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Futebol & Cia.

20/06/2002

Técnico não ganha jogo?

MÁRCIO SENNE DE MORAES
colunista da Folha Online

Esta Copa tem sido prolífica em derrubar tabus. A França, atual campeã do mundo, não marcou nenhum gol na primeira fase. Duas equipes asiáticas chegaram às oitavas, e uma, a Coréia do Sul, já está nas quartas. As duas seleções verdadeiramente ofensivas ainda em competição, o Senegal e a Coréia do Sul, eram, há três semanas, consideradas prováveis figurantes do Mundial.

Contudo o mais gritante dos tabus quebrados é aquele que diz que "técnico não ganha jogo". Na Ásia, alguns treinadores já demonstraram que, graças à sua intervenção, um confronto pode ser completamente alterado; outros provaram que, por conta de seus erros, um time pode (e deve, diriam os amantes do futebol-arte) ser derrotado.

Não faltam casos para ilustrar essa tese e, sobretudo, a de que o treinador pode ser responsável pelas derrotas de seus comandados. Na primeira fase, por exemplo, as duas maiores favoritas ao título antes da disputa, a França e a Argentina, caíram por causa da inépcia de seus técnicos.

É verdade que os arrogantes franceses também sucumbiram à falta de sorte, pois seus dois maiores craques, os meias Zinedine Zidane e Robert Pires estavam contundidos. O primeiro só atuou (no sacrifício) no último encontro da primeira fase, o segundo nem foi à Ásia.

Mesmo assim, o dedo do "estrategista" Roger Lemerre pesou (muito) na desclassificação da campeã do mundo. Na primeira partida, em vez de escalar Johan Micoud no lugar de Zidane, visto que ele seria seu substituto natural dentro do grupo, pôs o envelhecido e ainda fominha Youri Djorkaeff em campo. E, para completar o estrago, quando o tirou de campo, preteriu Micoud mais uma vez e optou pela entrada de Christophe Dugarry, que só continua a fazer parte dos "Bleus" porque cresceu no mesmo bairro que Zidane e é seu amigo íntimo.

No terceiro confronto da primeira fase, com a equipe francesa precisando desesperadamente da vitória e desfalcada de Thierry Henry, privilegiou mais uma vez o futebolzinho burocrático de Dugarry, desprezando a grande revelação do último Campeonato Francês, Djibril Cissé. Resultado: Dinamarca 2 a 0, e a França voltou para casa envergonhada.

Com a Argentina, não foi diferente. Marcelo Bielsa enterrou as esperanças dos platinos, pois decidiu armar um esquema tático "à européia". Assim, mesmo contra os pais desse tipo de futebol, os ingleses, os argentinos abusaram dos cruzamentos de longa distância e dos chutões, esquecendo-se do que mais caracteriza seu jogo, a habilidade com a bola nos pés e as tabelinhas curtas.

Além disso, El Loco Bielsa demonstrou uma teimosia quase incomparável neste Mundial: insistiu em não escalar Gabriel Batistuta ao lado de Hernán Crespo. Com isso, minou sobremaneira a força ofensiva de sua seleção, deixando-a dependente de algum lampejo individual ou de alguma falha dos adversários.

Ainda na primeira fase, a desclassificação de Portugal teve muito a ver com as opções táticas de Antônio Oliveira. Privilegiando o jogo aéreo na esperança de que o atacante Pauleta resolvesse sozinho, deixou Rui Costa sem função no time. O ótimo meia do Milan, que, é verdade, não estava em boas condições físicas, nem foi colocado em campo na partida mais importante para os portugueses (contra a Coréia do Sul).

Nas oitavas, dois outros treinadores se destacaram negativamente. Primeiro, o francês Philippe Troussier desvirtuou completamente o já limitado futebol japonês, caindo no mesmo erro que Bielsa ao tentar europeizá-la. Com isso, contando com atletas de estatura mediana (na melhor das hipóteses), o selecionado nipônico abusou dos cruzamentos do meio de campo e dos chutões em direção à área adversária, sem sucesso. A tática franco-japonesa rendeu aos turcos uma quase inesperada classificação às quartas.

