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Diário, Depressão e Fama

29/08/2005

Tucanos sujos

Seriam os tucanos sujos, como querem certos petistas? Esses que têm como principal desculpa para a lama petista a suposta lama tucana. Outros, como Tarso Genro, parecem capazes de uma profunda revisão e empenhados nela.

Rever-se é doloroso, a gente só faz quando é obrigado, quando sofre muito e quando aprende que vale realmente a pena rever-se antes que seja obrigado a fazê-lo. Não é uma capacidade natural do ser humano: auto-crítica se aprende, é uma sofisticação. Por isso, não me surpreende que Lula e outros petistas não a pratiquem.

Azar deles: quem não se revê, paga o preço, em qualquer área, profissional ou pessoal.

Como simpatizante do PSDB, acho que os tucanos também precisam se rever ou, se já o fizeram num nível interno, demonstrar melhor isso para a população. Me incomoda as acusações e suspeitas lançadas por petistas. Uma leitora da coluna (LL), ardente defensora de Lula, mandou uma lista dessas acusações, que já rola na rede, feita pelo estudioso (de quê?) Altamiro Borges e pelo sociólogo Rogério Chaves. Apesar da flagrante incapacidade de auto-crítica política de LL, que seu texto denuncia, repercuto essas acusações num exercício de revisão pessoal e como um apelo para que os tucanos de carteirinha, sensibilizados com o incômodo de simpatizantes, dêem uma resposta clara para essas suspeitas.

Além disso, eu adoro uma lista. Dá uma olhada nesta:

- Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam): FHC e turma, no início de seu governo, teriam esvaziado uma CPI que investigaria denúncias de corrupção e tráfico de influência no contrato de US$ 1,4 bilhão para a criação do Sivam. A CPI e o Ministério Público produziram um relatório que não satisfez os estudiosos citados acima e a minha leitora, apesar de as denúncias terem derrubado um ministro e dois assessores presidenciais.

- Pasta Rosa: "logo depois, em agosto de 1995, eclodiu a crise dos bancos Econômico, Mercantil e Comercial. Através do Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro, o Proer, FHC beneficiou com R$ 9,6 bilhões o Banco Econômico numa jogada política para favorecer seu aliado ACM. A CPI instalada não durou cinco meses, justificou o 'socorro' aos bancos quebrados e nem sequer averiguou o conteúdo de uma pasta rosa, que trazia o nome de 25 deputados subornados pelo Econômico."

-Precatórios: os beneficiados por uma fraude no Departamento de Estradas de Rodagem (Dner) teriam pago 25% do valor de precatórios aos autores da fraude. O prejuízo teria sido da ordem de 3 bilhões de reais. Em novembro de 1996, o caso veio à tona e levou à extinção do órgão, "mas os aliados de FHC impediram a criação de CPI para investigar o caso."

- Compra de votos: "em 1997, gravações telefônicas colocaram sob forte suspeita a aprovação da emenda constitucional que permitiria a reeleição de FHC. Os deputados Ronivon Santiago e João Maia, ambos do PFL do Acre, teriam recebido R$ 200 mil para votar a favor do projeto do governo." Outra CPI teria sido abortada.

- Desvalorização do real: por suposta motivação eleitoreira, o governo teria desvalorização o real no início de 1999.

- Bancos Marka e FonteCidam: o governo teria socorrido tais bancos, ambos com vínculos tucanos. A proposta de criação de CPI para investigar este caso e o anterior teria sido arquivada por pressão da bancada governista, apesar de longa tramitação de dois anos na Câmara Federal.

- Privatizações: FHC teria evitado uma CPI para investigar a privatização do sistema Telebrás, depois que grampos no BNDES flagraram conversas entre o ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros e André Lara Resende, dirigente do banco. A suposta trama beneficiaria com R$ 24 bilhões o Banco Opportunity (um dos donos era o tucano Pérsio Árida) por meio de apoio do fundo Previ (ô fundinho! Sempre metido em tentações pouco católicas). Além da Telebrás, a Cia. Vale do Rio Doce que teria sido vendida por 3 bilhões de reais financiados pelo BNDES valeria, hoje, 48 bilhões de dólares.

- CPI da Corrupção: em 2001, o governo tucano (pelo jeito, muito eficiente em bloquear CPIs) evitou a investigação parlamentar de 28 casos de corrupção na esfera federal, falcatruas na Sudam, na privatização do sistema Telebrás e no envolvimento do ex-ministro Eduardo Jorge.

- Eduardo Jorge: o secretário presidencial Eduardo Jorge foi acusado de vários pecados, como ter construído um esquema de liberação de verbas no valor de R$ 169 milhões para o TRT-SP; ter montado caixa-dois para a reeleição de FHC; feito lobby para favorecer empresas de informática, como nos contratos de R$ 21,1 milhões para a Montreal e usado recursos dos fundos de pensão nas privatizações. (Há outro Eduardo Jorge, ex-petista, capaz da árdua tarefa de rever-se, que escreveu o artigo 'O PT acabou?', Folha de S.Paulo, 9/6/2005).

- "Engavetador-geral": o então Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro teria engavetado 242 dos 626 inquéritos instalados até maio de 2001 e arquivado outros 217. Esses inquéritos envolviam 194 deputados, 33 senadores, 11 ministros e ex-ministros, e o próprio FHC. A mídia e o próprio Lula teriam dado uma força ao engavetamento.

Lembro-me de ter lido na imprensa respostas tucanas para cada um desses casos. Na época, provavelmente influenciado por minha simpatia tucana, acreditei nas respostas, como uma velhinha de Taubaté (que agora morreu, num ataque fulminante, ao saber do suposto envolvimento do Palocci). Mas os petistas insistem e fazem uma lista! Essa insistência organizada acaba atraindo pulgas para detrás das orelhas simpáticas aos peessedebistas.

O bom de uma lista é que organiza os pontos que precisam de alguma atenção, como uma limpeza, por exemplo. Tucanos limpos e competentes poderiam aproveitar esta apresentada aqui, justamente porque organizada por adversários, para respondê-la item por item. E para afastar de vez a suspeita de que sejam, como argumentam certos petistas, simplesmente tão sujos quanto eles.
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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