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Diário, Depressão e Fama

08/08/2005

Separado, 64, semi-alfabetizado

Conheci um cara. Fiquei impressionado com ele. Veio conversar comigo porque me achou bonito e angustiado. Ele maltrata sua mulher. Não consegue evitar.

Ele me contou essas coisas. Só é carinhoso com sua mulher quando bate o desejo. Na maior parte do tempo, a desvaloriza. Joga na sua cara que está sempre pronto para uma separação, que ela pode procurar o que for melhor para ela. Quando ela vai, ele chora e se desespera. Se ajoelha aos seus pés, implora para ela ficar. Persegue-a na rua. Chora em público.

Ele tem consciência de que esse drama é um pouco mentiroso. Na verdade, em suas inúmeras separações, ele sempre se recuperou relativamente bem. O problema é a passagem estreita nos primeiros dias de solidão. Que dura quanto? Um mês? Aí, sofre como um cão. Mais tarde, não se atormenta tanto. Justifica-se: "foi o que foi. Foi o possível".

Aparece de vez em quando na TV e no jornal. Ele é famosinho e deprimido, a cara deste diário.

Aos 64, está chegando à conclusão de que passa por sua última separação. Pois não quer mais se casar. Para não sofrer de novo. A conversa de sempre. Imagina-se sozinho aos 84 e quase despenca. Disfarça cantando "When I´m sixty four", de Paul McCartney. Ele me lembra mais John Lennon que Paul, pela angústia aparente e por um típico senso de humor.

Diz que vai colocar um anúncio "procura-se peessedebista, psicanalisada, boazuda e jovem. Para ir ao cinema". Isso existe? Jovem para ele é no máximo 40. Retruquei: pode tirar o cavalinho. E: vai desistir do PT logo agora que o partido está melhorando?

Ele não consegue modificar-se. Quer dizer, em cada separação, muda um pouco. Vai melhorando. Aprende como cachorro, apanhando. Gosta de perguntar se o interlocutor sabe o que significa a palavra crise. E conta que vem de crisol, uma substância usada para purificar os metais. Acha que se purifica nas crises. Mas o processo é lento, uma purificada a cada quatro anos. Conta que a antropologia já explicou que a maioria dos casais se separa depois de quatro anos, ou depois que o primeiro filho faz quatro anos. No mundo inteiro, em Nova York ou numa tribo africana, desde sempre.

Diz-se um semi-alfabetizado do amor, que nunca se formará.

Acha que a frase mais importante dita nesses dias no Brasil foi aquela de Roberto Jefferson, no confronto com José Dirceu: tenho medo de Vossa Excelência, porque Vossa Excelência provoca em mim os instintos mais primitivos.

Não entendi porque ele se lembrou disso no meio da conversa.

Diz que a dor da separação é o pior tipo de angústia que já sentiu, que pode sentir. Chama de desespero. A primeira vez foi com cinco anos, quando dormiu sua primeira noite fora de casa, longe da mãe. Teve insônia a noite toda. Acha curioso e precoce um garoto de cinco anos ter insônia.

É bom amigo, bom filho, bom pai. E mata o amor de uma mulher a cada quatro anos.




Cometi um erro tragicômico na coluna anterior "PT, estupro e bate-papo": chamei Lula de semi-analfabeto, e isso não existe. O certo é semi-alfabetizado. Aprendi com leitores.

Ou seja, critico o português do cara e cometo um erro de português exatamente no trecho em que o critico. Mais tonto, impossível.
Ainda sobre a coluna anterior, fiquei surpreso com a repercussão e hostilidade que despertou. Mais até do que quando tratei de religião. Ainda há muita gente disposta a defender o Lula (nenhum que tenha percebido o meu erro de português).

Dá uma olhada (reproduzo sic, ou seja, como escreveram):

"O presidente por ser do PT não pode rir. É empáfia. Já os anteriores podiam rir à vontade. Afinal sempre foram ricos, ilustrados, educados... Ah!! ele tambem não pode errar. O anterior quebrou o país não sei quantas vezes. Mas, tem curso superior? Sabe abaixar a cabeça para os poderosos? Então é competente. Pela foto voce ainda é novo, há condições de melhorar muito." (J.M)

"Cara sempre tive vontade de chamá-lo de babaca, agora vou fazê-lo -- babaca. Gostaria que vc em seus comentariozinhos ridículos preservasse os sentimentos das pessoas. Vc deve ser uma Bicha, infeliz, e que ganha dinheiro fofocando. Vai fazer alguma coisa que presta sua besta." (P.S.)

"Tem alguem nao fascista nessa merda de jornal americano " folha"??? um dia a bastilha cai seus bostas......." (Cláudio)

Claro, prefiro mensagens como as seguintes, que contêm minha fórmula mágica: amor, conhecimento, tempero, açúcar, Elemento X e tudo o que há de bom:

"Que bom que está de volta! Não agüentava mais limonada todo dia. Só uma ressalva -- não há semi-analfabeto, já que analfabeto tem um prefixo negativo. Há semi-alfabetizados, isto sim. Desculpe-me. Abraços." (Sônia)

"Uma pessoa ou é alfabetizada ou não. Se for só um pouco, então é semi-alfabetizada. Pergunte ao Pasquale. Estou lhe escrevendo também como antigo fã seu, dos tempos do Santos Footbal Music. Você tem aquele LP em CD? Valeu pelo brilho, sensibilidade e inteligência. Atualmente moro na Floresta Amazônica e temos uma rádio. Gostaria de tocar suas músicas. É isso." (Oswaldo)

Enquanto não sai em CD, toque esta por mim, por favor: "When I get older, losing my hair, many years from now..."
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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