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Blog do João

22/06/2004 - 16h32

Caipirinha

Camisa xadrez, calça jeans, chapéu de palha. Tudo pronto para a primeira festa junina do João. Ou quase. Faltavam o bigodinho e a barbicha, que foram devidamente desenhados à lápis pela caprichosa mão da Mãe. Agora sim, ele estava preparado para enfrentar o grande desafio da tarde de domingo: a quadrilha. Ou quase. Faltava o par. Onde estaria ela?

Impaciente, enquanto ela não aparecia, o menino corria por todos os lados nos apresentando orgulhoso seus amigos da escola. "Olha, esse é o Luigi! Ei, chegou o Ioiô! Lá vem a Giulia! A Marina!" E dá-lhe mais correria. Juntos, pouca ou quase nenhuma bola deram para as barracas de comida ou de brincadeiras. A ordem era mesmo brincar de pega-pega, ainda que aqueles estranho trajes limitassem movimentos mais ousados, como saltos e piruetas.

Aos poucos, também foram chegando seus convidados: a vovó, o vovô, as tias e os tios. Afinal de contas, o evento era de gala e ninguém queria perder a performance do pequeno ao som do sanfoneiro.

Mas ainda faltava algo, ou melhor, alguém, para completar a festa: a garota que seria o seu par na contradança. E foi ele quem a encontrou. "A Cíntia! A Cíntia!", nos mostrava, enquanto corria em direção à sua tão esperada dama. Num abraço carinhoso, ela se revelava linda em seu vestido cor-de-rosa rendado e maria-chiquinhas bem-arrumadas.

Em segundos, as famílias se juntaram e as câmeras dispararam na captura da imagem do dia: os dois de mãos dadas devidamente paramentados como manda a tradição. "No Dia dos Namorados, perguntei se ela ganharia algum presente. 'É claro, do João!', respondeu", contou-me a mãe da minha primeira futura nora. "Ela é cambalhoteira!", dizia o menino entre risos e mais abraços.

Chegou então o grande momento. No teatro, cortinas fechadas, familiares se acomodavam como podiam. Câmera em punho, me atirei bem em frente ao palco. Tensão. E vem a primeira surpresa: nada de quadrilha. A música é outra. Legal, nada contra, mas confesso que fiquei meio frustrado. Tudo bem, as cortinas se abrem, e... a segunda surpresa: cadê o João?

Procurei, procurei, até que subi os olhos e encontrei o menino no colo de uma das tias. Cara de choro, murmurando um inaudível "mamãe", olhando para a platéia buscando algum rosto conhecido. Deu pena. Mas como podíamos prever que isso aconteceria? Ok, ok, amigos com filhos um pouco mais velhos já haviam prevenido que tal comportamento era mais do que esperado. Mas, sabe como é, ele havia ensaiado a música, estava animado e, mais importante, tinha até a garota dos seus sonhos bem ali ao seu lado.

A música foi seguindo e nada de o menino descer do colo. Foi aí que percebi que ele não era o único a não dançar. Enquanto as meninas --inclusive a adorável Cíntia-- se esbaldavam, a maioria dos meninos ou se agarrava às tias ou ficava imóvel como estátua ou, ainda, como o Ioiô, sequer se aventurava a subir.

Fim do evento, saudamos o menino na boca do palco como um verdadeiro artista depois de uma grande apresentação de gala. Foi aí que ele nos abraçou e sorriu, mostrando que, ao final de tudo, não tinha sido tão ruim assim. Quem sabe na próxima ele dança?
Luiz Rivoiro é jornalista, editor-chefe do Núcleo de Revistas da Folha. Começou a escrever quando descobriu que a Mãe estava grávida, em agosto de 2001.

E-mail: lrivoiro@uol.com.br

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