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Brasília Online

06/06/2004

A ameaça ao "Plano Palocci"

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizer que em seu governo não há um "Plano Real", um "Plano Lula", existe, sim, um "Plano Palocci". Em linhas gerais, esse plano tem como objetivo reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB (Produto Interno Bruto, a soma de todas as riquezas produzidas pelo país em um ano). O ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, acredita que, assim, a iniciativa privada assumirá cada vez mais o lugar do Estado na promoção do crescimento, com mais crédito, produção e emprego.

Os pilares desse plano têm sido a política fiscal, com forte corte de gastos públicos e o consequente impacto negativo sobre a capacidade de investimento do Estado, e a política monetária (taxa básica de juros, hoje em 16% ao ano).

Palocci aumentou de 3,75% (governo FHC) para 4,25% do PIB a meta de superávit primário. Grosso modo, ela é toda a economia do setor público para o pagamento de juros.

A retomada do crescimento econômico, tímida em relação às necessidades do país, e o aumento da arrecadação de tributos prometem suavizar a política fiscal. O corte de gastos de R$ 6 bilhões deste ano já caiu para cerca de R$ 4 bilhões. E pode até ser menor, a depender do comportamento da arrecadação.

É na política monetária, portanto, que reside hoje a maior ameaça ao "Plano Palocci".

O conservadorismo do Banco Central presidido por Henrique Meirelles jogou pela janela oportunidades de contribuir para redução da relação dívida pública-PIB --indicador fundamental para atrair investimentos externos e estimular a produção interna.

Na cúpula do governo, é cristalina hoje a avaliação de que o Banco Central errou ao não baixar os juros nas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) de janeiro, fevereiro e maio. Viu inflação e ameaças externas além da conta.

Tivesse baixado mais os juros, deixando-o hoje por volta dos 14% ao ano, o enorme superávit fiscal, recorde em maio, teria tido efeito maior sobre a relação dívida-PIB.

A cada 1 ponto percentual a menos na taxa de juros por ano, economiza-se cerca de R$ 4 bilhões na dívida pública (é o tamanho do corte de gastos deste ano). A dívida pública fechou o mês de março em R$ 924,4 bilhões, o equivalente a 57,4% do PIB.

Um BC da Dinarmarca

Apesar do Banco Central, o aperto fiscal recorde registrado pelo governo ajudou a reduzir a dívida pública no mês passado. O endividamento de União, Estados, municípios e estatais somou R$ 926,4 bilhões, o que equivale a 56,6% do PIB..

Há outros fatores que influenciam a dívida, como a alta do dólar de maio para cá. Mantido um dólar por volta dos R$ 3,10, a relação dívida-PIB chegará ao final do ano em 57,6%.

A equipe econômica tem conseguido diminuir a parcela da dívida indexada ao dólar, mas o espaço para isso é cada vez menor. Uma das principais causas dessa mudança no perfil da dívida seria a redução da quantidade de títulos públicos corrigidos pelo dólar em circulação do país.

Desde o final de 2003, o BC tem resgatado parte dessa dívida, justamente numa tentativa de reduzir a vulnerabilidade das contas do governo em relação a oscilações da taxa de câmbio.

Em janeiro de 2003, 32,3% dos papéis do governo negociados no mercado nacional eram corrigidos pelo dólar. No mês passado, essa proporção havia recuado para 15,1%.

Se o BC insistir no conservadorismo atual, o "Plano Palocci" vai acabar virando o "Plano Enxuga Gelo".

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, já disse em conversas reservadas, por exemplo, que Meirelles e seus diretores não podem se comportar como se dirigissem o "Banco Central da Dinamarca".

Hábil, Palocci leva o presidente do BC com jeito. Algumas vezes ele já insinuou que poderia deixar o cargo. Numa delas, ao ouvir "ponderações" que não gostou, Meirelles disse, com a inconfundível voz grave: "Caso não estejam satisfeitos...".

Como sua substituição não está na agenda presidencial devido ao terrível impacto que teria no mercado num momento de turbulência internacional, Lula e Palocci precisam dormir com um barulho desses.




Operação Vampiro

O pronunciamento em TV e rádio do ministro Márcio Thomaz Bastos na sexta (04/06) tem dois objetivos políticos: tentativa de recuperar a popularidade do governo, que caiu neste ano, e campanha eleitoral disfarçada.

Lula e seus candidatos nas eleições municipais de outubro vão entoar o discurso de que o combate à corrupção é uma marca do governo. Será a resposta ao uso pela oposição do caso Waldomiro Diniz e do inacreditável desconhecimento de ingênuos ministros sobre coisas erradas feitas por auxiliares.




São Waldomiro

Resposta de um membro da cúpula do governo à manutenção de Humberto Costa no Ministério da Saúde após a descoberta de que auxiliares dele foram pegos na Operação Vampiro: "É a jurisprudência José Dirceu".

Traduzindo: uma vez que o ministro da Casa Civil não caiu após o caso Waldomiro Diniz, Costa não poderia deixar o posto depois de ter partido dele o pedido de investigação à Polícia Federal.




Hummmm!...

Assim que foi derrubada no início de maio a MP (medida provisória) que proibia o funcionamento das casas de bingo, o governo prometeu reação imediata manter os estabelecimentos fechados. Afinal, não poderia deixar cair no vazio a sua principal resposta ao caso Waldomiro Diniz.

Agora, o governo alega que aguarda uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) confirmando uma lei que proíbe os bingos. Nesse caso, não precisaria reeditar nova MP ou enviar um projeto de lei.

Parece, porém, que o governo acha que o caso caiu no esquecimento e que talvez seja melhor discutir a regulamentação da atividade, aquilo que já ia propor mesmo antes de Waldomiro virar notícia.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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