Kassab valoriza mais política do que administração

O presidencialismo meio parlamentarista do Brasil, herança da Constituição de 1988, não atormenta somente a vida do ocupante do Palácio do Planalto. Governadores e prefeitos precisam e devem ter bom trânsito com o Poder Legislativo, sob pena de inviabilizar suas administrações.

O prefeito Gilberto Kassab (DEM) não é uma exceção à regra. Pelo contrário. Ele se dedica com afinco à articulação política. Exemplo: seu bom trânsito na Câmara Municipal de São Paulo levou vereadores a aprovar o projeto 'Cidade Limpa'. A ideia foi do ex-prefeito José Serra (PSDB), atual governador de São Paulo. Mas Kassab convenceu vereadores a peitar o comércio. Foi à luta. Portanto, é justo reconhecer que ele é cordato, pessoa agradável no contato pessoal e hábil nos bastidores.

Se o forte do prefeito é a política, na qual exagera e reproduz as práticas atrasadas do toma-lá-dá-cá nacional, o fraco é seu pendor pelo marketing. Kassab ainda precisa provar que é bom administrador. Por ora, ela se esforça bastante para aparentar isso.

Mas convém lembrar que sua reeleição no ano passado se deveu à ligação com o antecessor. Serra deixou o cargo para ele, juntamente com uma equipe e políticas públicas definidas.

Na campanha eleitoral de 2008, por concessão ao marketing, cometeu um erro gravo. Prometeu não reajustar tarifas de ônibus. Abriu mão de uma receita anual de mais de R$ 1 bilhão. Perdeu capacidade de investimento. E tem dificuldade para honrar promessas administrativas --sobretudo na área social.

Se o democrata corta R$ 78 milhões para a limpeza pública, agravando a capacidade de São Paulo reagir a tempestades, não faltam recursos para emendas paroquiais dos vereadores. Gastou praticamente o dobro atendendo à sua base política.

Numa cidade difícil como São Paulo, por que Kassab considera prioritário liberar recursos para campos de grama sintética, impermeabilizando ainda mais a superfície do município, o que dificulta a absorção da água da chuva?

Eventos esportivos e o estádio no Itaim Paulista, irrigados com dinheiro das emendas dos vereadores, são mais importantes que serviços de varrição e coleta de entulho?

Parece que falta a Kassab apresentar um projeto próprio para São Paulo. Seu padrinho político, o governador José Serra, provável candidato tucano a presidente, deve estar preocupado. Talvez seja preciso socorrer com urgência o afilhado, sob pena de vê-lo virar um peso nas eleições do ano que vem.

Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite. E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br Leia as colunas anteriores