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Diário, Depressão e Fama

21/11/2005

7 x 1, parte 2

Como ia dizendo ... a vergonha dos torcedores pelas derrotas de seu time me impressiona muito.

Afinal, o que a gente "coloca", emocionalmente, em nossos times, que nos leva a extremos sentimentais? Se o que colocamos, rebate e volta, e nos faz sentir coisas tão poderosas como melancolia e vergonha, as derrotas talvez sirvam para alguma coisa. No mínimo, para intrigarmo-nos sobre tais sentimentos. Tentei fazer isso, para variar, por meio de uma analogia: o torcedor como o marido, o time do coração como sua mulher, o time adversário e seus torcedores como o Ricardão, e a derrota de nosso time como a traição da esposa com o Ricardão. Esquematicamente:
Torcedor => marido
Time do coração => esposa
Time adversário e seus torcedores => Ricardão
Derrota => traição da mulher com o Ricardão

Nessa linha, quando nosso time perde é como se nossa mulher tivesse um caso com o rival. Então sentimos vergonha, um tipo de vergonha imemorial, atávica, que precisa ser lavada com sangue. Precisamos castigar a mulher e matar o Ricardão. As torcidas precisam agredir seus jogadores e técnicos e matar os torcedores rivais. A analogia com o amor e o sexo faz eco nos palavrões das torcidas: "bota pra f .".

A derrota retumbante também poderia servir como tema/motivo de reflexão para os homens do Santos, pois algo muito estranho aconteceu naquele dia, e foi tão estranho que não parece circunstancial. Que vai mal no coração e na cabeça do grande campeão dos últimos anos? Quem está fora da Vila Belmiro não pode responder essa questão. Mas pode ver que o sinal, o sintoma, foi claríssimo: 7 X 1.

Embora indesejável, a dor talvez seja útil para nos reconhecermos. Até mesmo aquela despertada por essa atividade prosaica que insiste em não ser banal, o futebol. Em uma ocasião, senti um tipo de desespero por causa do Santos. Nas finais do Brasileiro de 2002, aquelas das pedaladas de Robinho e da quase virada do Corinthians no último jogo, fiquei meio desesperado diante da possibilidade do Santos perder o título, de chegar tão perto e perder, depois de 20 anos sem títulos importantes. Agora, com os 7 X 1, não cheguei ao desespero, fiquei apenas deprimido e envergonhado. Cada vez menos envergonhado, à medida que penso no assunto.

Nas grandes derrotas, além da reflexão, podemos sempre contar nossas bençãos, como no ditado inglês count your blessings. E até mesmo contar nossas glórias, quando for o caso. Não há maior glória, como torcedor de time brasileiro, do que torcer para o Santos, todos sabem disso. Qualquer corintiano, palmeirense, flamenguista, são-paulino bem informado sabe que nunca houve um time como o Santos da década de 60. Uma benção: meu pai. Sou filho de um corintiano que admirava o time de Pelé e que nunca se indispôs por eu torcer por aquele novo grande clube que surgia. Aprendi com meu pai a congratular os adversários em meus momentos de derrota. Ele demonstrou isso dando-me os parabéns por 11 anos consecutivos. Foi uma longa lição de elegância. Isso me ajuda a não ser um torcedor "nojento".

Meu pai e Juca Kfouri são exceções neste fato cultural: não há torcedor considerado mais "nojento" e antipático por todas as outras torcida paulistas do que o corintiano. Minha intenção não é ofender, pois imagino que todo mundo saiba disso. Se algum corintiano ainda não se deu conta, por favor, aproveite o recado e não mate o mensageiro. O corintiano, em São Paulo, é como o argentino na América do Sul. Ninguém suporta.

