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Futebol na Rede

29/01/2007

Vida de jogador: a camisa pesa

HUMBERTO PERON
Colaboração para a Folha Online

Quando viajo pelo interior de São Paulo, tenho mania de associar a cidade que passo com alguns jogadores que fizeram sucesso no futebol. Um exemplo: sempre que passo por Morungaba me lembro do meia Renato 'pé murcho', que jogou em clubes como Guarani, São Paulo e Atlético-MG, e foi convocado para disputar a Copa do Mundo de 1982.

Muitas vezes, nas paradas, vou até uma padaria ou um bar local e pergunto qual craque nasceu na cidade. Em raras ocasiões encontrei o ex-atleta, que geralmente continua tendo prestígio na cidade. Quando consigo falar com o ex-jogador local, faço questão de gravar alguns minutos de prosa.

Geralmente acontecem depoimentos excelentes, como esse de hoje, de um ex-atacante que fez sucesso no interior, marcando vários gols, mas que quando foi contratado por um grande clube de São Paulo acabou sendo um tremendo fracasso. (peço desculpas, de novo, em não revelar o nome do atleta, pois acho mais importante a história do que revelar a identidade do jogador).

"Comecei jogando aqui na cidade mesmo. No começo jogava nas ruas, em confrontos tipo 'rua de cima contra rua de baixo'. Depois passei a jogar em clubes amadores que jogavam com times aqui da cidade e, algumas vezes, atuava em municípios vizinhos.

Sempre tive um porte avantajado, era mais alto e forte do que os garotos de minha idade, e por isso sempre era escalado como centroavante. Não pensava em ser jogador profissional, jogava apenas para me divertir, e o máximo que eu pensava era continuar a tocar o pequeno comércio que meu pai tinha e que já havia sido do meu avô.

Continuei jogando na várzea até os 18 anos, quando fui convidado para fazer um teste em um time aqui da região que disputava o campeonato da primeira divisão. Mais do que a chance de jogar em um time onde eu poderia fazer carreira, estava a chance de fazer faculdade de administração na nova cidade (nota: o atleta só se formou após terminar sua carreira, aos 29 anos, e atualmente administra um supermercado, algumas padarias, uma loja de materiais de construção e uma pequena fazenda).

Mas ao chegar no clube fiquei entusiasmado em ser jogador profissional. Acompanhava o sucesso dos profissionais, que em pouco tempo já ganhavam um bom dinheiro. Minha carreira no time juvenil não foi nada espetacular. Jogava como titular em algumas oportunidades, mas nunca recebi o tratamento de grande esperança, mas mesmo assim consegui assinar meu primeiro contrato como profissional. Após um ano, ganhei passe livre, pois não era aproveitado.

Aos 22 anos, pensei em parar, mas surgiu a oportunidade de jogar em um time da antiga divisão de acesso (nota: equivalente à Série A2) e eu decidi continuar jogando. Fui muito bem, fui artilheiro do campeonato e conseguimos o acesso. No ano seguinte, quando passamos a jogar contra os 'grandes', também fui muito bem. Quase fui artilheiro do torneio e consegui marcar gols em todos os principais times.

Vieram propostas e finalmente estava em um time grande. Ganhei um bom dinheiro só com os 15%. Só para se ter uma idéia, com o montante eu comprei minha fazenda. O salário também era muito bom. Mas já na viagem para São Paulo percebi o desafio que teria pela frente. Depois de alguns minutos de viagem, o diretor do clube me disse: 'se você fez 17 gols por esse time pequeno que você jogava, agora tem a obrigação de anotar 40 e ser artilheiro disparado de qualquer campeonato.' Só por ele falar isso já senti que a coisa iria ser diferente.

Fui apresentado junto com mais dois atletas que vieram do interior de novo. Eu nunca tinha visto tanto jornalistas na minha frente. Fiquei paralisado. O pior foi quando eu comecei a passear pela cidade de São Paulo. Tudo lá é muito confuso, é muita gente, muitos carros e um grande barulho. Garanto que nunca sofri tanto quanto o período que fiquei em São Paulo. Nunca me senti tão solitário, mesmo com tantas pessoas por perto.

Pensei que tudo melhoraria quando eu treinasse e jogasse. Puro engano. No time só tinham 'cobras criadas', e eu não consegui me adaptar. Ficava intimidado com as broncas dos mais antigos. Estava acostumado com a amizade que tinha no meu time do interior. O treino acabava e cada um caminhava para seu lado.

Me sentindo mal, é lógico que não daria certo em um grande clube. A pressão de fazer gols a qualquer custo também me deixava louco. Para se ter idéia do meu desespero, no primeiro gol que eu marque pelo clube, apenas empurrei a bola que entraria no gol após uma grande jogada da estrela do time. Isso me queimou com o grupo. Pode parecer estranho, mas ele e mais alguns jogadores nunca mais me passaram uma bola em boas condições. Só chegavam passes que eram mais na direção dos zagueiros do que para mim. Aí não teve jeito. Em pouco tempo fui para a reserva e depois nem era mais relacionado.

Fiquei quase quatro meses encostado. Treinando pouco e nem jogando. No final do ano fui negociado por quase 2% do valor que fui contratado. Joguei em mais alguns clubes do interior, mas o fracasso no time grande marcou minha carreira para sempre.

Querem saber se eu tremi? É lógico que sim. Para jogar e ter sucesso em um time de camisa é preciso ser especial. Talvez eu não nunca deveria ter jogado lá. Mas por sorte joguei em um clube grande, e mesmo ficando pouco tempo lá, tudo que tenho e o respeito que as pessoas têm por mim só existem graças à minha passagem por lá."


Até a próxima.
O destaque   O que deveria ser destaque
Para o título do Brasil no Campeonato Sul-Americano sub-20. O time, mesmo sem ser brilhante tecnicamente, se superou, principalmente após o tumultuado jogo contra o Chile, e venceu o torneio de maneira invicta, além de conquistar a vaga para os Jogos de Pequim-08. Como destaques individuais indico o goleiro Cássio, o volante Lucas e o atacante Alexandre Pato. Para o Santos, que conseguiu vencer os cinco primeiros jogos no Campeonato Paulista. Mesmo tendo que, a partir dessa semana, disputar os jogos da Taça Libertadores, o time de Vanderlei Luxemburgo já conseguiu ter uma boa reserva de pontos e agora pode optar por poupar alguns jogadores nas partidas do Campeonato Paulista.

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve para a
Folha Online às terças-feiras.

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