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Brasil lado B

21/01/2002

Fábula do sertão-veredas

Nosso Esopo narra uma visita da primeira-dama à caatinga

Esta história que segue faz parte do fabulário contemporâneo do interior do Nordeste. Foi enviada por um Esopo da caatinga:

Numa viagem de promoções sociais na caatinga, eis que dona Ruth Cardoso, depois de largar seu ateísmo e empacotar a caridade em forma de cestas básicas, é tomada por uma visão, um alumbramento, um regalo d'olhos nunca dantes experimentado.

A primeira-dama acabara de avistar uma árvore frondosa, demasiadamente verde e encantadora no contraste com a castigada paisagem cinza e sertaneja. "Dona Ruth, trata-se de um umbuzeiro!", gritou o mais avexado dos xeleléus da comitiva oficial. "Árvore ímpar, da família das Anacardiáceas, também conhecido por estas plagas como imbuzeiro", emendou o Rui Barbosa local, puxa-saco interestadual, renomado em Juazeiro, Petrolina e região. Um terceiro abestalhado, disputando a oratória no coice, completou o serviço: "Pai e mãe do sertanejo, do umbuzeiro se aproveita tudo: a sombra no mais senegalesco dos verões, o fruto na seca brava e até a raiz quando não há mais nada para se comer".

Ainda abismada, dona Ruth ergueu a voz e disse que queria conhecer de perto, abraçar aquela maravilha, tocar o umbuzeiro. Outros 600 abriram caminho. Lá se vai a Comunidade Solidária em passos largos. Mas quando a comitiva estava se aproximando da tal árvore da família das Anacardiáceas, eis que um segurança avista um pacato sertanejo agachado ao pé do tronco. Peraí.

Corre apressado para tentar retirar a pobre criatura que usa a frondosa sombra como banheiro. Mais que isso. Como refrigério d'alma, quase um exercício zen, uma honesta e merecida pausa na peleja severina. Ríspido, grosso que só papel de embrulhar prego, o segurança parte para tirar na marra o tranquilo sertanejo da paz do umbuzeiro:

- Levanta daí, condenado, não tá vendo que dona Ruth vem chegando?! miserável - bodeja.

Calça arriada, cigarrinho no canto esquerdo da boca quase banguela, o sertanejo desabafa:

- Agora lascou de vez!, o marido dela não deixa a gente comer e ela não deixa nem a gente nem obrar!

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