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Brasília Online

18/10/2009

Lula tem o dever de debater rumo da Vale

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

O presidente da República está certo ao querer discutir as diretrizes da Vale. Ela é uma empresa privada que tem bastante capital de origem pública. Os fundos de pensão de estatais federais e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) são sócios da companhia.

Mais do que isso: ela explora riqueza naturais não renováveis. De acordo com a Constituição, no artigo 20, "os recursos minerais, inclusive os do subsolo" são "bens da União". A Vale, portanto, explora essa riqueza por meio de autorização da União.

Isso significa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem o direito de derrubar o presidente da empresa? Que deve discutir detalhes da administração cotidiana?

Não.

Mas o presidente da República tem o dever, de acordo com a sua consciência e em respeito aos votos que recebeu, de debater com a empresa os seus rumos, caso julgue que uma inflexão em sua atuação possa ser mais benéfica ao país.

Dizer que o PT quer tomar a empresa de assalto com o objetivo de arrumar recursos para a campanha eleitoral de 2010 é desinformação. A gestão Lula tem sido uma mãe para os mais ricos. A elite empresarial brasileira está bastante disposta a contribuir para a eventual campanha presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Os problemas, no caso da petista, são filtrar o excesso de oferta privada e desautorizar operadores oficiosos que vendem uma importância no governo que não possuem. O risco de Dilma é abrir a porteira para todo tipo de contribuição financeira. Mas isso será assunto de outra coluna, com mais detalhes ainda em apuração.

De volta à Vale, é importante levar em conta que uma gestão privada não deve ser atrelada ao desejo do presidente de plantão. No entanto, é bom o argumento de que se trata de uma empresa que atua em área estratégica para o desenvolvimento do país. Faria mal um governo que desconsiderasse isso.

É ótimo que, desde a privatização em 1997, o número de funcionários da Vale tenha passado de 10 mil para 60 mil. Muito bom que seu valor de mercado tenha subido de US$ 8 bilhões para US$ 125 bilhões.

Certamente, o resultado foi excelente para os acionistas e para o Tesouro, para quem a mineradora pagou mais imposto. Mas essa performance não poderia ter sido ainda melhores?

No caso da MMX, da empresário Eike Batista, a rentabilidade em relação a cada real aplicado nos últimos três anos foi duas vezes superior à da Vale. Ou seja, os números dizem muito coisa, mas não tudo.

O assédio político à Vale deve ser combatido, mas a empresa precisa levar em conta os interesses estratégicos do país. Não é absurdo pedir que a Vale invista em siderurgia e que trate de agregar valor aos produtos que explora. Esse é um debate que interessa aos brasileiros.

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Composição acionária

A Vale é controlada pela Valepar, que tem 53% do capital votante da companhia. Na Valepar, o consórcio de fundos de pensão possui 49% das ações. A BNDESPar tem 11,5%. O Bradesco, 21%. E o grupo japonês Mitsui, 18%. Os números estão arredondados.

Um acordo de acionistas dá ao Bradesco o direito de gestão. Roger Agnelli, presidente da Vale, foi indicado pelo banco. Mas a soma do capital votante dos fundos de pensão e do BNDES autoriza esses a influenciar os rumos da empresa.

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Alterosas vazias

Quem vive e viveu no Quadrilátero Ferrífero, em Minas, sabe muito bem que a relação custo-benefício não tem sido vantajosa para as cidades em que as mineradoras atuam. Nunca é demais lembrar Drummond: "Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!".

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Comentário de um leitor

"Moro em Congonhas (MG), cidade onde a Vale atua. O pior trecho da BR-040 de Belo Horizonte a Congonhas é em frente a Vale. Em dias de sol, tem poeira. Quando chove, é lama. Há risco maior de acidentes com excesso de caminhões nesse trecho. Há danos causados aos para-brisas de nossos veículos com material derramado por esses caminhões, com falta de controle da carga. Eles causam demasiada sujeira no asfalto. Temos ainda que assistir, geralmente nos finais de semana, àquela propaganda enganosa de tudo muito bonito e respeitoso na Vale. No final da lavra, vai sobrar para nosso município aquelas paisagens mais parecidas com outros planetas. Vamos contemplar também fotos do passado."

Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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