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Brasília Online

10/10/2006

Quem pagará a conta do ajuste?

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-governador Geraldo Alckmin estão omitindo de propósito que ambos farão um forte ajuste fiscal se conquistarem o Palácio do Planalto.

Para desgastar Alckmin, Lula diz que o tucano promoverá cortes na área social. O ex-governador, que entoava com orgulho os bordões "choque de gestão" e corte "de despesas correntes", já não bate tanto nesta tecla, com medo do carimbo que Lula tenta lhe dar. Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda de Alckmin e um dos formuladores de seu programa econômico, defende uma tesourada de R$ 60 bilhões nos gastos públicos.

Tanto Lula como Alckmin deverão cortar na área social caso não queiram alimentar a possibilidade de séria crise fiscal a partir de 2009 ou 2010. Ambos deveriam dizer ao eleitor como pretendem fazê-lo, em qual grau, em quais áreas. Esse ajuste não é indolor. E significa arbitrar quem pagará a conta num país pobre e desigual.

Como os dois candidatos falam em preservar investimentos (obras e projetos novos que a União faz a cada ano), restaria a opção de passar a faca no custeio. Diferentemente do que o nome sugere, custeio é algo muito maior do que a manutenção da máquina pública, da burocracia.

Do jeito que os candidatos e economistas falam, parece que cortar gasto de custeio é economizar em material de escritório, nas contas de água, luz e telefone, no tradicional cafezinho das repartições públicas e em viagens supostamente desnecessárias. Essas despesas equivalem a uma parcela quase insignificante de custeio. A maior fatia dessa dinheirama vai para as áreas social e de infra-estrutura.

Por exemplo, construir um novo hospital é gasto de investimento. Manter esse hospital funcionando é despesa de custeio. O que é mais importante? Os dois são relevantes, mas, entre construir um hospital novo e manter funcionando outro que já existe, a prioridade parece óbvia.

O mesmo raciocínio vale para as escolas. Novos prédios escolares são despesas de investimento. Já a verba para a merenda escolar entra em custeio.

A discussão orçamentária é árida, chata, cheia de detalhes. No entanto, é a mais importante de um país. Ainda mais de um país com cobertor curto. O número geral do Orçamento de 2007 é R$ 1,5 trilhão. Isso mesmo. Mais ou menos uns 65% do valor do PIB (Produto Interno Bruto, a soma de todas as riquezas produzidas no Brasil).

Dois terços do Orçamento se referem às chamadas despesas financeiras. Resumidamente: os juros e os encargos da dívida do governo, a quitação de parte desse débito (amortização), a rolagem dessa dívida e outros tipos de despesas financeiras complicadas de detalhar numa coluna.

Um terço do Orçamento é destinado às chamadas despesas primárias: de fato, o dinheiro que a União distribuirá. No Orçamento de 2007, a previsão para esse tipo de despesa é de R$ 547,8 bilhões. É uma montanha de dinheiro. No entanto, o governo tem controle sobre um pequeno pedaço da montanha.

Dos R$ 547,8 bilhões, apenas R$ 91,4 bilhões se referem às chamadas "despesas discricionárias" do Poder Executivo_aquelas que o governo destina às áreas que deseja. Mas não tão livremente. Há vinculações constitucionais que obrigam o governo a aplicar um valor mínimo em saúde e educação, por exemplo.

Os outros R$ 456,4 bilhões são despesas obrigatórias, como repartição de impostos com Estados e municípios, pagamentos da Previdência, folha de salário do funcionalismo etc.

Relembrando: daquele R$ 1,5 trilhão, apenas R$ 91,4 bilhões poderão efetivamente ser cortados. Para ter liberdade de passar a tesoura, seria preciso mudar a lei, provavelmente a Constituição, o que não é tarefa fácil nem para governo recém-eleito.




O nó da questão

Leitor, se já chegou até aqui, tenha só um pouco mais de paciência para entender que cortar em custeio é tarefa inglória e que costuma resultar em desgaste político. Os R$ 91,4 bilhões de despesas discricionárias do Orçamento se dividem em custeio (R$ 73,8 bilhões) e investimento (R$ 17,6 bilhões).

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) aos quase quatro anos de gestão Lula, os investimentos têm sido o alvo preferencial da tesoura oficial. Não há lei que imponha um gasto mínimo nessa área e é sempre mais fácil cortar o que ainda não existe, o que está no papel ou ainda em andamento (este um outro problemão, que não vem ao caso agora). Como fazer a economia crescer sem obras novas é complicado, cortar os investimentos cria gargalos que dificultam o crescimento do PIB, pois faltam portos, estradas, linhas de transmissão etc.

Para dourar a pílula, Alckmin fala que a solução é cortar no custeio da máquina, os tais "gastos correntes". Lula afirma que não cortará, mas já encomendou estudos para fazê-lo. Que fique claro que o corte de custeio afeta as áreas social (educação e saúde) e de infra-estrutura (energia e transportes).




Em tempo

Os benefícios do Bolsa Família são despesas de custeio. No Orçamento de 2007, estão previstos R$ 8,7 bilhões para o pagamento de 11,1 milhões de famílias.

Se Lula for eleito, terá de enviar um pedido de crédito suplementar ao Congresso, pois o petista já pediu à sua equipe que estude um aumento do valor dos benefícios. Se Alckmin vencer, já disse que manterá o principal programa social do país. E prometeu até melhorá-lo, sem dizer o que isso significa.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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