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Diário, Depressão e Fama

20/06/2005

Zé Dirceu, que depressão!

Os cariocas usam agora uma gíria para qualquer coisa que considerem um embaraço: que depressão!

Paulistas? Que depressão! Bush? Que depressão! É uma metáfora para atraso, decadência, enfado, chatice. Depressão como "quem agüenta?" São Paulo, quem agüenta? É perfeito para quem vive na cidade mais bela, onde deveria reinar sempre a alegria. Depressão? Que depressão!

Metáfora é uma figura que a gente usa para explicar ou para dar uma ênfase, um colorido. Nas metáforas, uma coisa passa a representar outra, semelhante à primeira. É uma espécie de analogia.

Quando preparava minha tese, aprendi sobre o uso que a ciência faz das analogias. Os cientistas empregam a analogia para estudar uma coisa que desconhecem por meio das semelhanças que ela tem com outra que conhecem bem. A analogia científica mais famosa foi a que Darwin estabeleceu entre a seleção doméstica e a seleção natural.

Para explicar a origem das diferentes espécies de animais e plantas que há no planeta, o cientista arquitetou uma analogia com os cruzamentos de raças feitos por jardineiros e criadores de animais. Ele sabia que animais e plantas sofriam modificações no processo de seleção doméstica.

Até hoje é assim: cultivadores e criadores selecionam seres que desejam reproduzir e, repetindo cruzamentos e seleções diversas vezes, originam outros seres de aparência bastante diferente. Darwin imaginou que o processo que dá origem a espécies diferentes na natureza seria semelhante ao da seleção de animais e plantas domésticos. E o chamou de seleção natural. Mapeou sua analogia da seguinte maneira:

Criadores e cultivadores <- -> seleção doméstica
Sobrevivência dos mais aptos <- -> seleção natural

Para quem se interessar, há um ótimo livro sobre analogia: "Mental leaps -- analogy in creative thought" (Saltos mentais - analogia no pensamento criativo), de Keith J. Holyoak e Paul Thagard. Infelizmente ainda não foi traduzido para o português. A obra traz uma lista de descobertas científicas e tecnológicas feitas por analogias. Uma das mais curiosas é a do velcron, que foi descoberto por analogia com o carrapicho.

A analogia é uma ferramenta que pode ser usada de maneira intuitiva ou consciente em várias áreas da atividade humana: descoberta, invenção, explicação, criação artística, prática religiosa etc.

O presidente Lula freqüentemente lança mão da analogia, em forma de metáforas, para explicar seus pontos de vistas. Aplicar analogias não é privilégio de mentes poderosas. Trata-se de uma ferramenta mental que todos usam em algum grau. Eu também posso fazer analogias. Fiz uma quando estava me preparando para este artigo (ia escrever sobre Tom Zé) e assisti o "discurso de queda" do ex-ministro Zé Dirceu pela TV. Deixei o Zé mais ameno para depois.

O ex-ministro, em seu discurso, não admite que caiu para não atrapalhar mais o governo. Ele diz que pediu demissão e que deixa o ministério porque prefere voltar à sua cadeira de deputado, onde terá mais condições de lutar pela verdade. E diz também que deixa o governo, mas continua governando. A analogia: imaginei Dirceu como um general que declarasse "não quero mais ser general, volto para o posto de sargento porque ali terei mais condições de guerrear. Mas não se iludam, deixo de ser general, mas continuo no comando".

Que depressão!

Vários amigos e conhecidos se dizem desiludidos com o PT. Nunca tive essa ilusão. Para mim, as forças mais importantes são amor e conhecimento. Nunca vi nem uma coisa nem nesses críticos raivosos que falam um português ruim e fazem um esforço enorme para vender paz, amor e competência.
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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