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Brasília Online

23/04/2006

Impeachment de gaveta é chantagem

O Brasil vive simultaneamente uma crise política e um escândalo de corrupção desde o ano passado. A crise política começou na eleição de Severino Cavalcanti para presidente da Câmara, em fevereiro de 2005. Ela marcou a perda de maioria parlamentar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O escândalo é o "mensalão", que teve início em junho com a bombástica entrevista de Roberto Jefferson à Folha. O episódio demoliu o pilar ético do governo e do PT.

É comum ouvir a oposição dizer que há motivos de sobra para pedir o impeachment de Lula, mas que não fará isso por "falta de condições políticas". Ora, se PSDB e PFL vêem razões objetivas para o impeachment, têm a obrigação de liderar um movimento para levá-lo a cabo. Do contrário, é omissão histórica ou mera jogada política (esta um direito dos partidos).

Um pedido de impeachment geralmente prospera num cenário que combina três requisitos: legal (crime de responsabilidade previsto na Constituição), perda de maioria parlamentar (situação de Lula) e falta de apoio da população (as pesquisas eleitorais mais recentes apontaram o presidente como favorito em outubro).

A oposição avalia que o primeiro requisito está atendido. O segundo é um dado da realidade. Mas falta o terceiro. Por enquanto, não existe comoção social contra o presidente, como na época do Collorgate.

Ao usar um eventual pedido de impeachment apenas como ameaça, a oposição recorre à chantagem. Qual seja, o eleitorado deveria refletir muito bem antes de reeleger Lula porque o petista poderá ser impedido no segundo mandato.

O presidente deve responder a processo de impeachment caso surja alguma prova concreta de crime de responsabilidade --o que não aconteceu até hoje, de acordo com o relatório da CPI dos Correios e a denúncia da Procuradoria Geral da República sobre o escândalo do mensalão.

Se essa prova aparecer, seja daqui a um mês ou num eventual segundo mandato, que a oposição cumpra o seu papel e que se obedeça a Constituição. O impedimento é um recurso legal das democracias modernas, não instrumento de chantagem sobre o eleitor.

Se PSDB e PFL consideram essa a melhor estratégia para chegar ao poder, que a mantenham. É direito deles, registre-se novamente. No entanto, correrão o risco de apenas repetir o "Fora FHC" que o PT tentou sem sucesso e que gerou um ódio político que explica em parte a sede de vingança da atual oposição.

Ao agir assim, a oposição flerta com o golpismo, praga da política brasileira que parecia ter perdido força a partir da redemocratização (1985) e que, no futuro, poderá se voltar contra quem a alimenta hoje.

A oposição está errando. Dificilmente a maioria do eleitorado se renderá ao argumento do "impeachment de gaveta" para eleger um presidente. A tendência é que faça uma análise pragmática sobre quem melhorará mais a sua vida a partir de 1º de janeiro de 2007, se o atual governo ou a oposição. Aliás, propostas de governo propriamente ditas ainda não apareceram nesta campanha.




Espuma e safanões

Há dúvida se Lula manterá a atual política econômica com Guido Mantega na Fazenda. Mantega diz um dia que não mudará a ortodoxia herdada de Palocci e no dia seguinte ataca os ortodoxos, dizendo que não é e nunca foi um deles, o que é verdade, mas não elimina incertezas. Só as fortalece.

A composição de maioria parlamentar de um segundo governo petista será um problema. PSDB e PFL, se ganharem a eleição, enfrentarão um PT raivoso e vingativo no Congresso. Como Lula e Alckmin pretendem ter a chamada "governabilidade" com a possível manutenção da guerra política em 2007?

A oposição não sabe se reivindica a paternidade da política econômica ou se prega aberta e superficialmente a sua mudança, como faz o aventureiro Anthony Garotinho (PMDB).

Na área social, PSDB e PFL atacam o "assistencialismo" do Bolsa-Família, mas prometem manter o programa. Ou seja, por ora, há muita espuma e contradição em termos de propostas de governo e fartos safanões políticos de parte a parte.
Kennedy Alencar, 42, colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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