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Futebol & Cia.

25/07/2002

Filme de terror?

MÁRCIO SENNE DE MORAES
Colunista da Folha Online

Já está tudo quase pronto, todos os ingredientes estão no caldeirão. É, parece cenário de filme de terror concebido especialmente para assustar os amantes do futebol. Agora só falta um clique, um estalo, para que a coisa passe de preta a catastrófica e que o esporte bretão deixe de ser o que demorou pouco mais de um século para construir.

No caso em questão, o tal do clique, que, geralmente, ocorre após uma série de fatos negativos, seria o todo-poderoso Manchester United, que protagonizou a única transação de valores estratosféricos do pós-Copa do Mundo (US$ 47 milhões pelo bom zagueiro Rio Ferdinand, ex-Leeds United), pedir concordata por não poder honrar suas dívidas.

Os mais otimistas diriam que se trata de algo pouquíssimo provável, falariam da "saúde financeira" dos britânicos, porém este colunista faz questão de lembrar que a equipe inglesa tem ações na Bolsa de Valores de Londres, o que, em tese, abriria caminho para que algo do gênero acontecesse.

Em seguida, livres do estigma, já que outro grande clube europeu teria aberto o caminho, o Real Madrid, o Barcelona, a Lazio, a Roma e tantos outros times cuja situação financeira já é ou pode ficar dramática dariam início a uma espiral de quebra financeira que transformaria a cara do futebol atual. As duas formações romanas, aliás, correm até o risco de não participar do próximo Campeonato Italiano por não saldar suas dívidas.

Na verdade, como gosta de lembrar meu pai no alto de sua sabedoria e de sua experiência, há algo de errado quando as transações passam a valer dezenas de milhões de dólares e os atletas passam a ganhar uma parcela considerável do PIB dos países menos abastados do planeta para jogar futebol. Não há clube que aguente financiar salários anuais de US$ 5 milhões ou mais para alguns de seus jogadores sem que o retorno financeiro esteja garantido.

A fonte, se ainda não secou, não está longe de fazê-lo. As redes de televisão de todo o mundo já negociam valores menos elevados para transmitir as partidas dos mais variados campeonatos. A RAI não se sente mais em condições de pagar uma fortuna pelos jogos do Italiano. A alemã Kirch e a britânica Sky já entraram em colapso financeiro e podem simplesmente fechar suas portas. O Canal Plus francês, que pertence à combalida Vivendi-Universal, pode ser a próxima vítima.

Mas por que as redes de TV não conseguem mais vender suas cotas de publicidade pelo valor desejado e necessário para continuar a bancar a ciranda milionária em que se transformou o futebol mundial? Há dezenas de explicações mais ou menos plausíveis, contudo nenhuma delas trata o cerne do problema. Este, indubitavelmente, é a diminuição do interesse dos torcedores, que, em última análise, financiam as extravagâncias dos anunciantes.

E por que os torcedores, antes fanáticos, perdem o interesse pelo esporte mais popular do globo? Ora, simplesmente, porque o jogo não é mais o que um dia já foi, porque as jogadas espetaculares são cada vez mais raras em campo e porque a entidade máxima do esporte, a Fifa, não faz nada nos bastidores para transformar o futebol em algo mais atraente para os jovens.

Sim, para os jovens, porque eles não tiveram a sorte que alguém de 33 anos de idade, como eu, teve. Afinal, aos cinco, já assistia às minhas primeiras partidas de futebol, nada menos que durante a Copa de 1974. Ou seja, as primeiras imagens desencontradas que vagam em minha memória dão conta de um genial Johann Cruyff, de um extraordinário Franz Beckenbauer, da patada atômica de Roberto Rivelino e assim por diante.

Depois, houve ainda craques e times antológicos. Aqui na terrinha, o Flamengo de Zico, o Palmeiras de Ademir da Guia, o São Paulo de Raí, a Democracia Corintiana etc. Hoje, não contesto, o futebol é outro, e "não há mais tantos espaços para criar jogadas fenomenais", como diriam os conformistas. É verdade, todavia esses lances ainda ocorrem, como provaram o gol do Senegal contra a Dinamarca (a mais bela jogada coletiva do último Mundial) ou a obra de arte de Ronaldinho Gaúcho e de Rivaldo contra os ingleses.

Ora, por que essas jogadas são tão raras? A resposta, mais uma vez, parece óbvia. Enquanto a preparação física e tática das equipes avançou demais nas últimas décadas, as regras do futebol permanecem quase inalteradas. Sim, foram introduzidos os cartões, os goleiros não podem mais pegar com as mãos uma bola atrasada etc. Porém isso é muito pouco, carecemos de verdadeiras mudanças.

Algo que pudesse tornar o esporte mais dinâmico e devolvesse aos craques a vantagem competitiva da qual gozavam no passado, quando a preparação física não era tão avançada. Que tipos de mudança? Não sei, talvez o fim do impedimento ou alguma coisa do gênero. Aceito sugestões e prometo enviar as melhores ao site da Fifa. Não é muito, mas, assim, estaremos ao menos fazendo nossa parte...

Clique aqui para ir ao site de Esporte.

Em alta
Novamente, a excelente equipe do São Caetano, uma das poucas que ainda dão alegria aos telespectadores de futebol graças à sua ousadia e à sua mentalidade ofensiva. Para os que dizem que quem joga bonito não ganha mais títulos, fica a pergunta: os comandados do competente Jair Picerni são a exceção que confirma a regra?
Em baixa
A fase atual do futebol brasileiro, que, por mais incrível que pareça, apesar de campeão mundial, continua apresentando campeonatos de baixíssimo nível. Se tudo der certo e se o calendário for mantido, graças aos deuses do futebol, a Copa dos Campeões tem neste ano sua última edição. Cabe aos mais crédulos esperar para ver.

No mundo
Destaque para a situação de Rivaldo, que, aparentemente, não joga mais no Barcelona. Também pudera! O craque brasileiro, um dos melhores jogadores da última Copa, ganha mais de US$ 6 milhões por ano na equipe catalã. Por esse preço, não será fácil encontrar um lugar para jogar. Ah, destaque também para o quinto título de Michael Schumacher na F1.
Nos EUA
Destaque para o pivô brasileiro Nenê, que fechou um contrato milionário com o Denver Nuggets e se transformou no primeiro brasileiro a entrar na NBA pela porta da frente. Até o Vasco da Gama sairá lucrando e levará US$ 750 mil para liberar o jogador. Falando em pivô, fica aqui a nota triste da semana, a morte de Ubiratan, um dos maiores reboteiros que tivemos.

Márcio Senne de Moraes é formado em administração de empresas, pós-graduado em ciência política pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, redator e analista do caderno Mundo da Folha de São Paulo e escreve para a Folha Online às quintas-feiras

E-mail: futebolecia@folha.com.br

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