Colunas

Diário, Depressão e Fama

04/04/2006

O que você me diz, parte 4A

Sabe quando você, depois de uma boa fase, em que tocou bem a vida, particularmente no trabalho (que felizmente, é o de sua escolha e dentro de sua vocação), onde é mais fácil ir tocando, pois ali você está acompanhado, e a companhia das pessoas, assim como o contrato profissional e a necessidade de dinheiro, é um estimulo para ir tocando, mas, então, sem aviso, insinua-se uma depressão que te derruba duas vezes na mesma semana, e você, apesar de continuar a tocar até que bem o dia-a-dia, não consegue preparar sua coluna ou qualquer outra encomenda no prazo? E sabe quando dá vontade de fazer como aqueles cartunistas que descobrem um jeito mais fácil de se virar para entregar a encomenda quando estão sem inspiração, como Angeli, na série "Angeli em crise", ou então como Millor, na Veja desta semana, que apresenta um desenho incompreensível com um título idem, algo com "Eu no crepúsculo", mas você não é tão esperto quanto eles e opta por editar mensagens de leitores, mesmo sabendo que isso é mais difícil do que escrever uma coluna nova e, além disso, você tem tantas mensagens interessantes que quando as copia num documento único, para depois editar, o documento fica com 58 páginas e você sabe que, apesar de não haver limite rígido de páginas, pois está num jornal digital, seria bom mandar apenas umas duas, pois ninguém agüenta ler mais do que isso, e que além de serem 58, são bacanas e você não consegue cortar muita coisa e a coluna, que poderia conter apenas um poema seu ou de um amigo, o que seria muito mais fácil copiar, além de curto, acaba tão enorme, que você é obrigado a dividí-la em várias partes (o que é bom, pois nunca se sabe quando a depressão se desinstalará), mas provavelmente não vai despertar o interesse de muita gente, pois, afinal, o leitor abre a coluna para ler o que você escreveu, não o que outros leitores escreveram, e assim você está numa bela enrascada que vai atrapalhar a fruição do jogo de futebol que pode sagrar seu time campeão estadual após vinte e tantos anos de jejum, porque você ainda vai estar editando as mensagens quanto o jogo começar, e não vai relaxar para assistir a jogo, e quando o jogo terminar, seu time terá perdido e ficado numa situação pior que a sua, pois vai enfrentar na última rodada um time desesperado para não cair, ou seja, sabe, enfim, quando você está numa merda de uma enrascada particular, particularmente particular, e nem há o alívio da companhia de alguém porque os únicos que poderiam entendê-lo teriam que criar por encomenda, ser felizes no trabalho, depremidos sem explicação e santistas?

"Que emoção te escrever! Eu adoro você. Estou morando na Australia onde faço doutorado. Sou professora da Unb em Brasilia. Li o seu artigo sobre aquilo tudo, amor e ódio pelo Brasil e gostaria de usar na minha tese de PhD. É fantastico! Eu odiei o Brasil por um tempo porque meu irmão foi baleado (4 tiros) num assalto na quarta-feira de cinzas de 2005. Mas ele está vivo, sabe por quê? Porque Deus é brasileiro! Te amo e também concordo: amar é antidepressivo... Ah, faz uma trilha sonora para minha performace de PhD?! Vou apresentar em Melbourne... e no Brazil! Volto em 2007. Não tenho muito dinheiro, te aviso!" (Simone, a sedutora)

"Sr. Nederman, adorei seu artigo. Eu 'fugi' do Brasil em 75, pois entre outras coisas, não podia mais viver com a miséria ao meu redor, impotente para fazer qualquer coisa que não arriscasse minha saúde. Eu sou parte de uma diáspora brasileira. Estou contente que existam pessoas no Brasil com esse amor pela nossa língua minoritária, que trabalhem com ela e se sintam realizados. Eu falo diversas outras línguas, e passei uma faze em que quase esqueci a minha própria. É a minha língua que me faz sentir brasileira. É a minha conexão com a terra, mesmo que não seja diária. Adorei a reflexão. Cheers." (Elizabeth)

"Ontem tive um dia muito cheio, sem tempo de acessar a Folha Online para ler sua coluna. Hoje, quando tentei, o link não estava disponível. Uma semana que começa sem a coluna não é a mesma coisa..." (Oriana, a petista esclarecida)

"Que bom! A coluna saiu em dia! Adorei a de hoje, principalmente, o fecho: 'já percebi que o amor é antidepressivo para mim. O melhor estado de alma em que posso funcionar é... etc'. Sinto a mesma coisa. Minha alma é de mãe e de professora. Havia realmente uma relação de amor entre mim e meus alunos que, até hoje, me traz lágrimas aos olhos. A sala de aula é um reino de emoções inigualável..." (Sônia Bruno, a poeta)

"Li, com grande alegria o seu artigo 'Carandiru nos Jardins'. Fiquei emocionada por vários motivos. Sou Professora de Língua Portuguesa e adoro a minha profissão. Os professores de Português já não são tão valorizados como há certo tempo. Obrigada pelo texto!" (Mônica)

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult513u232.shtml: é o link para uma coluna do Carvesan, que acabei de ler. Não sei bem como funciona a relação entre os colunistas da Folha, se vocês se lêem, se há 'picuinhas'... a coluna é sobre depressão, portanto... . Sua coluna da semana passada me incluiu no mundo de novo, quando eventos, de certa forma, desencadeados por mim, me fizeram sentir-me um monstro, no sentido de ser alguém que não se enquadra em nenhum padrão de relacionamento. Enfim, obrigado. Fiquei melhor depois de ler nosso amigo 64 famoso. Espero ser um 64 assim, bem resolvido, ainda que mal resolvido." (Herbie)

