Colunas

Futebol na Rede

18/03/2008

Vida de jogador: a hora de desistir

HUMBERTO PERON
Colaboração para a Folha Online

Diariamente milhares de meninos tentam iniciar a carreira de jogador de futebol. São inúmeras tentativas nas chamadas peneiras na esperança de conquistar um lugar num time. Talvez, muitos não percebam, mas são inúmeros jovens e famílias que fazem de tudo para ter uma chance.

E, quando eu falo tudo, inclui o esforço financeiro da família e o sacrifício dos adolescentes que param de estudar para ficar viajando pelo país em troca de uma oportunidade. Aliás, o caso da semana passada que mostrou adolescentes enganados por "descobridores de talento" em Belo Horizonte ilustra bem o caso.

Mas, mesmo passando pelo pequeno funil dos testes e conseguindo chegar a ter uma oportunidade num clube estruturado, não é garantia que a vida profissional estará garantida. Aliás, arrisco a dizer que se eles não estourarem, a vida desses jovens está perdida. Pois, ou vão ter que jogar em clubes que pagam --quando pagam-- salários muito baixos, ou vão ter que começar suas vidas sem ter nenhum conhecimento de outra profissão.

É uma situação difícil: aos 20 anos você descobrir que se tornou um inútil e que não vai conseguir mudar a sua vida e a de sua família. Recebo muitos e-mails de jovens e de jogadores com a carreira profissional no início que me pedem indicação de pessoas em clubes que eu posso indicar para que eles tenham mais uma chance na carreira. Nesses casos não posso fazer nada, pois na minha função não posso ter um relacionamento tão íntimo com dirigentes e empresários para indicar algum jogador.

Uma vez, quando eu esperava o transporte que me levaria de um centro de treinamento de volta para a redação, o trânsito caótico de um final de tarde com chuva intensa em São Paulo era um sinal de que o carro demoraria a chegar. Numa época em que os celulares eram artigos de luxo, a comunicação com o motorista preso no engarrafamento era impossível. Só me restava esperar. Ao meu lado havia um jovem que, sentado, olhava para o nada.

Como não o conhecia e o time passava por uma fase de reformulação, arrisquei uma pergunta: "Você é jogador?"

"Era", veio uma resposta lacônica.

"Era? Como assim? Você não me parece alguém que não possa mais jogar futebol", argumentei.

"Pois é. Eu decidi parar. Vim acertar minha situação, rescindir o meu contrato e ver se eu tinha alguma coisa para receber", ele disse enquanto olhava para o horizonte.

Vendo minha cara de espanto, ele continuou a falar.

"Pois é. Só agora aos 23 anos eu percebi que não dava para ser jogador profissional. Eu poderia até enganar em vários times pequenos, jogar em times das divisões inferiores, mas a minha carreira não chegaria a nenhum lugar. Você começa a sonhar em ser um craque, ser milionário e ter um carrão, jogar na seleção. Mas em pouco tempo você percebe que não vai acontecer nada disso. Você começa a sentir que há algo de errado quando fica direto na reserva dos juniores. Você treina, espera a troca do técnico para ter uma nova oportunidade, o treinador é trocado e a chance não aparece.

Aí você estoura a idade e começa o inferno. Sem chances de subir para os profissionais, o clube começa a te emprestar. Lá vai você para lugares e times que nunca ouviu falar. Começa a vida de cigano. Você vive em alojamentos, come mal e não recebe. Eu ficava três meses num clube, eles não pagavam e eu voltava para cá. Lógico que eu nem treinava aqui e, logo depois, eles me emprestavam, de graça, para outro time. Mais sofrimento, mais alojamentos, mais falta de material, mais falta de estrutura e mais salários atrasados.

De vez em quando aparece um malandro oferecendo um time para jogar. Um me ofereceu um contrato no exterior. Só que ele queria ficar com metade do que eu iria ganhar. Outra coisa, eu tinha que pagar essa quantia adiantada e iria para um país que eu não conheço sozinho. Não dá para encarar isso. Já vi muitos amigos meus que foram enganados e passaram fome lá fora.

Não dava mais para eu me enganar. Com a minha idade eu não vou estourar mais. Tem um monte de cara que começou comigo fazendo sucesso e veja minha situação, eu estou aqui sentado sem saber o que fazer da minha vida. Vou voltar para a casa da minha família.

Vou ter que seguir a carreira do meu pai, ou seja, ser pedreiro. Infelizmente, vou passar a vida vivendo de bicos, não me resta mais que isso. Do futebol vai ficar só o que eu tenho nessa mochila. Uma camisa, dois pares de chuteira e algumas fotos. Não consegui sobreviver no meio do futebol'.

O meu carro chegou e eu fui embora. Nem descobri o nome do rapaz, mas até hoje me lembro de suas palavras e de sua coragem de romper o caminho de realizar um sonho que ele sabia que nunca poderia alcançar.

Até a próxima.

O São Paulo dominou o futebol brasileiro nos últimos anos. Por isso, seria bom que a diretoria e seus jogadores aceitassem uma simples derrota na fase de classificação do Campeonato Paulista. As reclamações do diretor Marco Aurélio Cunha após a partida, contra o Palmeiras, foram ridículas. Também não se pode aceitar que os jogadores do São Paulo percam a cabeça quando o time está derrotado. Na goleada, os são-paulinos apelaram no final da partida dando várias entradas desleais nos adversários. O mesmo já havia acontecido quando o time perdeu para a Portuguesa.

Uma pena o que foi feito do Estadual do Rio. Nós últimos anos não faltaram surpresas no gramado e o público lotava o Maracanã em todos os clássicos. Em 2008, com os times grandes jogando somente em casa, o torneio perdeu a graça. Ninguém tem dúvida dos times que estarão nas semifinais, já que os grandes, mesmo com os times reservas, não perdem para os clubes pequenos. Com os classificados já definidos, os clássicos dos turnos viraram simples amistosos como aconteceu com Flamengo e Fluminense, na Taça Guanabara, e Botafogo e Flamengo, no último domingo.

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve para a
Folha Online às terças-feiras.

FolhaShop

Digite produto
ou marca