Futebol & Cia.
15/08/2002
Colunista da Folha Online
"A proposta [do Cruzeiro] vai de encontro a aquilo que penso sobre futebol...", declarou Wanderley Luxemburgo ao anunciar sua saída do Palmeiras.
Primeiro, uma correção absolutamente necessária para o bem da língua portuguesa. Luxemburgo quis dizer que a proposta do Cruzeiro vai AO encontro DAQUILO que ele pensa. O que ele disse, segundo as palavras por ele utilizadas, significa exatamente o oposto. Ou seja, que ela é contrária ao que pensa o ex-treinador palmeirense sobre futebol.
Segundo, vamos ao conteúdo de sua decisão. Ninguém em sã consciência pode afirmar (com certeza) que a declaração do novo técnico cruzeirense não seja verdadeira. Afinal, Luxemburgo é um dos treinadores mais bem-sucedidos do país e, certamente, não precisa do "aumento de salário" proposto pelo Cruzeiro. Todavia os números publicados pela mídia quase o contradizem.
Luxemburgo ganhará o dobro do que recebia no Palmeiras. De cerca de R$ 75 mil, passará a ganhar R$ 150 mil. É dinheiro demais para qualquer técnico de futebol ou para qualquer outro profissional que trabalha num país como o Brasil, cujo salário mínimo é de R$ 200. Porém não se trata de uma surpresa, já que vivemos num Estado que está entre os cinco piores do planeta no que se refere à distribuição de renda.
Deixando de lado a precisão factual e partindo para uma elucubração puramente especulativa, a declaração de Luxemburgo parece pouco crível. Talvez, de fato, o novo treinador cruzeirense não tenha mudado de clube por conta da proposta salarial, mas provavelmente também não seja pela possibilidade de dirigir todo o departamento de futebol da equipe mineira.
Especulou-se, durante a semana, que sua intenção seja retornar ao comando da seleção brasileira, posto deixado vago pela saída de Luiz Felipe Scolari. Para tanto, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo, teria até chamado um sobrinho de Ricardo Teixeira para ser seu auxiliar no Cruzeiro. Eis, contudo, mais uma tese cuja comprovação é impossível para nós, simples mortais.
É fato, no entanto, que a decisão de Wanderley Luxemburgo chocou não apenas os palmeirenses mas também todos os entusiastas de um certo romantismo que se torna cada vez mais raro no futebol atual. Aos palestrinos, resta o consolo de que não é a primeira vez em que o ex-técnico da seleção toma esse tipo de atitude. Há alguns anos, trocou o Santos pelo Corinthians em condições similares.
Tudo isso para dizer que, mesmo que seja justificável, a decisão de Luxemburgo não é ética. Por mais incrível que pareça, isso pode ser um bom augúrio para os cruzeirenses. Afinal, ética foi a última coisa que passou pela cabeça dos dirigentes do clube mineiro nos últimos dias.
Antes de fechar com o ex-técnico do Palmeiras, a cúpula cruzeirense já tinha tentado "roubar" Émerson Leão do Santos e Jair Picerni do Guarani, ainda de acordo com relatos da imprensa paulista.
Surpresa? Não! Trata-se apenas de mais uma daquelas milhares de coisinhas que maculam o futebol brasileiro (e mundial), mas que são esquecidas por conta de "interesses maiores", como a paixão dos torcedores pelo esporte bretão...
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Ética e futebol
MÁRCIO SENNE DE MORAESColunista da Folha Online
"A proposta [do Cruzeiro] vai de encontro a aquilo que penso sobre futebol...", declarou Wanderley Luxemburgo ao anunciar sua saída do Palmeiras.
Primeiro, uma correção absolutamente necessária para o bem da língua portuguesa. Luxemburgo quis dizer que a proposta do Cruzeiro vai AO encontro DAQUILO que ele pensa. O que ele disse, segundo as palavras por ele utilizadas, significa exatamente o oposto. Ou seja, que ela é contrária ao que pensa o ex-treinador palmeirense sobre futebol.
Segundo, vamos ao conteúdo de sua decisão. Ninguém em sã consciência pode afirmar (com certeza) que a declaração do novo técnico cruzeirense não seja verdadeira. Afinal, Luxemburgo é um dos treinadores mais bem-sucedidos do país e, certamente, não precisa do "aumento de salário" proposto pelo Cruzeiro. Todavia os números publicados pela mídia quase o contradizem.
Luxemburgo ganhará o dobro do que recebia no Palmeiras. De cerca de R$ 75 mil, passará a ganhar R$ 150 mil. É dinheiro demais para qualquer técnico de futebol ou para qualquer outro profissional que trabalha num país como o Brasil, cujo salário mínimo é de R$ 200. Porém não se trata de uma surpresa, já que vivemos num Estado que está entre os cinco piores do planeta no que se refere à distribuição de renda.
Deixando de lado a precisão factual e partindo para uma elucubração puramente especulativa, a declaração de Luxemburgo parece pouco crível. Talvez, de fato, o novo treinador cruzeirense não tenha mudado de clube por conta da proposta salarial, mas provavelmente também não seja pela possibilidade de dirigir todo o departamento de futebol da equipe mineira.
Especulou-se, durante a semana, que sua intenção seja retornar ao comando da seleção brasileira, posto deixado vago pela saída de Luiz Felipe Scolari. Para tanto, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo, teria até chamado um sobrinho de Ricardo Teixeira para ser seu auxiliar no Cruzeiro. Eis, contudo, mais uma tese cuja comprovação é impossível para nós, simples mortais.
É fato, no entanto, que a decisão de Wanderley Luxemburgo chocou não apenas os palmeirenses mas também todos os entusiastas de um certo romantismo que se torna cada vez mais raro no futebol atual. Aos palestrinos, resta o consolo de que não é a primeira vez em que o ex-técnico da seleção toma esse tipo de atitude. Há alguns anos, trocou o Santos pelo Corinthians em condições similares.
Tudo isso para dizer que, mesmo que seja justificável, a decisão de Luxemburgo não é ética. Por mais incrível que pareça, isso pode ser um bom augúrio para os cruzeirenses. Afinal, ética foi a última coisa que passou pela cabeça dos dirigentes do clube mineiro nos últimos dias.
Antes de fechar com o ex-técnico do Palmeiras, a cúpula cruzeirense já tinha tentado "roubar" Émerson Leão do Santos e Jair Picerni do Guarani, ainda de acordo com relatos da imprensa paulista.
Surpresa? Não! Trata-se apenas de mais uma daquelas milhares de coisinhas que maculam o futebol brasileiro (e mundial), mas que são esquecidas por conta de "interesses maiores", como a paixão dos torcedores pelo esporte bretão...
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Márcio Senne de Moraes é formado em administração de empresas, pós-graduado em ciência política pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, redator e analista do caderno Mundo da Folha de São Paulo e escreve para a Folha Online às quintas-feiras E-mail: futebolecia@folha.com.br |
