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Futebol na Rede

29/04/2008

Vida de jogador: o aposentado

HUMBERTO PERON
Colaboração para a Folha Online

É muito comum sabermos de histórias de ex-jogadores que vivem sérios problemas financeiros e emocionais após abandonarem suas carreiras. Se vários jovens atletas não estão preparados para suportarem a pressão de, em questão de minutos, se transformarem de um simples desconhecido em herói, muitos ex-jogadores não se conformam de não estarem sempre em evidência.

O problema é que os jogadores são obrigados a terminar suas carreiras antes dos 40 anos e, muitas vezes, não estão preparados para fazer outra coisa na vida. São poucos que conseguem continuar no futebol, ou como técnicos ou comentaristas. O que é pior: uma pequena parcela consegue ter sucesso em outra atividade.

A auto-estima acaba quando os pedidos de autógrafos vão diminuindo e os fãs começam a não reconhecer o antigo ídolo. Também acontece quando o ex-atleta começa a perceber que vai ter que diminuir seu padrão de vida, já que não encontra possibilidade de voltar a ganhar dinheiro, e que vai depender do que conseguiu juntar durante a carreira.

Ex-jogadores adoram contar histórias sobre suas carreiras e seus feitos, mas, por sorte, uma vez, isso já faz um bom tempo, consegui que um ex-ídolo me falasse das dificuldades que enfrentou depois que pendurou as chuteiras. Já bem gordo, nem de longe lembrava o jogador que encantava nos gramados, que tinha um excelente preparo físico e a elegância que exibia nos gramados.

"A fera [Pelé] que fez certo. Ele parou de jogar no auge. O cara era tão gênio que fez isso duas vezes, tanto no Santos quanto no Cosmos. Eu já comecei errando nisso. Não parei quando deveria. Prolonguei muito minha carreira. Fui jogando em times cada vez menores e assinando contratos cada vez piores. Com o nome que eu tinha não poderia me sujeitar a jogar em times sem as mínimas condições.

Só entrei em barca furada. Os dirigentes usavam meu nome para dizer que estavam fazendo um time forte e para contratarem outros jogadores. Só entrava pelo cano nessas situações. Os outros atletas não recebiam e me culpavam pela situação. Eles me acusavam de receber e, por isso, não se importar com a situação deles. Os dirigentes falavam que eu era mimado, queria mundos e fundos e não me esforçava em campo. Além, é lógico, de me chamarem de velho a todo instante. O que aconteceu foi o seguinte: eu não parei de jogar, fui parado. Não tive jogo de despedida, não tive festa.

O pior nesses cinco anos rodando o interior é que eu não só perdi prestígio ou tempo, deixei a vitrine. Quando eu voltei para São Paulo, já tinha perdido todos os meus contatos. Tentei voltar em um ex-clube, mas tudo tinha mudado. Nem os porteiros eram os mesmos, agora era tudo terceirizado. Tive que esperar umas duas horas na entrada. Vi jogadores entrando e saindo nos seus carrões. Conferi vários pedidos de autógrafos, senti saudades. Entrei no final do treino. Nem os caras da imprensa eram os mesmos. Mais uma espera interminável e apareceu um cara que nunca jogou nada e que se dizia supervisor, diretor, sei lá. Para um grosso, ele se deu bem.

Ele me levou para uma sala, me ofereceu café e falou, falou e falou. Perguntou como eu estava e o que queria. Eu disse que queria uma chance de começar uma carreira e ele me disse que estava difícil, mas entraria em contato quando aparecesse algo. Acho que a coisa nunca melhorou, pois já faz uns dez anos desse encontro e ele nunca me ligou... Fui em outros clubes e nada. Comentarista eu não tinha jeito. Com tanto reações negativas, me afastei do mundo do futebol. Falo muito pouco com meus ex-companheiros. Não vou a encontro de veteranos e não jogo com eles. O máximo é chutar bola com os meus netos.

