Brasil lado B
21/01/2002
Por Wilson Freire*
O ônibus fez um desvio e entrou numa estrada de barro. A poeira tapou os olhos do sol, nublou. Engoli barro, os olhos avermelharam. Num tabuleiro pedregoso, a nuvem de pó baixou um pouco e li numa placa verde, perfurada de balas: IPANEMA. Escrita com tinta branca. O motorista brecou em frente a uma bodega também empoeirada e gritou. Cinco minutos. Descemos. Aproximou-se de mim uma garota com cerca de 17 anos, magra, cabelo desgrenhado, vestido puído, olhos grandes, vivos, claros, vendendo cocada de coco e, de lambuja o senhor bebe um copo d'água de barreiro em uma quartinha de barro. Como é sua graça? Maria das Graças, mas pode me chamar de Gracinha mesmo. Vai pra onde? Pra Sertânia. E você já ouviu falar da outra Ipanema, a do Rio de Janeiro? A praia? Já. Meu sonho é tibungar naguelas águas, do jeito daquelas moças, com um biquíni daqueles... Ave Maria, se pai me visse, me matava duma surra... mas eu ia... Sonhadora. Eu já fui lá. Foi mesmo? E é igualzinho daquele jeito que a gente vê na televisão? É. Você quer mesmo ir lá? Vixe... Já tá buzinando, chamando... quanto foi a cocada que comi? Nada não. Nada não? Quando o senhor for lá na outra Ipanema outra vez, o senhor tem coragem de me levar? Os olhos dela brilhavam... O ônibus deu partida. Abri a janela. Ela corria, equilibrando a bandeja de cocada com uma mão, sobre a cabeça, gritando... nunca mais tibunguei nem nas águas do barreiro... não é muito longe não... já fiz até as contas olhe daqui pro Recife são... Soluçando, ficou encoberta na nuvem de poeira.
No ônibus, retirei o mapa: Ipanema, a seca e empoeirada, a da garota vendedora de cocada de coco, fica no Sertão do Moxotó pernambucano, a cerca de 260 km do Recife, e distante cerca de 2.000 km da outra, a da garota de Vinícius de Morais e distante muitos raios de luz solar do Brasil sonhado.
*Médico, poeta e roteirista, o autor é parceiro de Antonio Nóbrega, entre outras travessuras. Mande também a sua história para Brasil lado B
Uma placa perfurada de bala anuncia:
a Ipanema sem mar, sem sonhosPor Wilson Freire*
O ônibus fez um desvio e entrou numa estrada de barro. A poeira tapou os olhos do sol, nublou. Engoli barro, os olhos avermelharam. Num tabuleiro pedregoso, a nuvem de pó baixou um pouco e li numa placa verde, perfurada de balas: IPANEMA. Escrita com tinta branca. O motorista brecou em frente a uma bodega também empoeirada e gritou. Cinco minutos. Descemos. Aproximou-se de mim uma garota com cerca de 17 anos, magra, cabelo desgrenhado, vestido puído, olhos grandes, vivos, claros, vendendo cocada de coco e, de lambuja o senhor bebe um copo d'água de barreiro em uma quartinha de barro. Como é sua graça? Maria das Graças, mas pode me chamar de Gracinha mesmo. Vai pra onde? Pra Sertânia. E você já ouviu falar da outra Ipanema, a do Rio de Janeiro? A praia? Já. Meu sonho é tibungar naguelas águas, do jeito daquelas moças, com um biquíni daqueles... Ave Maria, se pai me visse, me matava duma surra... mas eu ia... Sonhadora. Eu já fui lá. Foi mesmo? E é igualzinho daquele jeito que a gente vê na televisão? É. Você quer mesmo ir lá? Vixe... Já tá buzinando, chamando... quanto foi a cocada que comi? Nada não. Nada não? Quando o senhor for lá na outra Ipanema outra vez, o senhor tem coragem de me levar? Os olhos dela brilhavam... O ônibus deu partida. Abri a janela. Ela corria, equilibrando a bandeja de cocada com uma mão, sobre a cabeça, gritando... nunca mais tibunguei nem nas águas do barreiro... não é muito longe não... já fiz até as contas olhe daqui pro Recife são... Soluçando, ficou encoberta na nuvem de poeira.
No ônibus, retirei o mapa: Ipanema, a seca e empoeirada, a da garota vendedora de cocada de coco, fica no Sertão do Moxotó pernambucano, a cerca de 260 km do Recife, e distante cerca de 2.000 km da outra, a da garota de Vinícius de Morais e distante muitos raios de luz solar do Brasil sonhado.
*Médico, poeta e roteirista, o autor é parceiro de Antonio Nóbrega, entre outras travessuras. Mande também a sua história para Brasil lado B
