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Brasília Online

24/02/2008

Para Brasil, Raúl dividirá mais poder que Fidel

KENNEDY ALENCAR
colunista da Folha Online

Atualizado às 19h54

O futuro de Cuba será um interessante experimento histórico. O peso geopolítico e econômico da ilha é pequeno neste início de século. Desde o final da Guerra Fria, quando interessava à União Soviética ter um aliado nas barbas de Tio Sam, Cuba veio perdendo importância.

Mesmo assim, a renúncia em definitivo de Fidel Castro foi assunto de impacto mundial. Depois da queda do Muro de Berlim (1989) e da extinção da União Soviética (1991), o leste europeu virou um 'laboratório' de economias socialistas rumo ao capitalismo. O que acontecerá agora na ilha caribenha será acompanhado com grande interesse em todo o planeta.

Teremos a chance de ver como será a transição cubana e quão longe ela irá. O mais óbvio seria replicar o modelo chinês (abertura econômica e mão-de-ferro na política). Mas essa não é a aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de alguns auxiliares e de petistas amigos do regime cubano.

Para eles, a saída de cena de Fidel terá impacto maior do que o imaginado. Lula e o PT nunca trabalharam com o cenário de colapso pós-Fidel, com exilados cubanos da Florida tomando conta de Havana. E, obviamente, sabem que um processo de transição é complicado.

Ao deixar claro que não retornará mais à presidência do Conselho de Estado, o órgão executivo do país, e ao posto de comandante-em-chefe do governo e dos militares, Fidel abriu espaço para uma fase de distensão interna. Essa é a avaliação de Lula e cia.

Lula e petistas consideram que Raúl Castro se consolidou como sucessor do irmão. Ele já exercia as funções de Fidel desde julho de 2006, quando o ditador adoeceu gravemente. Neste domingo (24/02), a Assembléia Nacional cubana elegerá os 31 membros do Conselho de Estado. Estes escolherão o presidente do órgão, que também se tornará comandante-em-chefe, as duas posições antigas de Fidel. Na prática, a escolha será do Partido Comunista, que tem todas as 614 cadeiras da Assembléia. A ilha é uma ditadura de partido único.

Na opinião da cúpula do PT e do governo brasileiro, Raúl, 76 anos, deverá dividir poder com pelo menos outros três dirigentes cubanos. São eles: Carlos Lage, 56 anos e ministro da economia; Felipe Pérez Roque, 43 anos e ministro das relações exteriores, e Ricardo Alarcón, 70 anos e presidente da Assembléia Nacional.

Reservadamente, Lula e caciques petistas avaliam que Lage deverá assumir o posto que era de Raúl, o de primeiro-vice-presidente. Na prática, as funções de Lage já equivaliam à de um vice-presidente tocador do cotidiano administrativo. Esse papel tende a ficar mais claro a partir de hoje.

Muito ligado a Fidel e próximo de Lula e petistas, Felipe deverá continuar na área externa e provavelmente subirá de posição no Conselho de Estado. Alarcón, da velha guarda e com experiência como embaixador na ONU, tende a continuar na presidência da Assembléia Nacional.

No entanto, mais importante do que a função exata que cada um dos três terá na Cuba pós-Fidel é a avaliação de Lula e colegas petistas de que Raúl exercerá o poder de forma mais descentralizada do que o irmão.

Essa dinâmica de exercício do poder tenderia a acelerar o processo de mudanças em Cuba. Uma transição no início do século 21, décadas após as transformações no leste europeu e na China, também contribuiria para modificações mais céleres do que as experimentadas no passado por países socialistas. Nos bastidores, é assim que Lula e o PT enxergam o que se passa agora em Cuba.

O presidente e dirigentes petistas acham inevitável algum grau de abertura política, como a libertação de presos políticos e liberalização de viagens ao exterior. Consideram que a modernização da economia andará mais rapidamente. E julgam que serão preservadas conquistas sociais, como atendimento médico universal e educação de boa qualidade para todos.

*

Me dê motivos

Auxiliares de Lula e dirigentes do PT não vêem muito mistério na hora escolhida por Fidel para deixar o palco principal para virar uma espécie de ombudsman da ilha. Aos 81 anos e sem saúde para exercer as funções de mando, ele anunciou o recolhimento na semana em que a Assembléia Nacional deveria eleger os 31 membros do Conselho de Estado. Com sua decisão, tira Raúl da interinidade e assegura que a transição ocorrerá num cenário controlado pelo Partido Comunista.

*

"Gerente e canhões"

Petistas que freqüentam Cuba dizem que as Forças Armadas são a organização mais bem administrada do país. Convenhamos que, numa ditadura, não poderia ser muito diferente, mas o ponto aqui é outro. Raúl é quem cuidava diretamente das Forças Armadas. Nesse posto, acumulou experiência administrativa e ganhou a lealdade dos militares. Ou seja: dividirá o poder mais do que o irmão, mas ficará com os canhões na mão.

PS - Segue atualização do texto, às 19h54 de domingo (24/02). Houve uma surpresa na escolha do primeiro vice-presidente, posto que era de Raúl. Foi eleito o médico José Ramón Machado Ventura, 77 anos e integrante do grupo original que fez a revolução. Lage, cotado para o posto, deverá continuar a ser uma espécie de primeiro-ministro, aquele que toca o dia-a-dia.

Eram esperados discursos enfatizando que nada mudará com a saída de Fidel. Seria um desrespeito a ele e uma sinalização de fraqueza perante a administração de George Bush. Se um democrata se eleger presidente dos EUA em novembro, ganhará força a tese de uma mais célere transição.

Por último, como disse Raúl: "Fidel é Fidel". Ele não terá o mesmo peso do irmão e, portanto, deverá compartilhar mais o poder.

Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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