Com 41 anos me senti um inútil. Com mais de 20 anos de futebol, eu não sabia fazer nada. Te juro. Eu não sabia ir ao banco, ao médico. Até porque quando eu jogava sempre tinha alguém do clube que resolvia as coisas. Quando você esta no auge, os caras te tratam bem. Quando eu jogava, nunca paguei uma conta em restaurante. Para você ter uma idéia, só descobri que não tinha mais plano de saúde quando eu precisei levar meu filho no hospital uns seis meses depois que eu tinha parado de jogar.

Em pouco tempo perdi quase tudo que eu tinha juntado. Só me meti em fria. Entrei como sócio em restaurante. Faliu. Descobri que o meu sócio desviava os produtos para uma lanchonete que ele tinha no nome da mulher. Entrei em outra, quando passei para o negócio de carros usados. Cara, eram vários problemas e prejuízos enormes.

Entrei em desespero. Por isso comecei a comer e beber muito. Não tinha mais como ganhar dinheiro e só gastava. Fiz a besteira de continuar gastando como fazia na época de jogador. Os meus filhos continuaram estudando em escolas particulares e não negava um agrado para minha esposa. Só saía dinheiro, e muito. E tinha pesadelos, sonhava que iria perder tudo e morar na rua. Pensava que iria ser abandonado pela minha família como fui abandonado pelo futebol.

Por sorte, minha filha conheceu o meu genro, que na época estudava administração de empresas. Ele sempre foi ajuizado, me perguntou algumas coisas e percebeu que eu estava indo à falência. Ele chamou minha esposa, meus filhos e explicou a situação. Arrumou a minha vida; hoje tenho uma vida tranqüila. Cheguei a ter nove apartamentos, cinco galpões e uns quatro carrões de luxo ao mesmo tempo. Hoje só tenho três apartamentos e um galpão. Vivo do aluguel desses imóveis e de algumas aplicações. Carro? Um popular.

Fico feliz que vou ter uma vida razoável até o final de minha existência, mas, muitas vezes, me arrependo por não ter percebido que a vida de jogador não é eterna. Se descobrisse isso aos 20 anos, teria uma vida bem melhor agora e não teria feito tantas besteiras."

Para não dizer que não falei dos Estaduais
Em São Paulo, o Palmeiras ficou muito perto do título ao bater a Ponte Preta. O time de Vanderlei Luxemburgo teve o domínio do jogo, contra um adversário muito desfalcado. No segundo tempo, o time da capital só administrou o resultado e foi pouco ameaçado pelos campineiros.

No Rio de Janeiro, o Flamengo também aproveitou a vantagem de enfrentar o Botafogo desfalcado e saiu na frente na decisão. Em Minas Gerais, o Cruzeiro garantiu o título com uma goleada sobre o Atlético-MG. Já no Paraná, o Coritiba abriu uma boa vantagem sobre o Atlético-PR. No Rio Grande do Sul e Santa Catarina, as vitórias de Juventude e Figueirense, respectivamente, pela contagem mínima, não decidiram nada, pois os dois jogam na casa dos adversários, Internacional e Criciúma.

Continua faltando planejamento no nosso futebol. É uma pena que alguns clubes tenham que jogar partidas decisivas em dois torneios ao mesmo tempo. Finalistas dos torneios estaduais são obrigados a jogar partidas decisivas na Copa do Brasil ou na Taça Libertadores. É muito difícil manter um elenco focado em duas competições, ao mesmo tempo, principalmente quando ele está participando de uma decisão. Infelizmente, para que não falte futebol nas noites de quarta na TV são sacrificados os times mais eficientes. Sem dizer que uma competição acaba ofuscando a outra.

Foi péssima a atitude do Palmeiras de vender a carga de ingressos que cabia ao clube para o primeiro jogo da decisão contra a Ponte Preta apenas para as torcidas organizadas. Tudo bem que eram apenas 2.600 ingressos, mas o clube não tinha o direito de escolher para quem seria destinada a carga. Que se criasse um meio para que todos os palmeirenses pudessem ter a mesma chance de comprar um ingresso. Que esse favor da diretoria não seja cobrado mais tarde, ou, o que é pior, se a preferência já foi o pagamento de algum apoio das organizadas. O Palmeiras é muito grande para ser refém de suas torcidas organizadas.

Até a próxima.

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve para a
Folha Online às terças-feiras.

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