Já o retranqueiro Giovanni Trapattoni fez a Itália atuar de modo 100% fiel a seu estilo. Isso ficou explícito na derrota para a Coréia do Sul no jogo mais emocionante deste Mundial, quando, ao final do encontro, os italianos tinham quatro volantes em campo e buscavam desesperadamente decidir a vaga nos pênaltis. Mais um castigo merecido.

Por outro lado, até agora, dois outros casos provaram que, com um pouco de sorte, técnicos podem (sim!) ganhar jogo. O primeiro é o francês Bruno Metsu, que permite que seus comandados senegaleses mantenham seu estilo "moleque" no ataque, mas que incutiu uma seriedade crucial na cabeça de seus defensores e meio-campistas, transformando os "leões do Teranga" na sensação da Copa. Os turcos, próximos rivais dos senegaleses, que se cuidem!

Outro que brilha é o holandês Guus Hiddink, que já tem status de semideus na Coréia do Sul por ter classificado a equipe asiática para as quartas, igualando a campanha da Coréia do Norte no Mundial de 1966. No confronto contra a Itália, nas oitavas, seus comandados perdiam por 1 a 0 desde os 18 minutos da primeira etapa.

Sem medo de tomar uma goleada (talvez porque conheça o "estilo Trapattoni"), retirou, no meio do segundo tempo, um volante e um defensor e colocou um atacante e um meia ofensivo em campo (sem que sua defesa ficasse fragilizada). O prêmio por sua ousadia Hiddink recebeu aos 43 minutos, quando o bom Seol Ki-hyeon assinalou o gol de empate. A cereja sobre o bolo só veio aos 12 minutos do segundo tempo da prorrogação, quando o ótimo Ahn Jung-hwan marcou o gol de ouro que eliminou os italianos (e custou seu emprego no Perugia).

Tudo isso nos conduz ao caso brasileiro. Por enquanto, Felipão não tem pago por seus erros nem por sua teimosia. Todavia, só na próxima madrugada (nas quartas-de-final!), faremos nosso primeiro jogo difícil. Não que não tenhamos transformado dois confrontos potencialmente fáceis em duras batalhas, porém não podemos dizer que a Turquia e a Bélgica sejam adversários à altura para o escrete canarinho.

Assim, pela primeira vez, Felipão terá a chance de mostrar se pretende colocar seu nome no rol dos treinadores que ajudam suas equipes a vencer ou se terá sua figura associada às de Trapattoni, Troussier, Oliveira, Bielsa e Lemerre. Ainda resta tempo. Contudo, para o tático de Passo Fundo, o relógio parece andar mais rápido do que para nós, pobres mortais. Se insistir em deixar Ricardinho no banco, fará uma séria opção pela segunda hipótese. Faltam pouco mais de 12 horas. Só nos resta esperar...

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Em alta
Os torcedores sul-coreanos, que têm dado um show em todos os jogos de sua seleção no Mundial. Cantam sem parar, apóiam seus ídolos mesmo quando eles erram e incendeiam o espírito dos jogadores nos momentos em que eles mais precisam. Depois dizem que jogar em casa não foi crucial para a França em 1998.
Em baixa
As arbitragens desta Copa. Salvo raras exceções, como o sueco Anders Frisk, o alemão Markus Merk e o colombiano Óscar Ruiz, além, é claro, do ótimo italiano Pierluigi Collina, os homens de preto (ou de amarelo ou de vermelho) têm sido péssimos, prejudicando o andamento dos jogos e até influenciando resultados.

No mundo
Nota triste relacionada ao craque sul-coreano Ahn Jung-hwan. Seu clube, o Perugia, baseando-se num nacionalismo exacerbado e anacrônico, decidiu dispensar seus serviços porque ele marcou o gol de ouro que eliminou a Itália do Mundial. Até parece que, antes de ser sul-coreano, ele é profissional de futebol. Pode?...
Nos EUA
Destaque para mais uma vitória do excepcional golfista Tiger Woods. Após o triunfo recente no Masters, ele levou o segundo "major" do ano, o US Open, aumentando assim suas chances de fazer o grand slam. Agora parte como favorito para disputar o British Open. É um monstro o jovem Tiger, o Michael Jordan do golfe.

Márcio Senne de Moraes é formado em administração de empresas, pós-graduado em ciência política pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, redator e analista do caderno Mundo da Folha de São Paulo e escreve para a Folha Online às quintas-feiras

E-mail: futebolecia@folha.com.br

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