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Blog do João

26/02/2004 - 18h42

Sozinhos

Demorou, dizem uns. Mas foi. Semana passada, Carnaval, tomamos coragem e, pela primeira vez em dois anos, deixamos o João sozinho com a avó e nos mandamos para Buenos Aires. Não que tenha sido uma longa viagem, mas, ainda que apenas quatro dias, foi a primeira e isso a gente não esquece.

Tudo começou na quinta-feira, quando os avós maternos vieram de Campinas para buscá-lo. Chegaram à noite, preparando o terreno para levá-lo na manhã de sexta. Como o nosso vôo estava marcado para as 21h do mesmo dia, foi apenas uma questão de logística, mas que o menino sacou na hora. "Afinal de contas, que raios a vovó Didi veio fazer aqui bem no meio da semana?". Bem, o fato é que o menino foi dormir meio ressabiado nesse dia.

Na manhã seguinte, malas prontas, brinquedos, fraldas, CDs e vídeos empacotados, ele teve a certeza de que algo estava fora de controle. Ainda assim, manteve a classe. Explicamos que ele iria para a casa da vovó em Campinas, que o papai e a mamãe estariam fora por uns dias, mas que depois iriam buscá-lo. Surpreendentemente para nós, ele não chorou. Acomodou-se no carro do vovô e, suco em mãos, deu tchau a todos. Em segundos, o carro com o nosso menino deixava a garagem. Ao mesmo tempo, a Mãe se debulhava em lágrimas. Não teve jeito, afinal, como disse lá em cima, era a primeira vez que iriam se separar assim, digamos, tão radicalmente. Algumas lágrimas depois, ela já estava recomposta e pronta para a "aventura". Como dizem, alguma hora "é preciso cortar o tal cordão umbilical".

Antes de embarcar, do aeroporto, ligamos para saber como estavam indo as coisa. "Tranqüilo. Ele não perguntou de vocês e se divertiu muito. Já está quase dormindo", informou a vovó. Bem, melhor impossível, pensei. E embarcamos com a consciência tranqüila.

Depois disso, ligamos pelo menos uma vez ao dia, sempre no final da tarde, para saber como estava se comportando o menino. A resposta, sempre foi a mesma: "Tranqüilo. Tem brincado bastante, comido bem, dormido a noite toda e não perguntou sequer uma vez por vocês". "Mas está tudo bem mesmo?". E a vovó respondia: "Sim, podem ficar calmos". "E se a gente falasse com ele, só para ouvir a voz...". Aí, ela retrucava, decidida: "Time que está ganhando não se mexe, ele está tão bem... Por que arriscar? Ele é muito esperto, entendeu que vocês estão fora, mas que virão buscá-lo logo". Diante de tal argumento, nos contentávamos em tentar vasculhar os ruídos ao fundo, em busca daquela vozinha tão familiar, algumas vezes com sucesso, ainda que à distância.

O que aconteceu então é que durante os quatro dias sempre nos pegávamos pensando nele e especulando como ele estaria se saindo. A saudade bateu, claro, mas tive certeza que valeu a pena para todos nós.

Quando fomos buscá-lo, essa certeza foi maior ainda, ao vê-lo sorrindo e batendo palmas ao perceber a chegada do nosso carro. Aí foi aquela confusão, cheia de beijos, apertões, brincadeiras, risadas e muito, mas muita felicidade estampada no rosto do garoto e, acredito, nos nossos também.

Na hora de voltarmos, ele se despediu da avó e das tias que tanto cuidaram dele com a mesma elegância de sempre, sem choro, com beijinhos e tchauzinhos. No portão, dessa vez, ficava a vovó Didi com os olhos cheios d'água, mas com o coração tranqüilo e a certeza de ter vivido alguns de seus mais preciosos dias.
Luiz Rivoiro é jornalista, editor-chefe do Núcleo de Revistas da Folha. Começou a escrever quando descobriu que a Mãe estava grávida, em agosto de 2001.

E-mail: lrivoiro@uol.com.br

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