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Brasília Online

04/12/2005

Fim da verticalização é retrocesso

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

Lá se vão mais seis meses de crise política --quase o ano todo se contarmos a eleição de Severino Cavalcanti em fevereiro passado para presidir a Câmara. Os políticos deveriam ter aprendido algo. Cassar acusados de participar do mensalão é uma das respostas à crise. Outra seria discutir uma reforma política para as eleições de 2008 e 2010, já que para 2006 não há mais tempo de mudar a regra, apesar de haver tentativa nesse sentido. Um retrocesso está em curso: votar o fim da verticalização por mera conveniência eleitoral, um casuísmo clássico.

A verticalização induz os partidos a repetir nos Estados as alianças que fecham para a sucessão presidencial. Não é uma obrigação como querem vender os interessados em sepultá-la. Se quiserem ser livres para fazer as mais contraditórias composições nos Estados, que se assumam como partidos regionais e não participem de uma coligação nacional.

No entanto, parte expressiva dos políticos deseja a queda da verticalização. Isso permite, por exemplo, que o PMDB lance candidato a presidente, que uma parte apóie Lula por baixo do pano, que outra faça o mesmo com um tucano, que um grupo regional se coligue com o PT num Estado e outro se alie ao PFL num Estado diferente. Ou seja, incoerência total.

Por que, então, o seu fim interessa a determinados políticos em meio a tão grave crise? Ora, totalmente livres para fazer coligações, os mais atrasados políticos do país tiram o máximo proveito nos Estados. Não estão nem aí para partidos nacionais com coerência ideológica e programática. Resultado: formam bancadas maiores para a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas. Assim, negociam vantagens com o presidente e com os governadores na hora da formação de equipes e no momento de apreciar propostas legislativas.

Liberto de amarras políticas para falar após a cassação do seu mandato de deputado federal, o petista José Dirceu colocou o dedo na ferida na entrevista coletiva da última quinta-feira (01/12). Disse que o final da verticalização contribuía para dificultar a formação de maiorias no Legislativo pelo presidente e governadores. Falou que um efeito estava sendo visto no país: crise política.

Dirceu tem autoridade para tratar do tema. Foi coordenador político do governo Lula em 2003. Inflou PP, PL e PTB para dar maioria a Lula. Sabe do que está falando.

Na próxima terça-feira (06/12), há possibilidade de a Câmara apreciar uma emenda constitucional que prevê o fim da verticalização. Ninguém menos do que o presidente da Casa, Aldo Rebelo (PC do B-SP), patrocina a manobra.

O argumento a favor: respeitar as especificidades de cada partido e de cada Estado. Aldo deveria dizer que essas especificidades enfraquecem a idéia de partidos nacionais, o que dificulta a governabilidade de presidentes e governadores, que têm de compor com os mais variados subgrupos partidários para administrar o país e os Estados.

Aldo, do minúsculo PC do B, está pagando uma fatura para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Renan apoiou a eleição de Aldo para presidir a Câmara contra um candidato do seu próprio partido. Agora, como o PMDB é uma confederação de caciques regionais, ele deseja que cada subgrupo da legenda vá para seu Estado em 2006 com a maior liberdade para fazer composições. Assim, é possível uma aliança com o PFL num lugar e com o PT noutro.

O que ganha Renan, que apoiou Collor, FHC e Lula? A possibilidade de ter uma bancada de deputados peemedebistas maior para cobrar do futuro presidente apoio em nome da governabilidade. Essa cobrança prevê o pagamento de benesses públicas (cargos e verbas).

Os dois grandes partidos que defendem a verticalização são o PT e o PSDB. Apesar da profunda crise, continuam a ser, na média, as melhores legendas do Brasil.

Aliado tradicional do PT, o PSB, presidido pelo deputado federal Eduardo Campos (PE), tem interesse em acabar com a verticalização. O próprio Campos deseja ser candidato a governador de Pernambuco em aliança com o PMDB. Sua sigla, o PSB, tem pouco de socialista e muito de fisiológica.

O PC do B de Aldo é exemplo de partido anacrônico-fisiológico, que criou categorias de filiados para aceitar adesões de direita. Mais: o PC do B sobrevive à custa do aparelho estatal. Basta uma visita ao gabinete de Aldo na Câmara e ao Ministério dos Esportes para ver o quanto os cargos públicos são importantes cabides de emprego para comunistas.

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Lula faz jogo perigoso

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também gostaria de obrigar seu partido a votar pelo fim da verticalização. Por ora, ainda não conseguiu. O presidente acha que terá mais chance de se aliar ao PMDB, que voltou a vender terreno na Lua para o Planalto, e ao PP, que poderá fazê-lo em troca de favores na administração pública. Ou seja: está mais preocupado em se reeleger do que com as condições de governar num segundo mandato. É um perigo.

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História complicada

A verticalização nasceu a partir de uma interpretação da legislação eleitoral em 2002 feita pelo então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Nelson Jobim. Na época, a interpretação soou como tentativa de favorecer o candidato do governo FHC a presidente, José Serra.

O favorecimento se daria pela obrigatoriedade de um partido sem candidato competitivo a presidente ficar sob o guarda-chuva de um postulante com mais força. O PMDB, que tinha uma facção lulista, acabou fechando com Serra. Agora, Lula quer o fim da verticalização para sonhar com uma aliança com o PMDB.

Outro motivo para manter a verticalização: além de tentar fortalecer os partidos nacionalmente, ela faz parte das regras atuais. Se for derrubada, teremos mais uma eleição com regras diferentes da anterior. Desde 1989, quando o país teve a primeira eleição presidencial pós-ditadura militar, não há sucessão para ocupar o Palácio do Planalto que não tenha tido regra diferente. É ruim. Permite sempre mudanças da conveniência dos poderosos de plantão.

Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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