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Diário, Depressão e Fama

12/12/2005

Deprê é bom pra quê?

A gente puxa a sardinha, se consola, diz que o Abraham Lincoln, o Winston Churchill e o John Lennon eram deprimidos. A gente se coloca em boa companhia e até ataca os diferentes: "quem agüenta um eufórico?"

Mas, semelhantes meus, em português claro, depressão é foda. Ou melhor, não é foda, porque foda é bom. E o deprimido fica lá na cama ... sozinho. Pô, amar é importante! A coisa mais importante depende do outro, depende de movimento, de sair da cama para encontrar o outro.

Como depressão atrapalha o amor, carreira profissional e tantas outras coisas, seria tão bom que servisse para alguma coisa. Afinal, não se diz "perde-se aqui, ganha-se ali"?

Na linha de elencar os grandes caras que superaram ou tiraram proveito de sua depressão, há trabalhos que apontam muitos nomes, nas mais diversas áreas, que lograram êxito apesar ou a partir de sua melancolia profunda.

Mas, assim como consolar-se com as desgraças dos outros não funciona durante muito tempo, alimentar-se no exemplo dos semelhantes bem sucedidos também não apresenta desempenho melhor como filosofia de vida ou como bálsamo.

Será que a depressão pode ser útil para alguma coisa? Qualquer coisa? Eu nunca acreditei que sim. Caso pudéssemos escolher, alguém escolheria ter um temperamento depressivo, melancólico? Quem quiser ser um cavalheiro de triste figura põe o dedo aqui!

Até ontem, não tinha notícia de que a depressão pudesse ter alguma função para melhorar a vida humana, pois do ponto de vista médico, é doença tratável com remédio e do ponto de vista psicológico, a versão mais difundida é que a depressão está relacionada com agressividade. Como diria a psicanalista de Tony Soprano, "depressão é raiva interiorizada".

Ontem recebi uma notícia cheia de esperança de uma leitora nova (alguém com potencial para tornar-se um personagem da coluna como Anita, a irritada, Guilherme, o grande comentador de colunas, Sonia, a poeta, Daniel, o blogueiro infernal, e minha amiga petista. Hilde Herzog, a leitora nova, é holandesa, Hilde, a holandesa voadora). A notícia: parece que a depressão tem uma função, parece que serve para ...

"Hermelino, acabei de ler uma entrevista (em holandês, senão eu mandaria para você) com Randolf Nesse, um psiquiatra evolucionista americano, em que ele fala de depressão. Segundo ele, toda depressão é o resultado da luta por metas pessoais inatingíveis. O mecanismo de depressão (ele não fala em depressão clínica grave, resultado de mudanças no cérebro) teria a função de nos ajudar a adaptar ou a mudar metas. A falta de energia que vem junto com a depressão é útil para soltar, abandonar projetos, deixar para trás metas que não nos sirvam mais. Os seres humanos, ainda segundo Nesse, são os únicos animais que trabalham anos e anos para atingir metas (deve ser porque os outros animais seguem os instintos e nós, seres humanos, pensamos demais, rs). Quando falhamos, a depressão surge, e, então, temos a chance de rever metas equivocadas e de criar espaço na nossa vida para outras metas, se Deus quiser, mais atingíveis!

Quando o entrevistador questiona 'mas eu sempre pensei que deprimido não fosse do tipo que senta para pensar...', Randolf Nesse responde que há muita pesquisa que diz o contrario: pessoas felizes são pensadores menos críticos do que deprimidos. Felizes tem mais preconceitos, generalizam mais. Deprimidos são mais analíticos, racionais e objetivos!!

Agora quem fala sou : parabéns aos deprimidos! Parecem mais inteligentes."

Obrigado, Hilde, pela parte que me toca.

Talvez esse cientista esteja certo. Essa coisa de adaptar-se "motivado" pela depressão talvez tenha acontecido comigo quando optei por não ser apenas artista mas também educador musical. Foram um insight e uma decisão difíceis, pois acreditava que se trabalhasse em outra área não sobraria tempo e energia para a atividade e o mercado da música.

Como o tempo é curioso: ocupei-o quase todo com educação e continuo trabalhando o mesmo tanto na área artística, pouco, como sempre. A grande vantagem foi, como já disse numa coluna anterior, a troca de depressão por cansaço.

Cansaço é melhor. Ganhar mais dinheiro também. Reger uma classe de crianças numa apresentação musical em que se busca fazer arte como se elas fossem profissionais, também. Quando as crianças são estimuladas a viver uma experiência artística real, não apenas como uma brincadeira de montar uma banda ou um programa de auditório, elas se entregam como verdadeiros artistas ou... crianças. E alimentam de volta o artista que há em mim.

Mas esse papo está otimista demais para um deprimido. Preciso urgentemente rever as forças do mal. De uma lista de deprimidos. Lembrei de outra dica da holandesa voadora, uma canção que Seu Jorge canta, de nome Chatterton (ela não soube informar com certeza o compositor):

Chatterton, suicidou
Kurt Cobain, suicidou
Vargas, suicidou
Nietzsche, enlouqueceu
E eu, não vou nada bem

Chatterton, suicidou
Cléopatra, suicidou
Socrates, suicidou
Goya, enlouqueceu
E eu, não vou nada nada bem

Chatterton, suicidou
Marc-Antoine, suicidou
Van Gogh, suicidou
Schumann, enlouqueceu
E eu, puta que pariu, não vou nada bem ...
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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