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Brasília Online

25/09/2005

Baixo clero decidirá eleição na Câmara

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

A exemplo de fevereiro passado, quando errou ao apostar que a oposição o salvaria votando em Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) no segundo turno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se lançou numa batalha de alto risco ao bancar o ex-ministro Aldo Rebelo (PC do B-SP) como candidato oficial na eleição para a presidência da Câmara. O pleito acontecerá na quarta-feira (28/09). Aldo tentará passar ao segundo turno para, então, atrair a maioria dos votos. No quadro atual, no qual existem muitos candidatos, dificilmente um postulante vencerá na primeira etapa.

"Temos consciência de que uma derrota vai agravar muito a crise. E achamos que uma vitória vai ajudar a melhorar o ambiente político, mas sabemos que também não vai acabar com a crise", diz um dos auxiliares mais próximos do presidente. Ou seja, uma vitória será boa, dará gás ao governo. Mas uma derrota poderá ser desastrosa, aumentando o isolamento político do presidente.

Por que Lula corre esse risco? Por que não buscou um acordo com a oposição?

1) O presidente do Senado, o peemedebista Renan Calheiros (AL), bombardeou uma tentativa de entendimento entre Lula e o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), candidato que poderia atrair setores do PFL e do PSDB para um acordo com o governo. Disse que Temer não seria confiável na presidência da Câmara, que faria o jogo da oposição.

2) Setores do PT, representados pelo líder do partido na Câmara, Henrique Fontana (RS), e o PSB do ex-ministro Eduardo Campos manobraram nos bastidores junto com Renan a fim de lançar a candidatura de Aldo. Prometeram ter força para derrotar a oposição.

Diante disso, Lula aceitou apostar em Aldo, ciente de que o movimento o levava para um confronto mais aberto com a oposição e inviabilizava a tentativa de chegar a um nome de consenso.

O mesmo auxiliar presidencial afirma que amanhã (26/09, segunda-feira) o governo contará votos e avaliará se Aldo avançou significativamente. "Ele não é um candidato para ser trocado. A tendência é ficar com Aldo até o final, mas o presidente sabe que não poderá embarcar numa aventura", diz esse auxiliar. Ou seja, há ainda chance remota de Aldo desistir.

O ex-ministro Aldo, coordenador político quando Severino Cavalcanti (PP-PE) derrotou dois petistas em fevereiro, sabe disso. Para se viabilizar, ele busca votos do baixo clero --deputados de pouca visibilidade que formam uma espécie de maioria silenciosa na Câmara. Essa turma foi decisiva para eleger Severino. E tudo indica que será novamente decisiva na eleição de quarta-feira.

Aldo, Temer e José Thomaz Nono (PFL-AL), nomes que despontaram como os mais fortes até agora, dedicaram o final de semana a buscar votos no baixo clero, camada da Câmara que tem muita simpatia por Ciro Nogueira (PP-PI).

Corregedor da Câmara e amigo de Severino, Ciro transita muito bem no baixo clero. Sem dúvida, é um candidato com chance porque há relativo equilíbrio entre três forças na Câmara: um terço deve ficar mesmo com Aldo, outro terço deverá se aliar à oposição e o último terço é justamente a turma que pode bancar um nome do baixo clero, como Ciro, ou fechar com Temer, seja no primeiro ou no segundo turno.

Para ser eleito, um candidato precisará ter a maioria absoluta dos votos válidos numa sessão com pelo menos 257 deputados presentes. Ao contrário da lei eleitoral, a Câmara inclui os brancos entre os votos válidos. Normalmente, as votações para presidente da Câmara levam à Casa 500 deputados.

Exemplo: se houver 500 presentes e 490 votos válidos, vencerá no primeiro turno quem obtiver 246 adesões. Se nenhum candidato atingir essa marca, os dois mais votados se enfrentarão em segundo turno.




As baterias de Aldo

Por ora, o candidato oficial obteve o apoio do PT (88 deputados), do PSB (21) e do PC do B (9). Renan Calheiros prometeu a Lula levar 60 dos 88 peemedebistas a fechar com Aldo, mas, no máximo, deverá contar com 40. Levando em conta esse 40 votos no PMDB, Aldo teria 158 até o momento. Obviamente, o ex-ministro não contará com o apoio fechado desses partidos. Há petistas que não votarão nele. Mas o mesmo acontecerá em relação aos apoiadores de Nonô, Temer e Ciro _sempre haverá um desconto (traição, pois o voto é secreto). O número de 158 dá uma idéia do cacife de Aldo.