Dêem uma olhada nessa mensagem que recebi de um corintiano após a coluna anterior ("7 X 1"): "os corintianos que se sentiram envergonhados pela derrota frente ao Pumas não são corintianos. Ser corintiano é um estado de espírito que abrilhanta os momentos mais difíceis. Corinthians não é título, não é parceria, não é vitória, não é Tevez, não é Rivelino. Corinthians é sua torcida, sim, a fiel torcida que não se sente envergonhada por qualquer derrota do Timão porque é nas derrotas, nos momentos difíceis, que aparece a verdadeira magia do "ser corintiano". Essa é a diferença, é por isso que o Santos, que um dia teve o maior jogador de todos os tempos, não tem e nunca terá a grandeza do Corinthians, assim como o Palmeiras, o São Paulo e os outros. No Brasil existem apenas dois times: Corinthians e o resto. Esses que se sentiram "envergonhados" não são corintianos. Ser corintiano não é isso, não é sentir-se envergonhado por uma derrota por mais dura que seja. Na verdade, é impossível explicar exatamente o que é isso. Quem é....é."

Deve ser muito bom ser corintiano. Agora preciso entender porque, sendo ... quem são, os corintianos agridem seus jogadores em aeroportos, depois de derrotas vergonhosas (menos Fábio Costa com sua carranca), e atacam torcedores rivais, exatamente como todas as outras torcidas. Se não é para evitar a percepção da própria vergonha, deve ser por alguma razão espiritualmente superior que quem não é ... nunca poderá entender. Mas que o discurso lembra o complexo de superioridade argentino, isso lembra.

Quem se julga acima de qualquer vergonha se torna insuportável. Que é que há, meu irmão, semelhante meu, desde quando torcer para um time nos torna superiores? Torço para o time mais glorioso de todos os tempos e de todos os lugares, mas glorioso é o Santos, não eu. Eu só pego uma carona nas vitórias e nas vergonhas.

Outra benção que gosto de contabilizar nas derrotas são as boas respostas que consigo dar às provocações. Corintianos me gozaram depois dos 7 X 1 e antes dos 3 X 0 para o Pumas e do 1 X 0 para o São Caetano. Perguntaram se meu violão tinha sete cordas. Eu disse que tinha apenas uma, "eu não preciso de mais nenhuma para tocar": envergonhado, mas orgulhoso, pô! Meu parceiro Carlos Rennó, um dos grandes letristas atuais da canção brasileira, é um corintiano do tipo "nojento". Ele é um dos autores de "Escrito nas Estrelas", aquele sucesso de Tetê Espíndola. Quando o Corinthians começou a contratar argentinos, eu lhe disse, em resposta a uma de suas provocações, que "estava escrito nas estrelas: argentinos e corintianos tinham que se encontrar algum dia."

E o Santos, o maior de todos os tempos, tinha que ser a vítima dessa trama macabra do destino. O meu Santos! Contando consolações: as grandes tragédias acontecem com os maiores heróis, pobres Hércules, Édipo e Teseu. Brasil, 1950: a trajetória mais gloriosa do futebol mundial passou por uma tragédia.

Nenhuma consolação, benção e glória passada apaga os 7 X 1, assim como esse placar não apaga as pedaladas de Robinho de quando ele tirou para dançar aquele moreno com corte de cabelo militar. Mas o lance é não apagar. É aproveitar tudo. A questão é: o que fazer diante das grandes derrotas? O que você faz quando perde de 7 X 1?

Eu aceito a depressão, não brigo comigo mesmo. Não brigo. Conto as bençãos e as glórias. E penso, ou melhor, divago, pois deprimido, nem sempre dá para pensar com clareza. E dou os ...

Parabéns, Tevez, Nilmar e Fábio Costa, vocês jogaram muita bola. Parabéns ao leitor "quem é ... é" e ao "violão de sete cordas". Parabéns a todos os corintianos que leram até aqui apesar das minhas provocações (sempre leves, né?). Parabéns, minha amiga petista, você tinha que ser corintiana! Parabéns, Carlos Rennó. Parabéns, Juca Kfouri.

Parabéns, Jamil Neder. Tá rindo aí em cima, né?
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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