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Brasília Online

16/03/2008

Depois de abrir balcão, Lula tenta frear fisiologia

Na crise do mensalão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva temeu que prosperasse na Câmara dos Deputados um processo de impeachment. Na época, ano de 2005, a oposição avaliou que seria melhor deixar Lula sangrando na Presidência do que incendiar o país com uma tentativa de tirá-lo do cargo. Pensou que o petista chegaria fraco à eleição de 2006 e que seria facilmente batido.

A oposição acertou ao considerar que Lula não era Fernando Collor de Mello. Mas errou ao julgá-lo carta fora do baralho.

O susto levou Lula a dedicar mais atenção à articulação política, atitude correta. No presidencialismo meio parlamentarista do Brasil, o eleito para o Palácio do Planalto não tem maioria no Congresso. Precisa fazer alianças políticas. José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Lula as fizeram. E os três caíram no mais desabrido fisiologismo. Com o tempo, postos na área econômica ficaram fora da cota política, mas o grosso dos cargos de confiança é distribuído entre os partidos que apóiam o presidente de plantão.

Quando se reelegeu em 2006, Lula fez um movimento de correção de rumos. Buscou aliança com todas as alas do PMDB, partido com as maiores bancadas na Câmara e no Senado. Reparou, assim, uma deficiência do primeiro mandato. O petista também buscou se reaproximar de partidos que haviam deixado o governo, como o PDT. E distribuiu mais benesses aos aliados, tomando terreno do PT.

Logo, era para ser uma maravilha a vida congressual de Lula. Não foi. Em dezembro passado, apesar da maioria formal no Senado, Lula não conseguiu aprovar a prorrogação da CPMF, o imposto do cheque, até 2011. Perdeu bolada anual de R$ 40 bilhões.

Então, resolveu atender a pleitos de cargos que estavam represados, pensando que sua sustentabilidade no Congresso melhoraria. No meio da batalha da CPMF, nomeou José Múcio para a articulação política. Múcio é um político criado na fisiologia, já foi do antigo PFL, apoiou FHC, apostou em Ciro Gomes em 2002 e agora é lulista desde criancinha.

Brasília produz esses fenômenos, essas metamorfoses ambulantes, como diria o próprio Lula, para desespero de Raul Seixas. No Ministério das Relações Institucionais, Múcio atuou para dar cargos e verbas aos aliados como nunca antes neste país. Ele abriu o balcão de negócios com tanta avidez que agora Lula puxa o freio de mão.

Na semana que passou, em reunião com os presidentes dos partidos aliados e líderes no Congresso, o presidente pediu apoio às propostas do governo. Avisou que havia repartido o que podia e o que não podia. Agora, queria resultado. Teve de falar grosso para aprovar a MP (medida provisória) de criação da TV pública e para unir a tropa na votação do Orçamento de 2008.

Apesar disso, os pedidos por cargos e verbas continuaram a todo vapor. Múcio se empenhou diretamente para atender, por exemplo, duas reivindicações que têm grande chance de virar notícia negativa. A superintendência do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no Mato Grosso do Sul passou para a cota política do senador Valter Pereira (PMDB-MS). O mesmo posto no Estado de Goiás agora é da influência de Jovair Arantes, líder do PTB na Câmara. Deputado por Goiás, Arantes é correligionário de Múcio.

Fortalecido pela boa avaliação nas pesquisas, Lula tentará civilizar um pouco a relação do governo com os partidos que o sustentam no Congresso. A exemplo do encontro recente que teve com a alta cúpula do PMDB, o presidente se reunirá com os dirigentes dos partidos aliados e seus respectivos ministros para dizer que não dá mais para aumentar a cota de ração -- a coalizão lulista tem 14 legendas com representação no Congresso.

Lula avalia que já cedeu o suficiente aos aliados. Tomara que o presidente tenha sucesso nas reuniões com seus aliados. Ainda faltam quase três anos para encerrar seu mandato. E ele vai precisar das feras.

Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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