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Diário, Depressão e Fama

05/06/2006

Bia Aydar e Mário Manga

Pra dizer a verdade, acho interessante mas meio deprê a onda de separações que acomete uma quantidade de casais atualmente. Muitos próximos a mim. Tenho até uma teoria a respeito: no Brasil, a mentira entre marido e mulher é incentivada, até mesmo por psicanalistas. Como a mentira afasta as pessoas...

O primeiro casal que se casou e se separou da minha turma foi Bia Aydar e Mário Manga. Dois precoces: eles se casaram e se separam quando nenhuma das duas modalidades era moda. Reencontrei-os no show de lançamento do primeiro e último DVD do grupo Música Ligeira, no Sesc Pompéia, aqui em São Paulo. A platéia e o palco estavam cheios de gente famosa, famosinha, famosona. Não havia depressão no ar, mas se ela desse o ar, não seria surpresa: a pessoa na memória de todos e no telão sobre o palco era Rodrigo Rodrigues, morto há um ano. Mencionei sua morte e um pouco de sua glória na coluna anterior "Minha novelinha com Carolina Dieckmann".

O show de lançamento lembrou o Concert for George, que Eric Clapton organizou no Albert Hall, um ano após a morte do ex Beatle, para homenageá-lo. Mário Manga, conduzindo o show de lançamento, também cheio de convidados, com a graça maravilhosa que Buda lhe deu, parecia inspirado no Concert. E ainda, como no Concert, em que um filho de Harrison toca um violãozão acústico entre monstros sagrados, a filha de Rodrigo, Laura Lavieri, cantou e tocou cello ao lado do super Manga, e de outros músicos e cantores fundamentais para a história da música alternativa paulistana. O DVD Concert for George é obrigatório. O do Musica Ligeira, também.

Manga fundou o Música Ligeira com Rodrigo (só mais tarde Fabio Tagliaferri juntou-se a eles). Durante um bom tempo eram apenas Manga e Rodrigo no palco, cantando, tocando vários instrumentos e falando abobrinha. O próprio nome é uma abobrinha recheada de humor, ironia e amor pela música pop e de mercado, a tal música fácil, pois música ligeira é uma expressão que soa pejorativa na boca de "gente que entende de música", algo como "Haydn é sério, Saint-Saenz é ligeiro". O Música Ligeira se especializou em versões e arranjos inusitados de grandes sucessos nacionais e internacionais. Muito versátil, utilizava grande variedade de instrumentos de cordas como guitarra, violão, cello, viola de arco, bandolim, baixolão e corda de pular, além de gaita, pandeiro, sax. Tinha um quê do I Musici, a famosa orquestra de corda italiana erudito-cômica.

O grupo freqüentou gloriosamente o circuito alternativo da música paulista e, de vez em quando, brasileira. Um circuito bem diferente do que Bia Aydar freqüenta hoje, a alta roda. Entretanto, por alguma obra do destino, o DVD e o lançamento, transformado nessa homenagem a Rodrigo, acabaram conectados a uma impressionante coleção de famosos, famosinhos e famosões: João Paulo Diniz, Fernando Meirelles, Arnaldo Antunes, Caetano Veloso, Zuza Homem de Melo, Washington Olivetto, Maurício Kubrusly, Pena Schmidt, Mônica Salmaso, Paulinho Moska, Na Ozzetti, Hamilton Vaz Pereira, Zuleika Walther, Márcia Lopes, Cida Moreira, Carlos Fernando, André Abujamra, Inácio Zatz, Adriano Busko, Marcelo Machado, Celso Massola, Deo Teixeira e Fátima Camargo.

Quem me arrastou da deprê para o show foi a artista plástica Debora Muszkat. Encontrei lá (sem procurar nem um pouquinho, louco para voltar para cama) Hélio Ziskind, Guilherme de Almeida Prado e os Malavoglia Brothers. E topei com Bia Aydar.

Bia, com o sorriso aberto de sempre, e Manga, com seu humor compulsivo mas de primeiríssima, eram a cara da felicidade. Sei lá por que então, me lembrei das tristezas e do luto das separações. Depois de "Minha novelinha com Carolina Dieckmann", Carla, a mulher de Rodrigo Rodrigues, me mandou um email emocionado. Ela ainda estava em pleno luto de morte. Mas naquela noite... por que os felizes e realizados Bia e Manga, meus amigos queridos e queridos entre si, bem sucedidos até na separação, por que eles me fizeram pensar nisso? Sei lá, deixa pra lá. Separação nem sempre é ruim, pô.

