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Brasília Online

20/08/2005

Na crise, Lula reconhece sua omissão

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

No final de 2004, logo após a derrota do PT em cidades importantes nas eleições municipais, como São Paulo e Porto Alegre, ficou evidente que a série de erros políticos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT vinham cometendo cobraria um dia o seu preço. Ninguém podia prever que seria tão alto.

Havia sinais exteriores de riqueza de alguns petistas e deslumbramento de alguns ministros. Lula ignorou esses sinais, além dos alertas de aliados, oposicionistas e até da imprensa de que errava demais na política.

Até pouco tempo atrás, o presidente responsabilizava apenas os outros pela crise. Mais recentemente, reconheceu em conversas reservadas que tem grande parcela de culpa.

Lula continua a jurar que nunca ouvira falar de Marcos Valério até ler o nome do publicitário nos jornais. Continua a dizer que queria ser "um mosquitinho para entrar dentro da cabeça do Delúbio [Soares, ex-tesoureiro do PT] e entender por que ele fez o que fez". Continua a reclamar que José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, extrapolou os muitos poderes que tinha e acabou levando o governo e o PT para a maior crise de ambos. Mas, enfim, reconheceu que poderia ter evitado boa parte dos atuais problemas se não tivesse sido tão negligente em relação à articulação política.

Do ponto de vista de manutenção do poder, o presidente fez tudo certo na área econômica, aquela que todos pensavam seria o seu calcanhar-de-aquiles. Há muitas críticas corretas à política econômica, mas ela é a única coisa que resta em pé no governo. A política social é um mistério. Uns dizem que é ótima. Outros, um desastre. Na política, área na qual parecia que o PT era craque, Lula fez tudo errado.

O tucano Fernando Henrique Cardoso, quando presidente, nunca menosprezou a importância do Congresso. De brincadeira, dizia que fazer política em Brasília era "namorar homem". Sempre teve e continua a ter paciência para se encontrar com dirigentes políticos de todos os partidos, de jogar conversa fora, de recebê-los em ocasiões informais para tomar um uísque, de tirar fotos com seus familiares. Mais: FHC abafou todas as CPIs importantes que a oposição tentou levar adiante nos oito anos em que governou o Brasil (1995-2002).

Lula, ao contrário, achou que podia deixar esses assuntos apenas aos cuidados de Dirceu, que atuou com um porrete político e, como mostram as muitas evidências, com a ajuda econômica de Marcos Valério para construir a base de sustentação do governo no Congresso no primeiro ano da gestão petista (2003). Em fevereiro de 2004, Waldomiro Diniz minou Dirceu, como fazem agora Delúbio e Valério, deixando-o ferido para atuar politicamente. As suas tentativas de voltar à articulação política resultaram em fracasso.

No início de 2004, pouco antes da explosão do caso Waldomiro, Lula errou ao colocar Aldo Rebelo na articulação política, um cordato e inteligente deputado federal do PC do B de São Paulo que nunca foi aceito pelo PT. Ali, tentou tirar Dirceu da política, mas nunca o ministro abandonou a área. Assim, Lula permitiu que fosse instalado dentro do Planalto um duelo entre o antigo coordenador, Dirceu, e o novo, Aldo.

Resultado: o governo foi perdendo o controle sobre a sua base congressual, dividida em grupos que guerreavam entre si. O alerta maior veio em fevereiro deste ano, com a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para presidente da Câmara. O descontrole se instalou no Legislativo; Lula não conseguiu abafar investigações como FHC, e agora vê as entranhas de um esquema de financiamento ilegal e indecente serem expostas e criarem o clima que permitiu a ressurreição do caso Buratti.

Um cardeal petista desabafou recentemente numa reunião do partido: "Erramos ao aceitar as CPIs. Nenhum governo do mundo resiste a uma CPI na qual não tem maioria e sobre a qual não tem controle. Nós temos três CPIs (Correios, Mensalão e Bingo) sobre as quais não temos nem o mais remoto poder de influência".

No papel, o governo até possui maioria nessas comissões. No entanto, a desorganização da base de apoio de modo geral e a impossibilidade de abafar algumas denúncias em particular inviabilizam o controle das investigações.

Nos últimos dias, Lula passou a admitir a sua omissão. Deveria ter se dedicado mais à política e deveria ter cortado as asas de Dirceu, que quis ser o articulador político, o gerente administrativo do governo e ainda mandar na política econômica. O presidente acredita que ainda dá tempo de se corrigir e de reverter a crise. É possível. Mas os últimos acontecimentos, como o tiro que feriu ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda), mostram que isso é improvável e que talvez seja tarde demais.

O presidente, por exemplo, tem ouvido sugestões para que diga que não quer mais a reeleição. Isso tiraria pressão da crise, dizem membros da cúpula do governo. "Não querer não significa não ser", lembra um auxiliar, que acha que Lula poderia retomar esse projeto mais à frente se superar a crise.

O presidente, porém, rejeita que lhe seja imposta agora a impossibilidade de concorrer a um novo mandato. Com razão, acha que é golpista a idéia, pois o direito está assegurado na Constituição. Nos bastidores, caciques do PT dizem que só ele, mesmo que venha a perder, pode manter o partido vivo em 2006. No pior cenário, ainda teria uma votação expressiva no primeiro turno e ajudaria a legenda a eleger alguns governadores e a manter uma bancada significativa no Congresso. Já Lula diz que não será candidato pagando qualquer preço e vendendo a alma ao diabo. Sua principal alternativa, que é Palocci, está sob fogo cerrado.

Logo, uma saída para a crise é complicada. Não basta o carisma do presidente perante os mais pobres e de menor escolaridade para que a vença. Ele precisa parar de errar na política e de improvisar discursos. O primeiro passo é ter alguma estratégia e tentar executá-la. Melhor do que ficar parado, esperando que o tempo cure feridas, que o estoque de denúncias acabe, que a imprensa deixe de fazer o seu papel e que a oposição salve sua administração baixando as armas. A paralisia e a improvisação políticas serão o caminho mais curto para a perdição. Sem muita dor, Lula e o PT não sairão dessa.

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    Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

    E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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