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Futebol & Cia.

13/06/2002

Geopolítica e futebol

MÁRCIO SENNE DE MORAES
Colunista da Folha Online

Já estou vendo tudo. Em breve, os manifestantes antiglobalização, aqueles que quebram o pau com a polícia a cada reunião do FMI, começarão a protestar contra os efeitos nefastos do fenômeno sobre o futebol atual. Sim, a globalização também é culpada pelo nivelamento por baixo das seleções que disputam o Mundial.

Não é única culpada, porém divide a responsabilidade com a falta de arrojo dos treinadores, com a má organização que reina na Fifa e a corrupção de seus dirigentes, com um calendário pífio que impede que as equipes sigam um esquema de treinamento adequado etc. Vejamos as razões.

As duas maiores favoritas ao caneco já deixaram a competição. É verdade que a Argentina tombou no "grupo da morte", mas caiu porque sucumbiu à tentação de imitar os europeus, com seus incontáveis "chuveirinhos" e com sua marcação sob pressão. Não que pressionar a saída de bola dos adversários seja, em si, algo ruim. Contudo imitar um modelo sem discernimento pode surtir efeito contrário ao esperado.

Acontece que, buscando moldar seu sistema de jogo à "moda atual", os platinos esqueceram a essência de seu futebol, que alia uma pegada inconfundível a uma técnica apurada. Ora, abusando dos cruzamentos contra a bem postada (e treinada à exaustão no fundamento) defesa da Inglaterra, a Argentina facilitou a tarefa dos britânicos e enterrou suas esperanças.

Por que o genial Juan Sebastián Verón, "la brujita", é forte candidato a ser a maior decepção da Copa? Porque tentou moldar seu inspirado estilo de jogo às disposições táticas preconizadas por Marcelo Bielsa. Erraram ambos, pois, assim, o ótimo futebol do argentino se resumiu a estéreis lançamentos e cruzamentos. Aliás, desde que deixou a Lazio, o craque platino não consegue encontrar o melhor de seu jogo porque o esquema tático do Manchester United não se adapta a seu futebol.

Por que, desconsiderados os desfalques, a França foi desclassificada na primeira fase? Porque perdeu para o Senegal na partida de estréia e ficou completamente desestruturada. E, por quê? Porque seu técnico, Roger Lemerre, no alto de sua soberba, esqueceu que a maioria dos senegaleses deu seus primeiros passos no futebol em gramados franceses e que seu treinador, Bruno Metsu, é de nacionalidade francesa.

Assim, graças à globalização (cuja versão mais crua e politicamente incorreta era chamada de colonialismo no passado), os senegaleses dissecaram a seleção francesa, cada detalhe positivo, cada possível falha a ser explorada. Todavia, se favoreceu o Senegal em detrimento da França, o fenômeno foi terrível para Camarões e para a Nigéria, que, como a Argentina, sucumbiram à tentação de jogar "à européia" e negligenciaram o que realmente fazia diferença em seu futebol: a criatividade, a inventividade e a improvisação. Estas, diga-se de passagem, sobraram para os senegaleses.

Com isso, os "leões indomáveis" camaroneses foram presa fácil para os disciplinados alemães, que conhecem como poucos esse joguinho burocrático de lançamentos longos (geralmente vindos dos zagueiros) e de cruzamentos na área. Já os nigerianos, além de enfrentarem graves problemas internos de relacionamento, também cometeram o mesmo erro. E nem o craque Jay Jay Okocha conseguiu ter mais do que alguns lampejos de gênio.

Outra seleção de menos tradição que corre o mesmo risco, embora ainda esteja na disputa e deva terminar em primeiro lugar em seu grupo, é o Japão. Este, treinado pelo francês Philippe Troussier, também abusa dos supostos lançamentos e dos cruzamentos, que, na verdade, mais parecem chutões dignos de Júnior Baiano ou de Aldair.

Por outro lado, há equipes que souberam tirar lições de sua experiência internacional, buscando os "bons frutos da globalização", para utilizar um jargão do FMI e do Banco Mundial, dois dos maiores representantes e defensores do fenômeno. O caso do Senegal é emblemático, mas não é o único.

