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Futebol & Cia.

04/07/2002

Batendo na mesma tecla

MÁRCIO SENNE DE MORAES
Colunista da Folha Online

No futebol, como em vários outros universos mais ou menos passionais, os fins justificam os meios. Hoje, afora o mais romântico dos comentaristas, todo mundo dá um jeitinho de ressaltar o lado bom da "família Scolari". Normal, afinal, contra tudo e contra todos (exceto gremistas, palmeirenses e cruzeirenses), Felipão voltou da Ásia com o caneco.

Contudo os (raros) momentos brilhantes da campanha brasileira e o triunfo final não podem, ou não devem, apagar da memória dos torcedores as mazelas que levaram nosso vilipendiado futebol à beira do abismo há bem pouco tempo. Não, a arrancada de Ronaldinho contra a Inglaterra, quase deixando Ashley Cole de quatro no gramado e servindo Rivaldo no lance do empate brasileiro, não pode ser maquiavelicamente utilizada para "arquivar" o que foi descoberto em duas CPIs.

Não, o biquinho salvador de Ronaldo "Fenômeno" não deve abrir caminho para que Ricardo Teixeira se candidate à reeleição em 2003. Não esqueça, caro leitor, que o presidente da CBF, em meio a um milhão de escândalos que envolviam (e ainda envolvem) seu nome, prometeu deixar o cargo ao final de seu atual mandato...

Não, o venenoso chute de Rivaldo no lance do primeiro gol brasileiro contra a Alemanha, aquele que King Kahn não conseguiu segurar e soltou nos pés do "Fenômeno", não tem a capacidade de subtrair à memória do torcedor os escândalos envolvendo toda a sorte de dirigente dos clubes brasileiros (sempre há, é claro, exceções) nem o êxodo de jogadores, que, não sem direito, sucumbem a propostas milionárias do exterior.

Não, a genialidade de Ronaldinho (sim, foi a mais preciosa "confirmação" da Copa, dou o braço a torcer) ao, segundo disse, escutar conselho de Cafu (quem diria, acabou sua terceira final de Mundial levantando o caneco) e tocar por cima do goleiro Seaman, tirando do sufoco os apreensivos torcedores brasileiros, não apaga a falta de um calendário decente nem o suposto tráfico de menores para clubes estrangeiros, nem os Euricos ou os Edmundos, nem a carência de público, nem a dependência das emissoras de TV...

Não, os lampejos de criatividade de nossos craques, os tão decantados três "Rs", a aplicação tática e a "ousadia" de nossos surpreendentes volantes (Kleberson e Gilberto Silva) e a melhora de nossa limitada zaga no decorrer do torneio não seriam suficientes para fazer do futebol brasileiro algo de organizado e de mais ou menos honesto.

Cabe agora ao Ministério Público agir para elucidar as suspeitas, buscar punir os culpados e, sem dúvida, restaurar a paz aos que não devem nada e foram falsamente ou enganosamente envolvidos nos escândalos.

Ironicamente, em meu primeiro texto para a Folha Online, logo após a derrota para Camarões na última Olimpíada, exortei as autoridades a agir em nome do esporte e dos torcedores, já que a derrota abria caminho para isso. Hoje, após uma convincente (embora não encantadora) vitória nos gramados asiáticos, faço o mesmo.

Em dois anos, houve muito avanço. Esperemos que, até Atenas, em 2004, o mesmo aconteça. Esperemos que o espetáculo dantesco da volta da seleção a Brasília não seja presságio de impunidade. Senão, com o tempo, o talento individual de nossos atletas talvez não supra nossa falta de organização institucional...

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Em alta
O tenista brasileiro André Sá, que chegou às quartas-de-final do Torneio de Wimbledon, um dos quatro mais importantes do mundo. Com isso, o mineiro, que perdeu para o inglês Tim Henman, igualou o feito de Guga e Tomas Koch, que o fez em 1967, antes do início da era profissional. No feminino, por outro lado, tivemos (há tempo) uma tricampeã individual em Maria Esther Bueno, que ainda ganhou em duplas.
Em baixa
O calendário do futebol brasileiro (já critiquei o europeu durante o Mundial). Ele programou o início da Copa dos Campeões para ontem, três dias depois da final da Copa do Mundo. É verdade que os times estavam treinando, mas muitos deles ainda estão desfalcados ou totalmente fora de jogo. Mais duas semanas seriam necessárias para que pudessem preparar-se adequadamente, jogando amistosos e entrosando a equipe.

No mundo
Todo cuidado é pouco! Os alemães, satisfeitíssimos com o vice-campeonato, já estão se preparando para o Mundial de 2006. Sem dúvida, os teutônicos apresentaram um futebol limitado na Ásia, porém provaram, mais uma vez, que são capazes de chegar à final mesmo com poucos talentos. Além disso, em 2006 (na Alemanha!!), provavelmente poderão contar com o bom Sebastian Deisler, cortado por contusão desta Copa.
Nos EUA
Merece destaque, novamente, a convincente seleção americana de futebol. Sua performance na Ásia foi tão boa que vários de seus atletas podem transferir-se para a Europa. O meia-atacante Landon Donovan, por exemplo, despertou o interesse do Bayer Leverkusen, que já o teve como “estagiário” há alguns anos e é dono de seu passe. O centroavante Brian McBride pode ser negociado para a Inglaterra, assim como o atacante Clint Mathis.

Márcio Senne de Moraes é formado em administração de empresas, pós-graduado em ciência política pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, redator e analista do caderno Mundo da Folha de São Paulo e escreve para a Folha Online às quintas-feiras

E-mail: futebolecia@folha.com.br

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