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Brasília Online

12/09/2004

José Dirceu não dá sossego ao governo

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

Muito já se falou sobre as qualidades do ministro da Casa Civil, José Dirceu. Trabalhador, bom articulador, homem de visão estratégica. Mas as duas últimas andam lhe faltando. Pior: Dirceu virou o ministro que não deixa o governo federal ter um minuto de sossego numa hora em que podia surfar na série recente de boas notícias econômicas.

Dirceu ora fala como presidente da República, ora como presidente do PT, ora como ministro da Fazenda, ora como articulador político oficial. De vez em quando, fala como gerente do governo, seu papel real na administração Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas a culpa, se ela existe, não é de Dirceu. A responsabilidade cabe a Lula, que escalou mal o chefe da Casa Civil. Na última semana, decidiu-se que Dirceu coordenará nos próximos dias uma reunião para sanar um problema do Ministério do Desenvolvimento Social, chefiado por Patrus Ananias.

Um grupo discutirá formas de controlar a frequência escolar de alunos beneficiados pelo Bolsa-Família. Patrus admitiu que não existe esse controle, pré-requisito legal para a obtenção do principal benefício social do governo.

Detalhe: como gerente do governo, Dirceu já não deveria ter se preocupado em resolver isso? Não é essa a sua função? Mas o chefe da Casa Civil tem dedicado mais tempo a outros temas, como agredir o Ministério Público e depois recuar, pedindo desculpa por comparar setores da instituição à Gestapo.




Faixa presidencial

Ministros, senadores e empresários que tiveram conversas reservadas com Dirceu disseram sair com a impressão de que falavam com o presidente da República.

Em reuniões com o próprio presidente, Dirceu se comporta assim, e arranca sorrisos de Lula, que dá uma piscada para outro ministro toda vez que ele se inflama. Lula chega a ver uma certa razão de ordem psicológica, talvez fruto do duro período de clandestinidade no regime militar, para tal comportamento. Seria uma síndrome da cultura do aparelho, que vê inimigos por todos os lados na política, no governo e na mídia.

Aliados do ministro nunca se cansam de dizer que, sem as alianças que costurou em 2002 e sem seu trabalho de profissionalização do PT quando presidente do PT, Lula jamais teria chegado ao Palácio do Planalto. É óbvio que Dirceu teve papel importante, mas a eleição de Lula não foi conquistada graças a ele.

Esse é o Dirceu presidente da República.




Guerreiro eleitoral

Nas eleições municipais, não há notícia de ministro mais ativo nas campanhas de candidatos do PT e de partidos aliados. Responde aos tucanos, inflama a militância, sobe nos palanques, como fez em Anapólis, e diz que, se eleito o candidato petista, o governo federal vai ajudar muito.

Como ministro, atrai na prática toda a agressividade inerente a uma campanha eleitoral. Passado 3 de outubro, o governo continua, mas ele não parece preocupado com as arestas que cria ao agir assim. Quem é governo tem mais a perder do que quem é oposição.

Esse é o Dirceu presidente do PT.




Gladiador parlamentar

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), com quem Lula busca boa relação desde o início do governo, faz uma crítica ao projeto das PPPs (Parcerias Público Privadas). Exagera até, falando em "roubalheira" se o projeto não for alterado no Senado.

E lá vem Dirceu e solta que vai consultar Lula para saber se dá um tiro mortal no tucano. Depois, bate no PSDB, dizendo que eles não têm moral para criticar o PT. Tal comportamento só dificulta a já complicada articulação para aprovar as PPPs.

Esse é o Dirceu articulador político.




Economista federal

Não passa uma semana sem que Dirceu dê alguma opinião econômica que mexa com o mercado. A última foi uma declaração dúbia sobre taxa de juros, o que deixou o mercado com a pulga atrás da orelha (vai subir ou não vai na reunião desta semana do Comitê de Política Monetária?). Ele também deu corda à proposta de pacto social para tentar evitar alta dos juros, idéia que Palocci bombardeou ferozmente por julgar inflacionária.

Esse é o Dirceu ministro da Fazenda.




Papel mal resolvido

Fosse presidente da República, talvez Dirceu não precisasse demonstrar tanto que manda. Fosse presidente do PT, talvez se lembrasse de que o partido é governo federal e precisa continuar a administrar o Brasil para todos após as eleições. Fosse articulador político, talvez não dinamitasse pontes no Senado. Fosse ministro da Fazenda, talvez se contivesse um pouco mais ao falar de economia.

Se o presidente Lula quer menos sobressaltos e mais resultados em sua administração, deve escalar melhor Dirceu. O que ele sabe fazer é articulação política. Demonstrou isso ao conduzir essa área com maestria na transição do governo FHC para o governo Lula. Hoje, Dirceu tem atuado como alguém que joga gasolina na fogueira das crises. Muito ruim um governo viver assim cotidianamente.

Ou Dirceu assume de vez a articulação política, papel que hoje é do hábil e calmo Aldo Rebelo, ou opta pela presidência da Câmara em 2005, solução que talvez pacificasse a base de Lula no Congresso, ou atua para valer como gerentão do governo.

O risco é Lula deixar como está para ver como fica. Para o bem e para o mal de Dirceu, do governo e do país.




Palavra de Maluf

O ex-prefeito Paulo Maluf, aquele que jura de pés juntos que não tem dinheiro no exterior apesar de farta documentação mostrar o contrário, nega que tenha feito pacto com o PT para poupar a prefeita petista Marta Suplicy e atacar mais o tucano José Serra. Reclama de não ter sido ouvido antes da publicação de reportagem na edição impressa da Folha.

Bom jornalismo de bastidor, com informações checadas e negociações acompanhadas durante semanas, não exige, como quer ele fazer crer, que tivesse de ser ouvido obrigatoriamente antes da publicação. Só o temperamento autoritário, de quem fez carreira na ditadura militar e que agora amarga 12% de intenção de voto no Datafolha, pode lhe dar a ilusão de que tem como controlar a imprensa independente.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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