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Futebol na Rede

19/09/2005

Vida de jogador: o esquecido

HUMBERTO PERON
Colaboração para Folha Online

Treino de uma grande equipe paulista. Trinta jogadores fazem o aquecimento. Depois de finalizações e cruzamentos, o treinador apita dando sinal de que teria início um coletivo. Com coletes na mão, ele vai armando seu time titular. Como sobram mais do que onze jogadores, o treinador escala os suplentes e pede que os outros sigam um auxiliar para atividades em um campo anexo. Os que sobraram vão caminhando, com as mãos para trás, a passos lentos.

Enquanto acontece o coletivo, os que sobraram arriscam alguns chutes nos goleiros reservas, fazem alguns exercícios, mas sempre estão de olho no gramado onde acontece o coletivo, na espera de serem lembrados pelo treinador. O tempo passa, e alguns, visivelmente desanimados, encostam no alambrado. Nesse momento aproveitei para ouvir um desses jogadores que ficam nesta incômoda situação (a pedido do jogador, não vou revelar seu nome e seu time).

"É, meu companheiro, a situação não está fácil. Acho que o professor (treinador) não gosta de mim. Desde que ele chegou ao clube ele foi me deixando de lado. Até quando falta jogador da minha posição ele manda chamar um menino do time B ou dos juvenis e não me escala. Quando há um treino técnico, a situação é muito pior. Eu e os outros que estamos aqui sobrando sofremos, pois o 'homem' não comenta nada do que fazemos. Se para alguns ele dedica toda a atenção, dá broncas e orienta, para mim não sobra nada. Tanto faz se faço um gol ou chuto uma bola longe, ele não fala nada. Vira as costas e apita chamando outro jogador.

Acho que ele me deixa de lado porque eu fui indicado pelo treinador anterior. Talvez seja ciúme. Todo treinador é vaidoso, e ele não vai querer que uma 'cria' de outro treinador resolva as coisas. O treinador sabe que 'vocês' (a imprensa) e a torcida lembram quem trouxe o jogador para o time.

É lógico que eu fico desmotivado. Todo jogador quer jogar. Fico frustrado quando meu nome não está na lista dos jogadores que vão se concentrar. Ficar sem jogar e só treinar é a pior coisa que pode acontecer para um atleta. Cara, tá difícil explicar para o meu filho como o meu time está jogando e eu não estou em campo. Às vezes, eu falo que estou machucado, mas.

Meu empresário aparece sempre com algumas propostas. Mas a maioria não me interessa. Aqui, pelo menos, eu recebo em dia e tenho um bom salário. Não posso cair na aventura de ir para times em que, além de me oferecer menos que o ganho aqui, todo mundo sabe o que o mês dura 60 ou 90 dias. Ir para o exterior? Não sei. Talvez pudesse jogar na Arábia, no Japão ou em um time pequeno da Europa. Mas, se você não é um Ronaldo, um Cafu, ou um jogador de seleção pode entrar numa 'gelada'. Além do que eu quero vencer num clube grande. Aí sim eu vou poder ir para um time melhor no exterior.

Como já te disse, mesmo desmotivado, eu continuo treinando forte fisicamente. Quem sabe o 'homem' não precisa de mim. O campeonato é longo, tem muitos problemas de cartões e contusões. Se ele precisar de mim, eu estou inteiro. Quantos jogadores não passaram pela situação que eu estou agora e voltaram com tudo? O fato dele, mesmo falando pouco comigo, fazer eu estar sempre com o resto do time me dá esperança. O pior seria ele ter me afastado e me fazer treinar em outros horários.


De repente um apito faz o treino parar. Um grito chama meu entrevistado.

"Quem sabe agora minha sorte não muda" diz o atleta, se apressando para ir para o campo principal.

O treino acaba cinco minutos após a sua entrada, sendo que ele pegou duas vezes na bola. Mesmo assim, sua fisionomia tinha mudado. Antes cabisbaixo, agora mostrava um enorme sorriso e não parava de conversar com seus companheiros.

Na saída, ele ainda passou por mim e disse: "Acho que agora vai."

Até a próxima.
O destaque   O que deveria ser destaque
Para o Internacional, que depois de ficar perto da liderança conseguiu chegar ao topo da tabela do Brasileiro no último fim-de-semana. Parece que nas últimas semanas, o time se acertou. Merece crédito a diretoria do clube, que manteve o técnico Muricy Ramalho, mesmo sofrendo muita pressão de uma parte da torcida e apesar da série de resultados negativos, principalmente em casa, que o time teve no final do primeiro turno. Está certo que para a manutenção dos estádios, clubes ou mantenedores dessas praças esportivas é preciso alugar o espaço para shows ou cultos religiosos. Mas os proprietários deveriam exigir que os promotores de eventos tivessem o máximo de cuidado com os gramados. O buraco, ou melhor cratera, que apareceu no gramado do Mineirão, na partida Atlético-MG e Santos, é um exemplo desse descaso com o campo de jogo após shows.

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve para a
Folha Online às terças-feiras.

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