Detalhe muito importante e favorável ao comunista: Lula resolveu agir e determinou a liberação de R$ 500 milhões para pagar emendas parlamentares. Será dada preferência a quem apoiar Aldo. Assim, o governo espera angariar apoio no baixo clero para sair vitorioso.




Nonô e Temer

A candidatura Nonô conta com o apoio do PFL (58 deputados) e do PSDB (52). O pefelista tenta uma aliança com três legendas que abandonaram a base do governo: PPS (15), PDT (15) e PV (7). Somados todos esses partidos, o pefelista atingiria 147 votos _marca sem considerar traições. Assim como Aldo, ele precisará conquistar apoio no baixo clero. Por ser da oposição, partidos envolvidos no escândalo do mensalão, como PP (51), PTB (46) e PL (47), tenderiam a ter resistências a Nonô. É mais provável que parte dessas siglas caminhe para Temer ou ceda a Aldo por conta das emendas parlamentares.

Temer aposta nas resistências de PP, PTB e PL a Nonô para convencer a oposição a apoiá-lo. O peemedebista veio a Brasília no sábado para articular diretamente uma tentativa de voltar a ser favorito. Não é tarefa fácil.

A traição de Renan a Temer, a quem estimulou sair candidato, tirou cacife do peemedebista. Mesmo assim, o presidente do PMDB avalia que poderia conseguir 60 dos 88 peemedebistas _a bancada está em fase de cooptação e pode ultrapassar os 90 parlamentares até quarta-feira.

Por ora, o mais realista é considerar que terá 50 votos no PMDB. é pouco para se arriscar a disputar no plenário. Por isso, tentará acordo com outras forças, argumentando que é uma espécie de segundo opção de todos os lados. Ou seja, se chegar ao segundo turno, vence. Seu problema é passar à segunda fase.




Ciro e o baixo clero

Somados dissidentes de todos os partidos e a maioria do PL e do PP, Ciro Nogueira avalia que pode chegar a 150 votos. Ou seja, estaria mais ou menos empatado com Aldo e Nonô. Joga contra ele o carimbo de herdeiro de Severino. Se eleito, conviverá com o fantasma do antecessor e poderá ficar ainda mais marcado do que já é, apesar de jovem (36 anos) e de estar se saindo razoavelmente bem na Corregedoria num momento de caça aos mensalistas.

Aldo, Nonô e Temer tentam chegar a um acordo com Ciro. Seria o decisivo pulo do gato para um deles vencer a eleição na quarta.




Pouca chance

Há outras candidaturas na Câmara, mas parecem menos competitivas que as mencionadas até agora neste artigo. São elas as de Francisco Dornelles (PP-RJ), João Caldas (PL-AL) e Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP). Dificilmente prosperarão. E uma postulação como a de Jair Bolsonaro (PP-RJ) não é para ser levada a sério.




Falta de habilidade

Após a traição de Renan a Temer, Lula convocou ao Palácio do Planalto os três ministros do PMDB na sexta (23/09) e pediu que apoiassem Aldo. O gesto pegou mal no partido e irritou até deputados do PMDB que sempre estiveram ao lado do Palácio do Planalto. Exemplo: Henrique Eduardo Alves (RN) avalia que Renan jogou fora "a última oportunidade que Lula teria para aumentar o seu apoio no PMDB".

Mais: acha que o presidente da República "deu um péssimo exemplo" ao pedir que os três ministros do partido traiam Temer em benefício de Aldo. "Foi um mau começo para o Aldo no PMDB. Nunca vi um presidente, quando o país discute reforma política e fidelidade partidária, pedir a ministros que abandonem o candidato do seu partido".

Tem certa razão o deputado. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fazia o mesmo, mas de forma discreta e fora do seu gabinete. Eram famosas as reuniões nas casas dos ministros Sérgio Motta (Comunicações) e Eliseu Padilha (Transportes) para operar a favor do tucano. Lula, ao contrário, articula mal _basta ver o tamanho da crise política que ele e o PT criaram com tudo a favor no cenário doméstico e externo.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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