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Brasília Online

20/11/2005

Tasso revela como FHC perdeu a cátedra

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

O discurso de unidade dos caciques tucanos em sua convenção na última sexta-feira (18/11) em Brasília não deve enganar ninguém. Nos bastidores, a guerra pela candidatura do PSDB a presidente em 2006 continua pegando fogo. Os dois principais presidenciáveis são o prefeito de São Paulo, José Serra, e o governador paulista, Geraldo Alckmin.

Se o partido tivesse de decidir hoje, Serra seria o candidato. Pesa a seu favor a melhor performance entre os nomes do PSDB nas pesquisas de opinião sobre a sucessão do ano que vem. É o tucano com mais chance de bater o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006. Serra, porém, é cauteloso. Ocupa espaço a ponto de manter a dianteira sobre Alckmin, mas deixa aberta uma pequena possibilidade de não ser candidato. Prefere aguardar o cenário político de março e abril do ano que vem para tomar uma decisão final.

Seu desejo, obviamente, é concorrer, mas não quer sair "fragilizado" como em 2002, quando a maioria do partido não se esforçou por ele. Alckmin também sabe que não poderá disputar sem o apoio de Serra. Seria repetir o fracasso de 2002, quando Lula derrotou os tucanos. Daí terem afinado o discurso público, jogado a decisão para março do ano que vem e deixado a guerra pesada para os bastidores.

Serra vai esperar para ver até onde Lula recuperará ou não cacife eleitoral. Se o presidente reconquistar o espaço perdido com a crise política, o prefeito pode abrir caminho para o governador paulista.

Alckmin vive um dilema. Precisa se posicionar com mais agressividade, mas não é seu estilo agir assim. Numa entrevista na sexta-feira, os jornalistas tiveram de apertá-lo com uma seqüência de perguntas para que admitisse a pré-candidatura presidenciável. "É óbvio [que sou pré-candidato]", limitou-se a dizer. A pergunta era uma preliminar para a indagação fatal: Por que seria melhor pré-candidato do que Serra? Alckmin sorriu e saiu de fininho. Foi tirar fotos com convencionais.

O novo presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE), tem maior simpatia por Alckmin do que por Serra. Tasso tentará dar uma força ao governador paulista, que precisa se tornar mais conhecido fora de São Paulo. O prefeito de São Paulo, que disputou e perdeu para Lula em 2002, já possui fama nacional.

Na avaliação de Tasso, Alckmin tem o perfil algo certinho para se contrapor a um presidente que os tucanos tentarão carimbar como "bagunçado" e inepto para governar.

Do ponto de vista do cacife eleitoral, Serra já estaria no topo do que pode alcançar. Alckmin teria uma avenida pela frente. A auxiliares, o governador tem dito que vai se expor mais para tentar tirar de Serra o favoritismo atual na disputa pela candidatura tucana ao Palácio do Planalto.




"Caboclo" solidário

Para ajudar o governador, Tasso o levou recentemente a Juazeiro do Norte (CE) a fim de lhe dar um banho de povo, como fez com Fernando Henrique Cardoso em 1994. Naquele ano, Tasso presidia o PSDB. Após a convenção, o novo presidente do PSDB contou como foi a apresentação do candidato FHC em Juazeiro do Norte.

"Havia uma preocupação com o perfil do Fernando Henrique. Uns diziam que era muito intelectual, que não sabia discursar, que não conhecia povo, só academia. Não dava para ser candidato. Levei-o a Juazeiro", disse Tasso, relatando a história com o leve sorriso de quem conta uma piada.

Segundo ele, FHC chegou bem vestido, de paletó, camisa social. De cara, Tasso pediu que tirasse o paletó e dobrasse as mangas. Depois, ordenou: "Conte a sua história. Apresente-se. Diga o que pretende fazer por essa gente".

Lá se foi um FHC muito diferente daquele loquaz político dos palanques de hoje. O candidato a presidente disse que era um intelectual, um sociólogo que estudava muito os problemas do povo. Falou que foi um professor universitário que lutou contra a ditadura militar de 1964 e que por isso acabou preso.

"Foi muito difícil a prisão. Muita pressão. Acabei perdendo a cátedra", disse FHC, em tom solene.

No relato de Tasso, a platéia formada por umas trinta lideranças reagiu com um misto de espanto e tristeza. Uns arregalaram os olhos. Outros abaixaram a cabeça. A surpresa veio, diz Tasso, quando um "caboclo forte" que estava ao lado de FHC colocou a mão sobre o ombro do visitante, deu um apertão e falou em tom solidário: "Força. Não liga, não. Na prisão, isso pode acontecer com qualquer um".

Tasso se segurou para não rir. FHC fez que não tinha entendido que o "caboclo forte" confundira cátedra (antigo cargo no ensino superior conquistado por concurso, o famoso "professor catedrático") com algum revés pessoal que poderia ter sofrido na prisão.

Desde então, o "caboclo" ficou ao lado de FHC o tempo todo. O visitante continuou a contar a sua vida. Citou o ingresso no PMDB, o apoio às greves do ABC contra a ditadura, a passagem pelo governo Itamar Franco, do qual foi ministro das Relações Exteriores e da Fazenda, etc. etc.

Segundo Tasso, o "caboclo" não arredou pé. De vez em quando, apertava de novo o ombro de FHC e dizia algo com voz firme em seu apoio, como quem quisesse protege-lo e confortá-lo pela perda da cátedra na prisão: "Bonito", "Bom", "Isso mesmo", "Força".

Perguntado se sua intenção ao levar Alckmin recentemente a Juazeiro do Norte era um jeito de "apresentá-lo ao povão" e de forçá-lo a tentar tirar a vantagem de Serra, Tasso disse que também levaria o prefeito a Juazeiro. Em seguida, sorriu e arrematou: "Já, já o Alckmin perde a cátedra".




Em tempo

FHC esteve detido por aproximadamente 24 horas no início da década de 70, época em que era um dos diretores do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), instituição tida como subversiva pela ditadura militar instaurada em 1964. Segundo seu relato, FHC foi encapuzado e submetido a interrogatório por agentes da Operação Bandeirantes (Oban).

Financiada por grandes empresários que ironicamente viriam a apoiar FHC nas eleições presidenciais de 1994, a Oban era uma organização clandestina de policiais e militares que reprimiam grupos clandestinos de esquerda e indivíduos considerados "subversivos" --até mesmo um professor universitário e sociólogo que recusou a luta armada como forma de combate à ditadura.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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