Colunas

Brasília Online

15/04/2007

Visita do papa favorece clima antiaborto

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

No mês que vem, o papa Bento 16 visitará o Brasil. É uma boa notícia para os católicos praticantes. Para o restante da população, especialmente a mais pobre, talvez não seja.

A liberdade religiosa é um das grandes conquistas da democracia. O Estado laico também. Conservador, Bento 16 venderá o seu peixe.

Já o governo Lula poderá encontrar a oportunidade para aprofundar o seu conservadorismo em alguns temas, como aborto e métodos contraceptivos.

Tem faltado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva coragem para se posicionar claramente em relação a esses assuntos. A visita do papa pode servir de gancho para uma decisão conservadora e equivocada.

A ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, tem criticado o anacronismo da legislação brasileira em relação ao aborto. Ela defende que a rede pública possa realizar abortos até o terceiro mês de gravidez. Há um projeto em tramitação no Congresso.

A ministra tem um argumento difícil de rebater: esses abortos já acontecem. Existe um problema concreto de saúde pública. Legalizar o aborto nesse caso é algo decente a se fazer para os mais pobres.

As camadas médias e ricas da sociedade não precisam recorrer ao serviço público. Hoje, mulheres pobres morrem por ingestão de medicamentos abortivos ou por inépcia de médicos sem preparo.

Nilcéa está certa. As seguidoras de Bento 16, pobres ou ricas, terão o seu direito de escolha. Nenhuma delas será obrigada a interromper a gravidez.

Entretanto, esse direito de escolha não existe hoje. De maneira ponderada, a ministra propõe um limite --até o terceiro mês de gravidez. Ou seja, tempo suficiente para uma mulher tomar a sua decisão sem que o Estado brasileiro ou o Vaticano digam o que ela deva fazer.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria apoiar Nilcéa. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, até tentou. Mas amarelou rapidinho diante de uma manifestação em Fortaleza de católicos contrários ao aborto. Pena! Temporão foi vendido por Lula como "o ministro da Saúde". Seria um técnico apoiado pelos médicos e vacinado contra politicagem e lobbies.

A visita do papa tende a reforçar os defensores da atual legislação, que permite o aborto em caso de estupro e de risco de morte da mãe.

Obviamente, é um assunto delicado. A decisão de interromper uma gravidez não é fácil nem deve ser estimulada. Mas há um problema real num país real. Lula, que se gaba de ser um presidente dos pobres, deveria, no mínimo, descer do muro. Alegar que é um assunto do Congresso é uma fuga algo vergonhosa.




Na mosca

O médico Drauzio Varella escreveu um excelente artigo na versão impressa da Folha do sábado (14/04). Com razão, argumentou ser uma perversidade negar aos mais pobres acesso aos métodos anticoncepcionais.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

Leia as colunas anteriores

FolhaShop

Digite produto
ou marca