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Brasília Online

11/09/2005

Câmara está no fundo do poço

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

Não adianta chorar o leite derramado. Nem ficar esperando uma eventual renúncia do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Ele já foi aconselhado, inclusive por familiares, a renunciar pelo menos à presidência da Casa. Ao meio-dia de hoje, quando pretende dar uma entrevista coletiva, saberemos se terá o bom senso de agir assim.

Severino possui o constitucional direito de ampla defesa. Desde o final de semana passado, quando as revistas "Veja" e "Época" trouxeram reportagens a respeito da propina paga por um dono de restaurante na Câmara, ele teve bastante tempo para dar respostas. Não as deu. Veremos hoje.

Após reunião com Severino ontem, sábado 10 de setembro, o advogado José Eduardo Alckmin, um ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), aconselhou a imprensa a investigar a vida do empresário Sebastião Buani "para ver do que ele é capaz".

Buani foi o empresário que, em entrevista na quinta-feira (08/09), mudou a versão inicial de que não teria pago propina ao presidente da Câmara e fez um relato detalhado confirmando que realmente deu dinheiro a Severino. Queria manter uma concessão de restaurante na Câmara. Buani não parece flor que se cheire. É um corruptor confesso.

Ora, se sabe de algo desabonador contra Buani, Alckmin perdeu uma excelente oportunidade de abrir a boca. Pega mal um ex-ministro do TSE e advogado respeitado ser leviano assim.

Mesmo que Alckmin tenha razão a respeito de Buani, e é possível que tenha, a situação do presidente da Câmara não se tornará melhor por isso. Funcionários do empresário já confirmaram à Polícia Federal que entregaram envelopes com dinheiro a auxiliares do presidente da Câmara.

Severino está morto politicamente. Perdeu a condição de presidir a Câmara. Um eventual pedido de licença do cargo, expediente que não consta do regimento interno, será insuficiente. Ele faria melhor se renunciasse à presidência e defendesse o mandato no Conselho de Ética.




Começar de novo

A oposição já disse que manterá a reunião da terça-feira para discutir os termos de um pedido de abertura de processo de cassação.

Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se sente amarrado para atuar politicamente numa delicada questão do Legislativo, o PT não tem motivo para ficar em cima do muro. O Partido dos Trabalhadores deveria engrossar o movimento da oposição para pedir a cassação de Severino. Os demais partidos aliados ao governo Lula deveriam seguir o mesmo caminho.

Um acordo entre as forças do governo e da oposição em torno de uma agenda comum para a Câmara seria uma boa tentativa de resgate da imagem da Casa.

O presidente do PSB, Eduardo Campos (PE), tem defendido uma "repactuação" entre governo e oposição na Câmara. Ele tem razão. Se essa chance for perdida, o abismo que já existe entre a opinião pública e a classe política crescerá ainda mais. A crise do mensalão acertou Lula em cheio, enfraquecendo-o, mas pode ter acertado mais fatalmente o Legislativo brasileiro, Senado incluído.

Começaram articulações a respeito de deputados federais que poderiam substituir Severino. No entanto, antes da necessária "fulanização" (conversa sobre nomes), seria conveniente que governistas e oposicionistas discutissem um conjunto de medidas para tirar a Câmara do fundo do poço. Ela chegou lá faz tempo. A continuar assim, a crise política corre o risco de virar crise institucional.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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