupado em contar os degraus, nem dá bola para a história do menino que vira urso para aprender o verdadeiro significado do amor na mais pura tradição da Disney. Em seguida, a Mãe me passa a tarefa, e lá vou eu contar degraus. No meio, ele desata a cantar. E alto. "Na Bahia tem! Tem, tem, tem..." Quase morro de vergonha, mas aí me lembro dos meus colegas de sala e novamente relaxo.

Após mais uma ou duas escaladas, ele volta a se acomodar e assim vai até o final, concentrado, aplicado em saber como termina a história. Quando as luzes se acendem e a música de Phil Collins volta a inundar a sala, saímos com calma, satisfeitos com a performance da família. É hora de ele almoçar, mas basta pisar lá fora para começar tudo de novo: "Papai Noel! Quero ver o Papai Noel!". Mais uma vez, dou um lustro na minha cara-de-pau e respondo: "Agora não, filhinho. Papai Noel está almoçando..."
Luiz Rivoiro é jornalista, editor-chefe do Núcleo de Revistas da Folha. Começou a escrever quando descobriu que a Mãe estava grávida, em agosto de 2001.

E-mail: lrivoiro@uol.com.br

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