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Futebol & Cia.

16/05/2002

Cadê o 10?

MÁRCIO SENNE DE MORAES
colunista da Folha Online

Houve um tempo, num passado não tão distante assim, em que ele era considerado tão importante que o técnico da seleção tupiniquim o chamava de "1". Era o dono do time, aquele de quem todos os torcedores esperavam maravilhas, aquele cujos ombros carregavam a responsabilidade de ditar o ritmo no meio de campo ou de mudar o rumo de uma partida difícil.

Eram tempos em que os paulistas (bairrismo explica) viam defeitos no craque Zico. Ou tempos em que os cariocas (pela mesmíssima razão) desprezavam o gênio de Ademir da Guia. Era uma época de glórias de nosso futebol, época em que um Pita (Santos, São Paulo) ou um Dirceu Lopes (Cruzeiro) não tinham lugar na seleção.

Coloco atletas que atuaram em décadas diferentes na mesma "época" porque, dos anos 50 até o final da década de 80, o futebol brasileiro produziu uma miríade de craques capazes de honrar a camisa 10 da seleção. Assim, esses 40 anos constituem uma época, um período de tempo único em nossa história futebolística.

As provas são irrefutáveis. Tivemos, primeiro, Zizinho, para muitos, tão excepcional quanto Pelé. Este, então, dispensa comentários. Substituiu o mestre Ziza e tornou-se o maior astro do esporte mundial em todos os tempos. Um deus dos gramados.

Mas, talvez por ser mais um meia de ligação do que um armador, Pelé deixou o posto de cérebro do time para Gérson na Copa de 70. O ex-craque do Botafogo e do São Paulo era daqueles que paravam a bola no meio de campo, observavam o posicionamento da defesa adversária e faziam lançamentos de 40 jardas. É, à época, falava-se mais em jardas do que em metros no jargão do futebol.

Depois veio Rivelino, o reizinho do Parque (São Jorge) e do Fluminense. Riva também era um jogador completo, daqueles que driblavam, armavam, atacavam e criavam um auê na defesa adversária a cada jogada. Deixou saudades em todos os lugares pelos quais passou, menos na Arábia Saudita (onde arrumou encrenca com um xeque qualquer que achava que entendia de bola).

Um pouco mais tarde, o Galinho de Quintino se firmou como titular indiscutível da meia-esquerda da seleção brasileira. Outro gênio de raro talento, cujo único pecado futebolístico talvez tenha sido aquela infeliz cobrança de pênalti contra a França de Platini, em 1986. A seu lado, para dar ainda mais saudade, havia o cerebral Sócrates, outro 10 extraordinário embora jogasse com a 8.

Mas, verdade seja dita, cadê o 10 atualmente? Aqui no Brasil, ele quase não existe, e, ainda por cima, os poucos que se encaixam na clássica definição de armador nato foram preteridos por Luiz Felipe Scolari.

Senão como explicar a ausência de Ricardinho, do Corinthians, entre os 23 selecionados? É verdade que ele não brilhou tanto nas duas últimas semanas, mas a queda de rendimento de sua equipe no mesmo período só faz comprovar a tese de que seu talento (na posição) é imprescindível e sem igual no país hoje.

Outro que arma muito bem o jogo, porém que tem mais características de volante do que de meia ofensivo é Juninho Pernambucano, campeão francês no Olympique de Lyon (o PSG, de Ronaldinho Gaúcho, terminou o campeonato em quarto!!!) e inexplicavelmente esquecido por Felipão.

Haveria ainda outras duas opções: Djalminha, do La Coruña, e Alex, ex-Palmeiras. Afinal, ambos sabem tudo de bola e chegaram até a brilhar na seleção recentemente. Todavia Djalminha demonstrou um descontrole emocional imperdoável ao dar uma cabeçada no técnico de sua equipe e despediu-se da Copa. Já Alex não conseguiu se firmar como o gênio que todos esperavam e, lentamente, foi caindo no ostracismo apesar de ter, de quando em quando, lampejos de Pelé, como no golaço marcado contra o São Paulo pelo Rio-São Paulo.

É, cadê o 10? Ou o 1, como dizia o velho lobo Zagallo. Por aqui, não está. Muito menos na Catalunha, onde o time de Scolari se prepara para a Copa. Contudo, para quem viu Real Madrid e Bayer Leverkusen ontem, o paradeiro do 10 não é desconhecido.

Afinal, a equipe de Madri tem dois gênios que se enquadram na clássica definição de armador. Um é Luís Figo, o melhor do mundo, de acordo com a Fifa. O outro é Zidane, que marcou o gol de placa que deu o título aos madrilenos ontem.

Há meses, insisto em que Zinedine Zidane, o Zizou de Marselha e do Real, é inacreditável. Toca, finta, dribla, lança, mata (com os pés ou no peito), arremata e, sobretudo, pensa como poucos jogadores fizeram em toda a história do futebol mundial.

A comparação com Michel Platini é, portanto, inevitável, visto que, até 1998, ninguém jamais teria ousado imaginar um francês melhor do que ele. Só tenho uma coisa a dizer: Zizou é campeão do mundo, o que dá a seu currículo um peso inexistente no de Platini.

De qualquer modo, o 10 ou o 1 fará muita falta à equipe brasileira na Copa. Podemos até vencer sem um verdadeiro armador, como fizemos em 1994 (os flamenguistas, palmeirenses e gremistas que me desculpem, mas não posso comparar Zinho aos gênios acima mencionados), porém sem o brilho de outras conquistas.

Assim, o que nos resta é torcer por uma surpresa ou por um time tão bem arrumado defensivamente que consiga neutralizar a criatividade dos armadores adversários. Já tenho até um frio na espinha ao pensar que, talvez, possamos enfrentar a França, de Zizou, ou a Argentina, de Juan Sebastián Verón, nas quartas-de-final. Neste dia, espero não terminar minha coluna com um "onde estava nosso 10"?

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Em alta
O Corinthians, que bateu a forte equipe do Brasiliense e se sagrou campeão da Copa do Brasil, e despachou o limitado São Paulo, conquistando o título do Torneio Rio-São Paulo. A equipe caiu de produção recentemente, mas mereceu os títulos conquistados porque, ao lado do Cruzeiro, apresentou o melhor futebol do primeiro semestre.
Em baixa
O São Paulo, que, mais uma vez, nadou, nadou e morreu na praia. Os são-paulinos já não aguentam mais essa dura rotina. O time é vice ou pior há algum tempo nos campeonatos mais importantes. Assim, a chegada do vitorioso Oswaldo de Oliveira e a rapa que a diretoria promete devem vir em boa hora para o Tricolor.

No mundo
Destaque para a difícil vitória do Real Madrid sobre o Bayer Leverkusen na final da Copa dos Campeões, ontem, em Glasgow. Apoiado no talento e na criatividade de seu elenco milionário, o time conseguiu seu nono título na competição, um recorde. O gol de Zidane, um sem-pulo de grande categoria, foi um dos mais belos do ano.
Nos EUA
Destaque para os playoffs da NBA. No lado oeste, o poderosíssimo Los Angeles Lakers pega a forte e bem entrosada equipe do Sacramento Kings, que, se puder contar com todos os seus titulares, pode complicar. No leste, o Boston Celtics enfrenta o New Jersey Nets. Quem sabe Lakers e Celtics não se encontram na final?...

Márcio Senne de Moraes é formado em administração de empresas, pós-graduado em ciência política pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, redator e analista do caderno Mundo da Folha de São Paulo e escreve para a Folha Online às quintas-feiras

E-mail: futebolecia@folha.com.br

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