"Fala, Hermelino. É engraçado como venho criando uma certa identificação involuntária com sua coluna. Leio já há alguns meses, mas só agora me ocorreu escrever algo. Talvez porque eu saiba que vocês recebem toneladas de feedback e não têm nem como ler, ainda mais como responder, o que já percebi quando escrevi pra alguém da Folha. Sou jornalista por formação, mas não-sei-o-quê-ainda por vocação -- mesmo aos 31 anos e desempregado --, nunca escrevi um livro e nem pretendo, sou oficialmente deprimido e, como o Bonassi, falo mal do Brasil sempre que posso. Não por charme, porque ninguém ouve mesmo e o apelo é zero, mas porque 'eu ando na rua, eu troco cheque, eu mudo uma planta de lugar', versos que você bem conhece. Todo país tem problemas, mas por que diabos não podemos ter os problemas deles, ao invés dos nossos? Os que a gente tem aqui são de ordem tão rasteira, mas tão imbecil, que só resta falar mal mesmo! Não é como se tivéssemos a alternativa de falar bem, como fazem os bem-mencionados naives. O mais legal a dizer é mesmo que eu me identifico, porque, além de deprimido e pessimista, também atento para o português e também percebo bastante esses detalhes que passam despercebidos para a maioria, como o fato de o camarada ser um escritor brasileiro e ir a uma escola internacional. Penso inclusive que, se eu digo que me identifico com a coluna e, por extensão, com seu autor, isso seria razão para você me dizer 'fiquei preocupado com você'! :) Os usos estranhos de algumas coisas certas, como o próprio 'naive' ou a novo-rica, que eu nem conhecia nessa flexão, digo, gosto de ver esse português que eu talvez usasse também. Não vou cometer a indelicadeza de querer corrigir um texto tão legal, tão sensível e bem-feito, dizendo que 'Niemeyer' se escreve com 'e'. Prefiro comentar que gosto e continuo lendo toda semana, até sem querer, porque sempre parece que fui eu, mais experiente, mais inteligente e mais estudado, que escrevi." (Rodrigo, BH)

"Outra amiga me manda um e-mail: 'lembrei de você esta semana, pois, em plena terça-feira, às cinco da tarde, cometi a loucura de entrar no mar'. Claro que eu fiquei lisonjeado com o fato de minha amiga ter pensando em mim num momento tão bonito, mas, sinceramente, que eu saiba, banho de mar é uma coisa boa, e não louca. Ora! Se você se pode dar ao luxo de tomar banho de mar em plena terça-feira, melhor ainda. Não consegui entender onde estaria a loucura. Detalhe: ela não viajou, por exemplo, de Arapiraca, a pé, a muitos quilômetros de Maceió, para desfrutar do seu mergulho na praia de Pajuçara. Ela simplesmente mora em frente à praia. Parece-me que, no fundo, somos todos absurdamente normais, mas inconformados com nossa normalidade, fascinados pela loucura. Lembro de uma das colunas do Contardo Calligaris, ao tratar do filme 'Closer -- Perto Demais', quando ele, depois de afirmar que concordava com Caetano Veloso, por ter dito que, 'de perto ninguém é normal', refez, ao seu modo, a afirmação: 'de perto, somos normais demais'. Concordo, portanto, com Contardo, e não com Caetano." (Ramon, o revisor amoroso, numa das "colunas email" que manda para seus pares da Sociedade Dos Caras Que Filosofam Em Português)

"Estou adorando toda esta discussão sobre trair e não trair. Lembro-me de quando era bem jovem, mãe de muitas crianças, eu dizia a minhas amigas: quem for minha amiga, me faça um favor -- se souber algo sobre meu marido, não me conte. Não quero saber! -- e falava com convicção. Não consigo entender esta história de traição. Esta revolta, esta gana de exclusividade. Se podemos compartilhar tantas posses, por que não um ser humano, de quem jamais poderemos lavrar escritura? Não falo aqui de promiscuidade, esta é outra questão, que envolve saúde e caráter. Falo de discretíssimas escapadas que possam quebrar rotinas e hábitos, criar uma sensação de proibido, de risco, de suspense... Não pense que minha forma de encarar isto é porque sou sozinha e já 'tenha "pendurado as chuteiras'. Tenho companhia nesta forma de ver as coisas. Lembro-me de um conto de Somerset Maugham em que um marido ciumento se separa da mulher, jovem e adúltera. Após 20 anos, reencontrando-a, vendo-a tão simpática e agradável, conclui consigo mesmo: 'por que fui perder uma boa vida, em excelente companhia, só pelo fato de não ter exclusividade?'. Concordo com ele. É cinismo? Não. É a vida. 'Humano, demasiadamente humano'." (Sônia Bruno, a poeta)

"Que bonito! Toda mulher (bem resolvida) deseja inspirar amor e ternura, e ao mesmo tempo paixão, fogo, loucura... o divino e o profano! Quer ser idealizada e respeitada como uma rainha, mas também ser tocada e amada como uma concubina! Ternura e luxúria! Me lembrou Caetano, numa música em que ele declara seu amor de uma forma delicada e forte ao mesmo tempo. Você também o faz nesses versos! Aliás, como Chico, você parece entender a alma feminina! Adorei! Deve ser uma bela canção. Agora estou mesmo inconformada com o parceiro que te traiu! Com certeza esse parceiro traidor não pretendia uma canção de amor..." (S, uma mulher deprimida, comentando a letra da canção que fecha a coluna "Corno manso, 64, aprendiz de feiticeiro", e reconhecendo, enfim alguém reconhecendo, que sou tão bom quanto Caetano e Chico. Já era tempo)
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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