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Diário, Depressão e Fama

22/05/2006

Agora com fotinho na capa...

Que legal! Estou pavimentando meu caminho à fama, com fotinho na primeira página e tudo. É a primeira vez que me põem em primeira página: não sei onde ponho o meu sentimento. E aparecerei toda segunda-feira. Na terça, eu sumo da capa e fico apenas na Ilustrada e no Equilíbrio, dois outros ótimos lugares de se estar. Quando for famoso, muito famoso, mundialmente famoso, não serei mais deprimido. Verdadeira ou falsa?

E além da fotinho, fiz recentemente outra coisa que aumentou minha fama: falei mal do Chico. Por que será que tantas pessoas se importaram, se ofenderam, me escreveram? Será que Chico é ideologia, religião ou time de futebol?

Futebol para quem precisa de futebol, ideologia para quem precisa de, religião para quem precisa, Chico para quem.

Chico Paratodos. E Lula para presidente... do sindicato dos metalúrgicos de São ABCD. Ou do Corinthians. Ou para prefeito de... como é mesmo o nome da cidadezinha em que ele nasceu?

E quando olho de lado, vejo a careca repartida por um fiozinho de cabelo brilhante do Alckmin. Ó dia, ó vida. Que destino o do meu salve o povo brasileiro. Como diria o colunista que amava Conrad: o horror, oh, o horror! Por que não temos na política profissionais do nível de Ronaldinho Gaúcho, Niemeyer, Chico Buarque, Daiane dos Santos, Santos Dumont, Nelson Piquet? De Rubinho Barrichello, pô?!

Maperaí, não falei mal do Chico. Me derramei em elogios. Queria tanto que alguém mostrasse meu artigo a ele. Ele ia adorar e pedir uma melodia para letrar. Só chamei ele de folclore, caramba. Folclore não é xingamento, veja o caso de outros folclores. Niemeyer, Fidel: muita gente adora folclore. Eu, por exemplo, adoro 'Atirei o pau no gato-to-to'.

'A boca espuma de ódio', como cantava o genial Itamar Assumpção.

Então eu não estou ferrado?

O meu médico me mandou fazer um exame de sangue e, pelo resultado, disse que não tenho câncer. Mas meu médico é daqueles otimistas irrecuperáveis que chamam todo paciente de campeão. O velhinho entra na cadeira de rodas, bem mais pra lá do que pra cá, e lá vem o trovejar de barítono: e aí, campeão?

Então o Lula não sabia?

Então o Chico está certo em relação a Lula? Então a mídia estaria demonstrando (inconscientemente?) preconceito de classe?

Então as mulheres precisam ser elogiadas o tempo todo para compensar a inveja do falo? Então era esse o truque de Don Juan? Como ele descobriu isso antes de Freud? Bem, já que comecei a dar dica aos bico-doces, há outro truque relacionado ao do elogio: deixar a mulher falar e nunca criticá-la. Paulo Francis dizia que Vinícius de Morais era bom nesse. Que enquanto a mulher ia falando, ele ia enfiando o pife meio mole.

Então vamos perder 06, como perdemos 50 e 82, também com os melhores times da copa?

Então o Serra é o culpado pelo PCC?

Então se escreve hoje tantas e tão boas óperas como nas épocas de Mozart e Puccini?

Então o PT é de esquerda?

Então sabemos distinguir direita e esquerda? Então não precisamos mais de pé com pano e pé sem pano para virar para a direita ou para a esquerda?

Então a verdade não aproxima as pessoas entre si? E a mentira não as afasta?

Então amor e conhecimento não são as grandes bases da convivência humana?

Então os maridos podem mentir para as esposas? Então vice-e-versa? Então os casamentos não correm o risco de terminar, mais cedo ou mais tarde, enquanto as amizades tendem a ficar cada vez melhores? Então não é a liberdade e o gosto de se dizer a verdade, que há nas amizades, que as fazem mais duradouras que os casamentos? Então não é recomendável que um cônjuge minta ao outro pra protegê-lo de si mesmo, de seus próprios e dolorosos sentimentos de ciúme? Ou mentir é recomendável para preservarmos o direito aos nossos segredos pessoais? Ou porque até analistas recomendam que não se fale toda a verdade entre cônjuges?

Então você não tem vontade de esganar quem diz: 'eu não menti, eu omiti'?

Então FHC só diz besteira?

Então Diogo Maynard não merece ser lido por pessoas de bem? Então a Veja está totalmente a serviço do capital, e Maynard está lá só para fustigar gente que a Veja quer atacar? Então o Marcos Maynard, presidente da EMI no Brasil, é melhor que o Diogo?

Então Ronaldinho Gaúcho é melhor do que Pelé?

Então Tom Cruise pirou?

Então o Brasil não tem material para produzir grandes best sellers de suspense baseados em Daniel Dantas, Duda Mendonça, Zé Dirceu e outros de mesma farinha?

Então aquele procurador da república, que parece o Quasímodo de óculos e que andava de fusquinha, ficou quietinho durante quatro aninhos?

Então Adorno não tinha razão e a nossa audição e gosto musical progridem?

Então Tosltói foi ingênuo em perguntar por que milhões deixam seus países, suas casas e famílias para ir matar e morrer, passar fome e frio, ou calor e sede, em guerras que não lhe dizem respeito, que ocorrem em lugares longínquos... longínquos?

Então quando eu dou, você tira e quando você dá, eu tiro?

Então você me concede um pouco de verdade para me tranqüilizar e, assim, poder continuar a mentir?

Então eu fiz alarme à toa sobre a gripe do frango?

Então a fotinho na home às segundas não vai tornar este pobre diabo mais famoso e menos deprê?

Verdadeiras ou falsas?
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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