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Diário, Depressão e Fama

27/02/2006

Curtas, cultas, grossas e engraçadas

Para deprimidos, o Carnaval é uma celebração menos angustiante do que Natal, Reveillon e Páscoa. Principalmente porque a religião fica mais distante. E por causa da mulherada pelada. Deprimidas também gostam de ver as peladonas rebolando na avenida, minto?

Mas os punheteiros de hoje não têm noção do que foi a estréia de Luma de Oliveira na avenida. O samba nos peitos de Luma antes do silicone. Nada de samba no pé, dava raiva quando a câmera ia para os pés.

Fico bem mais bem-humorado no Carnaval. Se a trilha sonora e as idéias dos enredos fossem um pouquinho melhor, dava até para assistir na TV. Na avenida, o poder da bateria salva a parte musical: instrumentos de percussão urram diretamente para o animal nem tão adormecido assim que habita a alma, a mente e o corpo humanos. E o animal se emociona, animalescamente, sem saber por quê.

Odeio rodeio, animais também sentem dor, ... e medo. Os três pontinhos estão no lugar de outro sentimento que os animais, como as pessoas, têm, mas de que me esqueci, apesar de ter tentado decorar o texto do adesivo quando o li no carro.

Reginha Rheda, (http://home.att.net/~rheda) escritora brasileira radicada nos EUA e a caminho da fama, traduziu o livro Jaulas Vazias (Editora Lugano), em que Tom Regan (milhões de entradas no Google) explica com clareza os "direitos animais", um assunto cada vez mais comentado, mas ainda mal compreendido no Brasil. J. M. Coetzee, Nobel de Literatura em 2003, disse do livro: Tom Regan faz um julgamento pungente do modo como tratamos os animais no mundo que construímos para o nosso benefício.

O texto daquele adesivo é tão bom quanto o de uma frase de pára-choque: melhor ser um bêbado famoso do que um alcoólatra anônimo.
Por favor, me poupem de mensagens mal-humoradas me explicando, no carnaval, que alcoolismo é ruim e que os Alcoólatras Anônimos prestam um grande serviço. Já sei, já sei. E concordo. Falo apenas da qualidade dos aforismos, tá legal? De resto, ok, muito cuidado com os carros e deixa as águas rolar...

Na avenida, sob a bateria, a gente não ouve a letra nem os doutores em desfile da Rede Globo. Já na TV, ouvimos principalmente as melodias e harmonias paupérrimas e as letras miseráveis. Minha sogra, carioca da gema e dos subúrbios, conta que, na época da composição dos sambas-enredo, os "compositores-pesquisadores" batiam na sua porta: a senhora não tem aí uns livros de história que seus filhos usaram na escola?

Melhor ir ao cinema. Um cara foi ao cinema do shopping e deu uma passadinha no banheiro limpinho, convidativo. Fechou a porta da sua baia, abaixou as calças e preparou-se para o alívio. Então ouve que alguém entra na baia ao lado. Pequeno desconforto, típico do ser humano às voltas com suas necessidades físicas. Para piorar, o cara do lado diz Oi! Nosso amigo gela. Como é bem educado e ama o próximo, responde, apesar do enorme e inimaginável constrangimento, Oi. E o outro ataca de novo O que você está fazendo? Travado, em pânico, tentando que soe com um sorrisinho, O mesmo que você, né? Então ouve em completo desespero Vou indo aí. Ele grita Não! O outro conclui Vou desligar porque tem um idiota aqui ao lado respondendo a tudo o que eu falo.

Um português reclamou outro dia porque contei uma história de português que parecia piada (em A volta do Cavaleiro da Triste Figura). Ora pois, português é bom de piada! E de literatura. Gosto muito dessa maneira de escrever diálogos que o Nobel José Saramago usa em "Memorial do convento": indica a fala apenas com a maiúscula, sem parágrafos, travessões e aspas. Fica claro e econômico.

Gosto de piadas, digamos, "lingüísticas". Um cara entra no bar, senta-se no balcão e o barman lhe pergunta O que o senhor toma? Ele pensa um pouco e diz De manhã tomo só um café preto, no almoço, tomo um suco..., Não é nada disso, sorri o barman, O que o senhor quer? Ele responde O que eu quero mesmo é ganhar na Sena e pular o carnaval com a Luma de Oliveira. E o garçom, Rá, rá, rá, o senhor é engraçado, o que vai beber? Ele pergunta O que você tem? E o garçom, Eu não tenho nada não, eu tô com essa cara porque minha sogra veio do Rio passar o carnaval lá em casa.

Outra do tipo, bilíngüe: nos States, um cara entra numa loja de discos e pergunta ao vendedor Do you have "Two lips and seven kisses"? O vendedor responde No, but I have two balls and seven inches. E o cara, Is it a new record?

Meu aluno Pedro me contou essa e esta: um velhinho ajoelha-se no confessionário e solta Padre, passei a noite com duas garotas, uma de dezenove e outra de vinte e dois, trepamos a noite inteira. O padre se surpreende Quantos anos o senhor tem? O velhinho, Noventa e quatro. Enternecido, o padre acredita que aquilo foi um presente dos céus e pega leve na penitência Reze uma Ave-Maria. O velhinho, Não vou rezar, não! Mais uma vez surpreso, o padre pergunta Por que não? O velho, Eu sou judeu. O padre, Mas, então, por que o senhor está me contando isso? E o velhinho, Eu estou contando pra todo mundo!

Pedro é judeu e adora contar piadas de judeu. Gostaria de conhecer um mulçumano que gostasse de contar piadas de mulçumano.

Há uma música de carnaval que diz Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é? Será que ele é bossa-nova, será que ele é Maomé? Parece que é transviado, mas isso eu não sei se ele é. Uma amiga, que canta no coral de uma instituição judaica, disse que o regente mudou Maomé para Salomé. Medo da reação à blasfêmia. Antigamente, quando os compositores escreveram essa marchinha, não era blasfêmia?

Às vezes, penso que, contra a intolerância, só mesmo muita blasfêmia, piada e mulher pelada. Mas quem sou eu, às vésperas de mais um carnaval, com a TV compulsoriamente muda, e com preguiça até para escrever essas curtas e grossas, quem sou eu para palpitar sobre diferenças culturais e religiosas?

Em seu linguajar típico, músicos diriam que hoje eu estou Qualquer nota.
Quando Robert Redford morreu, ele foi para o inferno. Levado para uma salinha imunda onde havia uma mulher nojenta, sujíssima, horrorosa, e babando de tesão, ele vê aquilo e, ao mesmo tempo, ouve uma voz enorme Tá vendo, Robert Redford? Isso é pra você pagar pelo que fez às mulheres na face da terra. Quando Warren Beatty morreu, ele tem um destino semelhante, mas com uma mulher muito mais nojenta, suja e horrorosa, careca, com os peitos nos joelhos, descascando etc. e dizendo Vem, vem, vem sentir o calor, em inglês. E voz enorme Tá vendo, Warren Beatty? Isso é pra você pagar pelo que fez às mulheres na face da terra. Quando o Wando morreu, ele foi para o inferno e levado para uma salinhas dessas. Só que dentro estava... Luma de Oliveira. E a voz... Tá vendo, Luma de Oliveira?

As piadas são velhas, ok, Robert Redford, Warren Beatty, Wando são velhos, e até Luma, a linda Luma, já não é uma criança. E eu já passei dos ... deixa pra lá.

Enquanto há vida, há risadas. Sai pra lá, ó monge cego de "O nome da Rosa".
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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