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Brasília Online

02/10/2005

Reforma política às pressas é retrocesso

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

O Senado chegou a aprovar uma minirreforma política em 18 de agosto e a enviou à Câmara. Não era nenhuma maravilha, mas tinha o mérito de ser uma resposta dos congressistas à atual crise política. O prazo para a Câmara confirmá-la ou alterá-la se esgotou ontem (1º/10). De acordo com a Constituição, as regras de uma eleição têm de ser mudadas até um ano antes do pleito para que possam ser válidas. O primeiro turno das eleições de 2006 está marcado para 1º de outubro.

Valeu a intenção, mas os políticos perderam o prazo. Não é adequada a articulação para aprovar uma emenda constitucional que permitiria a extensão do prazo das mudanças de regras até 31 de dezembro. Será mais um casuísmo. E bastante perigoso ficar mudando a Constituição a cada crise.

Para aprovar uma emenda constitucional, são necessários três quintos das duas Casas do Congresso em dois turnos de votação em cada uma delas --315 dos 513 deputados federais e 49 dos 81 senadores.

Uma negociação assim exigiria um nível de consenso que não existe hoje no Senado nem na Câmara, sobretudo nesta última, que saiu dividida ao meio da eleição para a sucessão de Severino Cavalcanti (PP-PE). Seria criado um terreno fértil para malandragens e retrocessos.

Exemplo: Aldo Rebelo (PC do B-SP), recém-eleito presidente da Câmara, estreou mal ao dizer que havia excessos na chamada cláusula de barreira, medida que diminuiria a fragmentação partidária e combateria legendas de aluguel.

A cláusula de barreira fixa um desempenho mínimo nacional dos partidos nas eleições para deputado federal a fim de que mantenham acesso a três benefícios: fundo partidário (dinheiro público do Orçamento da União para os partidos), tempo de TV para propaganda política e tamanho da estrutura no Legislativo federal.

Na prática, é uma cláusula de desempenho. Cada partido precisará ter pelo menos 5% de todos os votos do país para deputado federal. E deverá ter no mínimo 2% em nove unidades da Federação, quaisquer que sejam. Do contrário, terão acesso restrito a benefícios.

Ora, é uma medida positiva. A cláusula de barreira não tem excessos. Claro que atingiria em cheio o PC do B de Aldo, que tem nove deputados na Câmara. Em nome de uma resposta à crise, congressistas e partidos poderão usar a reforma política para piorar as regras e matar avanços obtidos a duras penas.

Como naufragou na primeira reunião com os líderes, Aldo marcou outra para a terça-feira (04/10). Sua intenção é aprovar a idéia de extensão do prazo para mudanças até 31 de dezembro.

Melhor, porém, discutir com calma e com transparência e ouvir os diversos setores da sociedade civil. Se não foi possível melhorar as regras para 2006, que se faça para 2008 e 2010, mas que se faça sem malandragens e retrocessos.




Verticalização

Enquanto Aldo do minúsculo PC do B combate a cláusula de barreira, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), do ambíguo e gigante PMDB, tenta revogar a chamada verticalização. Regra eleitoral que valeu em 2002. Ela induz os partidos a repetir nos Estados as alianças que fecham no pleito presidencial. O objetivo é fortalecer os partidos e exigir alguma coerência deles.

Coerência e fidelidade partidária, porém, não são atributos do PMDB de Renan Calheiros. Ele mesmo não apoiou a candidatura do presidente do partido, Michel Temer, ao comando da Câmara. Interessa a Renan acabar com a verticalização, o que aumentaria a possibilidade de composições do PMDB nos Estados, facilitando as eleições de grandes bancadas no Congresso.

Essa forte presença no Legislativo é um trunfo do PMDB para negociar com os governos, quaisquer governos. Renan é um exemplo do tipo de político "hay gobierno, soy a favor". Foi collorido, apoiou Sarney, FHC e agora Lula. Se Serra vier a ser o candidato do PSDB e derrotar o petista em 2006, provavelmente se habilitará para oferecer "governabilidade" em defesa do Brasil. O país precisa diminuir o número de políticos que agem assim.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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