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Diário, Depressão e Fama

18/04/2005

Minha novelinha com Carolina Dieckmann

HERMELINO NEDER
Colaboração para a Folha Online

(sábado, 05/03/05) Carolina Dieckmann vem aqui em casa na semana que vem. Preciso conhecer a sua voz porque ela atua e canta no filme "Onde Andará Dulce Veiga?", para o qual componho a trilha sonora. Carolina faz uma cantora e canta três canções, duas minhas, uma de Tom Jobim. Ela vem para escolhermos os melhores tons para sua voz.

A expectativa desse encontro mobiliza algo em mim. Não é a primeira vez que me encontro com uma celebridade. Nas outras, fiquei nervoso. Não acredito em quem diz que não se altera diante de alguém que atingiu tal nível de popularidade. Parece que algo brilha em torno do muito famoso, como se uma aura tivesse sido formada pela imensidade de olhares focados num mesmo ponto, nele. Quando penso na avacalhação que os caras do Pânico na TV promovem com a idéia de celebridade, ao mesmo tempo em quem revelam sua banalidade, me sinto meio ridículo por me intimidar com a fama.

Lembro-me de quando vi Sílvio Santos de perto. Eu era muito jovem e tinha acabado de me mudar do interior. De dentro de um carro, eu o vi na calçada, a caráter, comandando alguma promoção externa do Baú da Felicidade. Mesmo achando-o meio cafona desde sempre, naquele momento, ele me pareceu um gigante. A questão é o ícone feito de carne e osso ou, o outro lado da moeda, a pessoa feita ícone. De um certo modo, é mais mobilizante do que estar na presença do Davi de Michelangelo. Não digo mais importante ou mais significativo.

Desejo ser famoso? Todo o mundo deseja, é um sentimento universal? Os meus amigos respondem não a essa pergunta. Todos eles! Como se esse desejo fosse uma bobagem, uma coisa para pessoas inferiores, como são julgadas aquelas que freqüentam o "Big Brother". Eles reagem com surpresa quando declaro que eu, sim, gostaria de ser famoso. Há uma certa verdade em minha declaração, mas há também o gosto pela provocação. Parece que um cara do meu meio intelectual deveria estar acima dessas veleidades. Meus amigos têm razão em muitos sentidos. O desejo da fama pode levar o sujeito à idiotice e à histeria eterna. O correto em nosso meio é desejar sucesso, reconhecimento e prestígio. É o que quero, mas se digo isso, não provoco reação nenhuma. É mais legal dizer que desejo a fama.

É uma assunto considerável. Tenho certeza de que um maior reconhecimento público do meu trabalho me faria muito bem, seria profundamente antidepressivo. Depressão é falta de movimento. Intuo que fama é mobilizante. A possibilidade do encontro com Carolina Dieckmann mobiliza em mim essas reflexões.

(segunda, 14/03/05) Onde eu estava com a cabeça? Claro que Carolina Dieckmann não veio aqui em casa. Eu é tive que ir até o hotel onde ela estava hospedada para escolher os melhores tons das canções. A princípio, fiquei irritado, seria tão mais fácil e prático estudar os tons no computador: "vou ter que levar o violão, vou ter que aprender a tocar a música em vários tons, a harmonia é complicada e, o pior de tudo, vou ter que sair de casa".

Me acalmei quando pensei que se eu fosse famoso, todos teriam que vir até mim. Deprimidos odeiam se mexer. Não sei se sou um deprimido de carteirinha, mas odeio sair de casa. Lembrei-me das declarações do tenista Roger Federer e daquele campeão mundial de xadrez que esteve recentemente no Brasil, Karpov ou Kasparov, um dos dois, não me lembro qual, e estou com preguiça de pesquisar. Tanto o tenista como o enxadrista declararam que o melhor da vida pós fama é a mordomia: comer a melhor comida dos lugares que visitam, só viajar de primeira, ficar nos melhores hotéis, tudo coisa que eu gostaria de ter. Esses caras só saem de casa se quiserem.

Um dia antes de ir até o hotel, assisti a invasão que aqueles cômicos pentelhos do Pânico na TV, o Ceará e o Vesgo, fizeram na festa de encerramento da novela Senhora do Destino. Carolina Dieckmann foi a única famosa que não se desmanchou risonhamente em elogios aos caras. E quando eles disseram que ela não era simpática, ela retrucou "eu sou simpática, vocês é que não são". Todos os outros artistas passaram a temer os grossos do "Pânico". Todos se dizem fãs. Na verdade, tornaram-se reféns do esculacho. É patético. Eu só calçaria aquela sandália nojenta diante de um pelotão de fuzilamento.

Tinham me dito que ela era uma menininha, baixinha, com vinte e poucos anos. Se é tão pequena assim, não foi o que mais chamou minha atenção. Só vi uma personalidade enorme. Ela é séria, compenetrada, demonstra suas inseguranças com segurança, como, por exemplo, em relação a cantar (vai se sair muito bem). E quando é elogiada, não sorri e não se esquiva do elogio: olha, séria, o elogiador.

Para matar a curiosidade de uma aluna (dou aulas particulares, um dia falo sobre essa arte, a aula particular de música): Carolina é mais bonita ao vivo. É uma beleza natural, simples, que não te deixa esquecer que é beleza.

Quando entrou na sala, não distribuiu beijinhos, não tentou angariar simpatias. Algumas atrizes e cantoras que conheço são tão simpáticas que chamam até manobrista de querido. Ela só nos deu a mão, quando o teste vocal acabou, quase num agradecimento pelo tratamento gentil e profissional que Mário Manga e eu lhe dispensamos (Manga vai fazer os arranjos punk rock da trilha). Ela deu as duas mãos ao mesmo tempo, uma para mim, a outra para ele, como quem diz "valeu!".

Carolina é mãe. A diferença pode vir daí, mas talvez venha de berço, vai saber. O importante para mim, que ando interessado na relação que vislumbro entre depressão e fama nos dias de hoje, é que conheci uma celebridade de atitude bonita. E ela tem aquele charmezinho de deprimido leve.

(quarta, 06/04/05) Eu tinha razão: ela se saiu bem. Vou por um link na coluna com nossa interpretação da canção Poltrona Verde, que planejo para o CD da trilha. No filme ela canta sozinha. Carolina, Guilherme de Almeida Prado, o diretor do filme, Newton Carneiro, o produtor musical, que toca violão no arranjo, e Mário Manga, que toca guitarra, aprovaram a idéia do link (ver e ouvir abaixo. Se rolar um capítulo dois dessa novelinha, na semana que vem, ponho o link de um dos rocks).

A letra de Poltrona Verde é de Caio Fernando Abreu. Está no seu livro Onde Andará Dulce Veiga?, em que Guilherme baseou o filme. Caio morreu há alguns anos. Não o conheci, é meu parceiro póstumo.

Durante a gravação soubemos da morte de Rodrigo Rodrigues, que formava o grupo Música Ligeira, entre outros, com Manga e Zuleika Walther, mulher de Guilherme. Mundo pequeno, vida breve. Arte longa? Rodrigo era um grande cantor, saiu num jornal que Caetano Veloso assistiu "de joelhos" a um show do Música Ligeira. Rodrigo me considerava ótimo compositor de sambas. Só escrevi uns cinco na vida, entre sambas e bossa-nova, incluindo Poltrona Verde. Ele era engraçado.

Carolina é séria, não ri de todas as piadas que surgem durante o trabalho, mas está evidentemente feliz com sua vida. Hoje, durante a gravação dessa bossa-nova, convivemos com a morte de Rodrigo e com Carolina cheia de vida.
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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