Suecos e dinamarqueses, por exemplo, montaram um esquema de jogo chato (porém eficaz), calcado nos atributos do que hoje se convencionou chamar de "futebol moderno". Marcam forte a saída de bola do adversário e tocam a bola de pé em pé, um pouco à imagem do futebol holandês de 74 ou do brasileiro de 82 (obviamente, sem o talento individual dos jogadores daquelas duas seleções).

Não buscam imitar esses ícones do futebol-arte, mas a eficiência da Dinamarca de 92, que conquistou o campeonato europeu, porém que já não era mais a "Dinamáquina", de Preben Elkjaer-Larsen, de Michael Laudrup e de Morten Olsen (atual técnico), que encantou o mundo em 86. Ora, aquele timaço dinamarquês perdeu (1-5 para a Espanha) porque jogava aberto. O atual, bem mais pragmático, joga fechadinho e explora muito bem o contra-ataque.

Outra seleção que, desde a mal fadada campanha na Copa de 90, tenta adaptar seu estilo de jogo às tendências internacionais é a brasileira. Cansamos de perder porque jogávamos aberto, diriam os defensores de Felipão e de Parreira (ninguém ousaria defender Lazaroni, espero!). É verdade.

Porém será que alguém consegue me explicar por que, nem por decreto e com três zagueiros, conseguimos ter uma defesa convincente? Talvez, ou provavelmente, seja porque há defensores demais (os TRÊS patetas tomaram uma dúzia de bolas entre as pernas dos costarriquenhos!) desacostumados com um esquema tático que não condiz com as características brasileiras.

De qualquer modo, é indiscutível que a globalização influenciou o futebol atual. Camarões, em 90, era uma equipe alegre, irresponsável, que tinha um futebol empolgante, mas ingênua. Sucumbiu ao pragmatismo dos ingleses. A pergunta é, levando em consideração o futebol monótono que os "leões indomáveis" apresentaram desta vez, será que a dose do antídoto não foi forte demais e provocou efeitos colaterais indesejáveis? O mesmo vale para a Nigéria e para a Argentina.

Contudo o fenômeno existe e não está nem perto de seu final. Assim, ao que parece, a partir de agora, vencerão aqueles que souberem usar com sabedoria as vantagens que um maior intercâmbio pode proporcionar sem desvirtuar a essência de seu futebol. Para nós, algo assim como o poder ofensivo da seleção de Telê Santana com a pegada da de Parreira. Será possível? Em muito pequena escala, por enquanto, o ainda ingênuo Senegal nos mostra que não é impossível. Senão, em 2010, teremos 32 Inglaterras, Suécias ou Dinamarcas na Copa do Mundo...

Em alta
O clã Williams, que levou o título (Serena) e o vice-campeonato de Roland Garros e, ainda por cima, passou ao topo do ranking. Desde que a mais velha, Venus, tinha 12 anos, seu pai já imaginava que as duas seriam, um dia, as primeiras do ranking mundial. Aposta vencida. Agora o grande desafio será motivá-las a manter-se no topo.
Em baixa
A seleção da Bélgica, a da Rússia, a da Eslovênia, a da Turquia e, particularmente, a da Polônia, que, até agora, apresentaram um futebolzinho digno da equipe do Equador (sem Alex Aguinaga). Fala-se muito que há sul-americanos demais no Mundial. Pode até ser verdade. Mas será que a Copa precisa de 15 selecionados europeus?

No mundo
Destaque para a comoção provocada na França pela derrota da seleção nacional. Não é desculpa, mas uma coisa é certa: eles não têm as peças de reposição necessárias para permanecer no topo em caso de contusão de seus craques. Foi bastante por causa disso que a equipe fracassou. Com Pires e Zidane, a coisa certamente teria sido bem diferente.
Nos EUA
Destaque para a vitória do Los Angeles Lakers na NBA. É indiscutível que a esquadra liderada por Kobe Bryant e por Shaquille O'Neill tem grandes talentos, porém a fraqueza dos pivôs do New Jersey Nets facilitou a coisa para os comandados de Phil Jackson, que, por sua vez, conquistou seu décimo título. É, a verdadeira final foi contra Sacramento...

Márcio Senne de Moraes é formado em administração de empresas, pós-graduado em ciência política pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, redator e analista do caderno Mundo da Folha de São Paulo e escreve para a Folha Online às quintas-feiras

E-mail: futebolecia@folha.com.br

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