Bia e Manga tiveram uma filha (a cantora Mariana Aydar, amicíssima de Carolina Dieckmann, segundo a própria Carolina) e adotaram um filho. E deram duro na vida tentando fazer acontecer o Premeditando o Breque, um grupo de samba que Manga montou com colegas de faculdade e com Wandy Doratiotto, o baixinho moreno da Brastemp. O grupo começou a fazer sucesso e integrou o movimento cultural mais importante na década de oitenta em São Paulo, a meio sisuda Vanguarda Paulistana, que tinha lá sua porção de música ligeira. Quem se lembra de 'São Paulo, São Paulo'? E da Kombi comprada de um japonês que ia sozinha ao Ceasa? E das duas piscinas na Avenida São João, uma pura, a outra com limão?

Bia empregava e treinava seus dotes organizacionais na produção do Premeditando o Breque, depois apenas Premê, e era elogiadíssima pelos integrantes do grupo e de outros grupos, que morriam de inveja do Premê: ProdutorAgentEmpresário de qualidade ainda é coisa raríssima no Brasil pré-capitalista.

Ouvi dizer que o Música Ligeira fez sucesso no circuito alternativo de Tóquio e nos subúrbios universitários de Londres. 'O tratamento dado a cada canção é muito inteligente, muito leve e delicado', observa Caetano Veloso. 'Eles oferecem uma coisa de que a gente tem muita necessidade, que é uma aproximação da nossa capacidade de criação musical com inteligência, com noção da medida". Manga é, enfim, um sucesso cult. Bia não, Bia é mainstream.

Enquanto o Premê emplacava alguns sucessos, Bia foi sendo paquerada por cantores, depois clientes, como Lulu Santos, Ney Matogrosso, Marina Lima, Gonzaguinha e seu pai, Luiz Gonzaga, que farejaram o que aquela baixinha simpática e eficientíssima era capaz de fazer.

Hoje, ela é presidente da MPM Propaganda, de Nizan Guanaes, que produz campanhas com faturamento de R$ 100 milhões, como a da Sul América; e sócia da irmã, Fernanda, na Face, empresa de eventos responsável pelos casamentos de Luciano Huck e Angélica, de Ronaldo e Cicarelli. Outros clientes de mão-cheia (sem trocadilho) são o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves o cantor Roberto Carlos, o ministro Gilberto Gil. Ganhou quatro prêmios empresariais em 2005, idealizou camarotes na Sapucaí, envolveu-se no show de Madonna, em 1993, e parou, em 1995, a esquina da Avenida Ipiranga com a São João para uma apresentação de Caetano Veloso.

Encontrá-los lá, separados e juntos, remeteu-me a várias recordações dos 80. Por exemplo, quando o John Lennon morreu, ficamos muito abalados e eu, que adorava o Manga, adoro e vou adorar até o fim de meus dias, escrevi-lhe um bilhete em que declarava mais ou menos isto: se, um dia, eu brigar com você, me mostra esse bilhete para eu me lembrar que, com certeza, a culpa foi minha, pois ninguém briga com você. Coisa de maluco emocionado. O Manga conheceu Lennon, levou um disco do Premê para ele.

Manga conta que, na primeira vez que foi para Nova York com Bia, eles fizeram o que todo músico brasileiro faz: comprar instrumentos e equipamentos a um preço muito mais baixo do que o praticado pelo comercio e contrabando brasileiros. Bia não falava inglês, então o Manga traduzia suas perguntas para o dono da loja. Rapidamente, ela já estava se comunicando com o dono por meio de gestos e de uma língua deles, inventada ali mesmo. Algum tempo depois, o dono da loja disse para o Manga: you don't know how to make business. She does! (você não sabe fazer negócio. Ela sabe!)

Uma vez, minha banda, a Football Music abriu um show do Premeditando o Breque em um das cidades do ABCD. Eu não tocava na banda que eu mesmo liderava, Freud explica. A Football Music apresentava minha canção "Pô, amar é importante!", para a qual eu tinha escrito um arranjo bem Vanguarda Paulistana, com mudança de andamentos e de estilos: alternava blues em andamento lento com iê-iê-iê brega em rápido. Durante o show, Bia me disse: "não devia mudar para o lento, veja como a platéia desanima". Anos mais tarde, Arrigo Barnabé e Tetê Espíndola regravaram "Pô, amar", com um arranjo que mantinha o andamento rápido do começo ao fim. A faixa estourou, tendo sido tocada até em carnaval nordestino por trios elétricos, em ritmo de carnaval. Manga, que excursionava pelo nordeste com o Premê nessa época, voltou enjoado da minha música.

É mais legal lembrar dessas coisas do que pensar em separação.
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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