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Brasília Online

20/03/2005

Indecisão de Lula ameaça economia

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

A demora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em realizar logo uma reforma ministerial aumenta a cada dia a desagregação de sua base de sustentação no Congresso, principalmente na Câmara. Permite votação de projetos que aumentam gastos sem previsão de receita, o que mina expectativas econômicas positivas. E, por último, transmite uma imagem de fraqueza política que estimula os planos da oposição para as eleições de 2006.

Desde o início do governo, Lula adia decisões difíceis e polêmicas. Até pouco tempo atrás, tal atitude era vista como sinal de sapiência, mas os acontecimentos dos últimos meses mostram que o presidente anda a cometer equívocos preocupantes.

Tudo começou com a ambigüidade em relação à emenda constitucional que permitiria a reeleição dos antigos presidentes da Câmara e do Senado; respectivamente, o petista João Paulo Cunha (SP) e o peemedebista José Sarney (AP).

Lula não queria, ficou em cima do muro para não contrariar Sarney e estimulou uma guerra entre grupos no governo e no Legislativo que está aí, explodindo no seu colo.

Também foi de Lula a decisão de adiar a reforma ministerial para depois das eleições dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Trucou e perdeu. A intenção era deixar pairar uma ameaça sobre a cabeça dos aliados para que votassem de acordo com a vontade do governo. Sem cerimônia, enfiaram-lhe a faca nas costas e o fizeram engolir Severino Cavalcanti (PP-PE), político cujo atraso dispensa maiores explicações.

Derrotado na Câmara, Lula deveria ter agido rápido para conter danos. Errou de novo. Arrasta, de forma folclórica, as mudanças no primeiro escalão. A cada semana, marca um dia para o esperado acontecimento, que nunca vem e é sempre adiado.

Resultado: incinerou ministros em praça pública. Humberto Costa, da Saúde, já avisado de que sairia, tenta se segurar por meio de intervenção nos hospitais do Rio de Janeiro que relutou em adotar. O cordato e hábil Aldo Rebelo, ministro da Coordenação Política, é rifado publicamente pelos petistas.

Se continuarem, como terão autoridade para agir? O provável é que não continuem Costa nem Aldo. A demissão de Costa, por exemplo, já estava decidida, mas Lula, depois de desencadear o processo, parece emitir sinais contraditórios. Ora diz uma coisa, ora outra. A principal tarefa do presidente da República é tomar decisões difíceis, duras, complicadas.

Se os problemas tivessem ficado apenas na política, menos mal. No entanto, passaram a contaminar a economia. A inabilidade do presidente alimenta o apetite do chamado baixo clero da Câmara, deputados de pouca visibilidade pública quem vivem de favores do governo de plantão.

O baixo clero desandou a aprovar projetos que, de acordo com as estimativas, aumentarão os gastos públicos em R$ 30 bilhões neste ano se levados a cabo. Com ajuda da oposição, lideranças governistas pensam em consertar no Senado o estrago feito pela Câmara. É possível que consigam, mas isso também terá um preço político. Lembrete: da última vez em que dependeu de oposicionistas, Lula viu ser eleito Severino.

Logo, não adianta Lula fingir que não é com ele. O governo tem a obrigação de controlar a sua agenda legislativa, seja na Câmara, seja no Senado. Se não pode fazê-lo, que oriente seus líderes a entrar em obstrução até arrumar a casa.

Em economia, os sinais e as expectativas contam muito. A "farra do boi" na Câmara pode alimentar um círculo vicioso do qual o governo já tem dificuldade para sair: aumento de gastos, elevação de tributos, subida dos juros e crescimento da dívida pública.

Se continuar errando assim, Lula enfrentará grande obstáculo na sua reeleição em outubro do ano que vem.

*

Critério da reforma

Outro dado ruim de doer é um dos critérios da reforma ministerial para decidir quem será o novo ministro do Planejamento. O deputado federal Paulo Bernardo (PT-PR), presidente da Comissão do Orçamento do Congresso, e o deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), ex-relator do orçamento, são os mais cotados.

Os defensores de Bittar alegam que, por ser do Rio de Janeiro, ele deveria ser o escolhido. O PT vai mal no Estado. Não há um ministro de peso do Rio. É preciso dar um sinal para a população, não se sabe bem qual. Imagino que apenas um bom governo deixaria satisfeitos cariocas e fluminenses. Ou seja, nomeá-lo ministro porque é do Rio se revelará pura miopia política.

Os aliados de Bernardo argumentam que ele é mais afinado com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e mais bem articulado com outras forças políticas no Congresso e no governo. Também se dá melhor com a mídia.

Recentemente, quando uma comissão da Câmara aprovou projeto de mudança na Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), decisão que pode gerar um rombo de até R$ 26 bilhões nas contas públicas, quem deu a cara para bater foi Bernardo.

Por critério de competência e ousadia política, deveria ser o escolhido para o Planejamento. Voz sensata, ele declarou à imprensa que era preciso averiguar com cuidado os efeitos de tamanha decisão e mudá-la. Dizendo o que pensa, corre o risco de se desgastar com o seu eleitorado.

*

Grandes estrategistas

Após a eleição de Severino Cavalcanti, alguns ministros e auxiliares do presidente espalharam que o novo presidente da Câmara não iria criar problema para o governo. Deviam, no mínimo, refletir a respeito.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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