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03/04/2005

Conservadorismo é legado de João Paulo 2º

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

Foi inquestionável o carisma sedutor de Karol Wojtyla, o papa João Paulo 2º, cuja agonia se confirmou como mais uma das bem planejadas estratégias de marketing dos quase 27 anos em que esteve à frente da Igreja Católica. No calor dos acontecimentos, um balanço está sempre sujeito a simplificações que podem ser matizadas pela História.

No entanto, na tentativa de fazer uma análise serena, o conservadorismo preocupante da "segunda fase" do pontificado de João Paulo 2º deverá eclipsar o fugaz progressismo da "primeira fase".

Ao assumir o papado, em 1978, João Paulo soube aproveitar a revolução tecnológica dos nossos tempos e entender bem os ganhos políticos e religiosos da exploração de uma comunicação realmente instantânea e ineditamente global. Com um charme pop, e de estilo atlético até o atentado de maio de 1981, ele empreendeu jornadas pelo mundo afora e pressionou com coragem a favor da queda de regimes totalitários no Leste Europeu na virada dos anos 80 para os 90.

O conservadorismo moral, como oposição ao aborto, à camisinha de vênus, ao casamento gay, já estavam presentes, mas tinham repercussão menor devido às notáveis mudanças planetárias com o final da Guerra Fria e o colapso da União Soviética em agosto de 1991.

Assim, a "primeira fase" do pontificado de João Paulo 2º pôde ficar marcada pelo seu real papel na defesa dos direitos humanos e da liberdade política, aspectos muito lembrados pela mídia nos últimos dias. Polonês nascido em 1920, ele conhecera de perto duas formas de totalitarismo: o nazista e o comunista. Todavia, há um certo exagero da importância do papa nesse período, mais ou menos como acontece quando se fala de Ronald Reagan, Margaret Thatcher ou Mikhail Gorbatchov.

O peso específico de personalidades deve ser considerado e reconhecido, mas o povo, seja na Polônia do Sindicato Solidariedade, seja na União Soviética da glasnost e da perestroika, foi o principal motor das incríveis transformações do mundo. Sempre foi assim.




Cerco à Teologia da Libertação

O avanço da globalização e a confirmação da hegemonia dos Estados Unidos na "nova" ordem mundial deixaram para trás o lado moderno de Karol Wojtyla, que passou a se dedicar com mais afinco à desconstrução da ala progressista da Igreja Católica e ao cultivo de valores morais muito parecidos com o da direita religiosa e fundamentalista da era George W. Bush.

Cardeais e bispos progressistas sofreram um cerco do Vaticano, que estimulou uma nova leva de conservadorismo católico na América Latina. Alguns resultados: padres como Marcelo Rossi e o crescimento exponencial de igrejas evangélicas nas áreas mais pobres do subcontinente.

A "Teologia da Libertação", de matriz latino-americana, fortemente influenciada pelo marxismo-leninismo, mas também por uma convivência diária de padres com comunidades miseráveis, foi golpeada por João Paulo 2º seguidas vezes. Infelizmente, com sucesso.

Se o viés marxista-revolucionário tinha peso na "Teologia da Libertação", a luta pelo fim de desigualdades sociais, por água encanada, por escola e merenda, por saúde pública e planejamento familiar, também tinha peso nessa concepção religiosa sintetizada na expressão "opção preferencial pelos pobres".

Apesar de o papa ter se declarado opositor da Guerra do Iraque, os últimos anos foram marcados por uma simbiose Vaticano-Washington a respeito da visão de mundo. Esse desfecho do papado de João Paulo 2º, que pode ser resumido como uma "opção preferencial pelo conservadorismo", tenderá a ser o seu legado. Na prática, uma Igreja Católica mais distante dos mais pobres, apesar dos pedidos de perdão da dívida do Terceiro Mundo (bordão político surrado). Resta ainda uma marca de atraso em relação aos costumes e valores contemporâneos de seus fiéis, na linha "o que se diz na igreja não se faz em casa".
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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