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Diário, Depressão e Fama

26/12/2005

Fim de ano a um

Para um deprimido, o melhor jeito de passar o Réveillon é sozinho.

No ano passado, não queria nem a presença de minha filha. Minha mulher e minha mãe, então, queria longe. Uma fica eufórica nessa época, e a outra, deprimida: quem agüenta? Recebi um ótimo convite de amigos, mas mesmo até essa opção -- a que mais gosto, passar o ano novo com pessoas queridas que não vejo cotidianamente, mas com quem tenho uma conversa boa --, pareceu-me penosa no ano passado.

Neste, vou passar o Réveillon sozinho, à revelia, não planejei isso: alguns cidadãos ilustres de Ourinhos, minha cidade natal, entre eles, um dono de rádio e um alto funcionário da prefeitura, convocaram Luiz Pinheiro e eu porque o lançamento de nosso CD "Cássia secreta" nos tornou momentaneamente importantes por lá. Vou experimentar o ano novo longe da família. Vivo dizendo que prefiro passar sozinho, que essas datas me deprimem, e agora tenho uma chance para sentir se prefiro de fato. Deu um medinho.

De uma coisa tenho certeza: fim de ano é pressão para ninguém botar defeito. Muita bobeira. Nunca entendi por que os fogos de artifício. Assustam as crianças pequenas e os cães. Para agradar adultos bobões, assustam-se crianças e cães. E as crendices! Um prima insiste em me dar uma folhinha de louro porque dá sorte. Não quero sorte, quero fama. "Me deseje fama", peço, mas isso ela não pode me desejar por algum motivo politicamente correto. Eu quero que ela enfie a folhinha de louro no... feijão. Pular três ondinhas, usar cueca branca, tomar sopa de lentilha (me dá gazes), comer romã (sempre mais azeda do que eu), dar beijo na boca apesar do clima de emburro de fim de ano... que depressão! Não dá pra pular essa parte?

O melhor para um deprimido é só fazer o que gosta. E, na maior parte das vezes, não é possível fazer o que se gosta com qualquer outra pessoa. Um fim de ano feliz? Sozinho com o controle remoto da TV, reprise de Friends, DVDs legais, romance em inglês -- para treinar inglês -- do fácil John Grisham e bater um papo erótico na internet com alguma deprimida solitária (pode ser também com viado se fazendo passar por mulher: é legal descobrir quando é viado, ele fala tudo o que um homem gostaria de ouvir, coisas que só mulher muito amorosa, das que não só existem nem em Tosltói, e profissionais do sexo saberiam).

Ainda na receita, uma prece rápida --porque se minha inteligência é rápida, a de Deus é mais -- pelos que sofrem naquele instante, enquanto os fogos estouram.

No ano passado, eu torcia para o Vanderlei Luxemburgo, recém contratado, arrasar no Real Madrid. Me divertia pensar que ele gritaria, de terno e gravata, os costumeiros palavrões em português na beira dos estádios transmitidos para o mundo todo. Ninguém fora do Brasil entenderia, nem em Portugal, que tem outro português para palavrões. E os brasileiros já estamos acostumado com o Luxa. Entretanto, fora da terra natal, o jeito habitual de se expressar pode não dar certo. Ele deve ter evitado os palavrões por causa disso, mas como não tinha nada para botar no lugar, pois é sub como Lula, e ficou sem-palavras, quase boquiaberto no banco de reservas ou nas raras idas à beira do gramado. Voltou arrotando para o Santos, diz a Folha Online. Tudo bem, eu o quero no meu time, mas bem que ele podia seguir o conselho de Tostão e fazer análise. E o meu conselho: estudar línguas, começando pelo português. Gente muito talentosa despreza a educação. Isso é muito visível na música. Vixe, perdi o fio... o que o Luxa tem a ver com as calças?

No ano passado, eu desejava ficar famoso, pois acreditava que a fama seria o melhor antidepressivo. Neste ano, continuo desejando, mas por outro motivo, porque fama é uma das poucas maneiras de um pé-rapado como eu se tornar mais poderoso e de comer de graça em alguns restaurantes. Não desejo mais ser famoso para acabar com a depressão: reafirma-se cada vez mais, empiricamente, no meu dia-a-dia, que terapia ocupacional funciona. Principalmente, o trabalho numa área prazerosa, e a troca de depressão por cansaço.

O contato com o público também ajuda. Gosto de receber emails de leitores. Foi uma das melhores coisas de 2005, ano de estréia de "Diário, depressão e fama". Por isso, despeço-me de 2005 e dos leitores queridos (saio de férias até a primeira segunda-feira de fevereiro) com as críticas que duas personagens femininas, a primeira e a última a entrarem nesta blog-coluna, Anita, a irritada, e Hildegard, a holandesa voadora, fizeram ao artigo anterior, o de natal. Diz Hilde:

"Que isso?! Os homens ganham um puteiro animado e nós, as mulheres, uma reprise de Desperate Housewives? Que coisa mais injusta! Segue uma lista do que as mulheres realmente querem:

1.Um marido fiel.
2.Dois amantes sempre disponíveis, de preferência ao mesmo tempo.
3.Três amigas para falar mal dos mencionados acima.
4.Pelo menos dez horas e meia por semana sem marido, filhos, sem ninguém, para podermos curtir os próprios pensamentos (e os impróprios) sem interrupção.
5.Nenéns que durmam sempre quando a mãe está cansada.
6.Uma mãe que não pede nada em troca de "tudo que ela fez por você".
7.Filhos que façam tudo o que puderem em troca de tudo que o fizemos por eles.
8.Muito carinho (NÃO, isso não é a mesma coisa do que sexo!).
9.E manter esta lista secreta: é mais prático, pois não gera discussão com os homens que acham que o queremos mesmo é reprise de Desperate Housewives."

Desculpe revelar o segredo. É que adoro uma lista e achei legal começar e acabar o ano com listas (a coluna de estréia também continha uma). Só não suporto as listas de resoluções. E, como neste fim de 2005 estou mais meigo do que no de 2004, termino com uma mensagem amorosa de Anita, também em momento mais doce:

"Sabe o que eu acho? Melhor dar e receber presente uma vez por ano do que nunca. Melhor desejar e receber bons votos uma vez por ano do que nunca! E que mal há em imitar coisas bonitas de outros climas? Acho uma gracinha um Papai Noel derretendo e uma árvore toda branquinha de algodão! Não é fofinho? E comes e bebes, vá lá que seja um montão de nozes e castanhas --que mal há? A vida é uma bosta, duríssima, a qualquer época do ano e então, se por dez minutos, a gente inventa um jeito de comemorar seja lá o que for (que certamente nada tem a ver com Cristo, que ninguém sabe o que falou e se falou mesmo...), bota um sorriso colgate no rosto e se cobre de brilhos... que mal há?"

Pois, a isso, vou tomar um sorvete de ameixa Pingüim, marca exclusiva de Ourinhos. De repente, meu coração se encheu de amor e de saudades prévias.

Ainda bem que passa logo.
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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