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Futebol na Rede

06/05/2008

Os corneteiros

HUMBERTO PERON
Colaboração para a Folha Online

Quem conhece o Parque Antarctica já sabe que o melhor lugar para saber de todas as coisas que acontecem nos bastidores do clube são as escadarias que levam às tribunas de imprensa e aos camarotes do estádio.

Durante essa caminhada de três andares, principalmente nos finais das partidas, é possível saber o que vai acontecer no clube.

No trajeto já descobri quais técnicos seriam derrubados e quais seriam os novos a ser contratados, qual jogador o clube estava contratando, e até quais seriam os votos dos conselheiros na última eleição presidencial. É lógico que, durante o caminho, em meio aos gritos de torcedores mais exaltados (tanto na vitória, quanto na derrota), sempre é possível pescar os comentários dos famosos corneteiros.

(Atenção: apesar do barulho das cornetas, o nome vem de um grupo de torcedores do Palmeiras que gostava de reclamar e se reuniam em frente a uma fábrica chamada "Corneta", daí o nome corneteiros).

Voltando às escadas, relato um papo que eu ouvi entre dois corneteiros após a conquista do título paulista que acabou com o longo jejum de títulos de 12 anos. O papo foi longo, já que o tempo levado para descer as escadas, após a vitória contra a Ponte Preta, era comprido.

"Finalmente ganhamos um título", falava um senhor careca muito entusiasmado.

"É, mas foi apenas um Campeonato Paulista", retrucou o outro --a quem vou chamar de corneteiro-- sem mudar o tom de voz.

"Mas eram doze anos de fila", esbravejou o careca.

"Eu sei, mas você sabe que hoje o Paulista vale pouco. Vou comemorar, mas se fosse uma Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro ou uma Libertadores eu estaria mais feliz. Além disso, foi em cima da Ponte Preta", falou o corneteiro.

"Espera aí. É lógico que o Campeonato Paulista vale. O Paulista só não vale para quem não ganha. Você não viu a festa hoje. Estádio lotado! A mídia toda falando do Palmeiras. O fato de ser contra a Ponte Preta não diminuiu o nosso título. Sempre é bom lembrar que a gente já tropeçou nesses times pequenos", disse o careca na tentativa de animar seu companheiro.

"Nesse ponto você está certo", complementou o outro.

"Você tem mais idade que eu. Você sabe que depois que o Palmeiras sai da fila, nós começamos a ganhar um título após do outro", disse o careca colocando um pequeno chapéu para se proteger do frio.

"Mas também sei que quando a gente ganha um título no Palestra a gente inicia um jejum de títulos. Em 1976, batemos aqui e ficamos 17 anos sem ganhar um título. Em 1996, batemos o Santos, comemoramos o título aqui e ficamos todo esse tempão sem ganhar uma taça do Campeonato Paulista. Ganhamos uma Mercosul aqui e depois teve aquelas derrotas para o Vasco e Flamengo aqui. Depois do título da Libertadores aqui, perdemos uma semifinal para o Boca aqui também", disse o corneteiro.

Silêncio entre os dois durante alguns degraus, mas depois o careca voltou a se manifestar.

"E o Luxemburgo igualou o recorde do Lula, com oito títulos paulistas."

"Mas com esse time aí até eu", comentou o corneteiro.

"Não é bem assim. Ele montou um time em apenas três meses, eliminou o São Paulo nas semifinais e venceu a final contra a Ponte Preta sem sustos. Você acha que se o Caio Jr. estivesse ainda aqui a gente ganharia o título? A gente não pode esquecer que o Luxemburgo ganhou nossos quatro títulos após 1976", disse o careca agitando as mãos.

"É lógico que não. Mas eu também não gosto desse negócio de Traffic. Quem tem que administrar sozinho o clube é a gente que tem história no clube", disse o corneteiro.

"Não me fale. Se não fossem as parcerias a gente não ganharia um título como esse desde 1976. Você precisa se modernizar. Não dá para comprar jogador como era antes. Não dá mais para ir a um bar com um diretor de um clube e contratar um jogador. Hoje tem empresário, procurador. É lógico que os parceiros só nos procuram porque o Palmeiras é um time com tradição. Ninguém iria injetar milhões no... [em respeito ao clube citado emito o nome do time]", disse o careca.

Mais dois ou três degraus se passaram, e o careca voltou ao papo.

"E o Valdívia? Temos um craque finalmente", afirmou.

"Não sei não. Ele só vai bem em jogos fáceis. Você viu hoje que ele só fez alguma coisa quando o jogo estava decidido, e o time deles entregue. Bom mesmo é o Marcos. Esse sim não nega fogo quando precisa e ama o nosso Palestra", disse o corneteiro.

"Estranho. Mas não foi você que vivia dizendo que o Marcos já estava velho e que não iria se recuperar nunca. Nem vou te lembrar o que você disse dele após a derrota para o Manchester United. Além da derrota, tive que agüentar você no vôo de volta do Japão falando mal do Marcos. Já o Valdívia é craque mesmo. Você se lembra do jogo contra o Corinthians? Ele foi lá e decidiu. Nas nossas vitórias contra o São Paulo ele decidiu", disse o careca, já um pouco irritado.

"Por que você está ficando nervoso? Nós acabamos de ganhar o Paulista. Parece que você estava torcendo contra", disse o corneteiro ao careca, que fez uma cara de espanto e deu um sorriso.

"É campeão!", gritou o careca já saindo no estádio.

"Vamos comer uma pizza. Como diria o Perruzi, 'aqui no Palmeiras tudo termina em pizza'", afirmou o corneteiro dando um longo abraço no careca.

(Para quem não sabe, Milton Peruzzi foi um célebre jornalista palmeirense, talvez o jornalista que mais teve influência na vida política do clube e que foi criador da frase "tudo termina em pizza", criada por ele após uma crise política do clube ser resolvida em uma pizzaria).

Para não dizer que não falei do Campeonato Brasileiro
Começa no próximo final de semana o Campeonato Brasileiro. Para não deixar passar em branco o início do torneio mais importante do país, segue os meus prognósticos para o torneio.

Times que vão realmente brigar pelo título
Cruzeiro, Fluminense, Internacional, Palmeiras e São Paulo

Com alguma chance de terminar com a taça, mas devem, no máximo, lutar por uma vaga na Libertadores
Botafogo e Flamengo

Não vão correr riscos, mas também não vão ter chances de conquistar o título ou vaga na Libertadores
Atlético-MG, Grêmio e Santos

Sonham com a Sul-americana, mas podem namorar com o rebaixamento
Atlético-PR, Figueirense, Portuguesa, Sport e Vasco

Escapar da Série B já será lucro
Coritiba, Ipatinga, Goiás, Náutico e Vitória

Os campeonatos estaduais ainda empolgam. Pergunte aos torcedores dos clubes que conquistaram o título se eles não ficaram felizes com a conquistas, sem dizer a boa presença de público nas finais. Por outro lado, eles mostraram que não existe capacidade para se organizar uma grande partida no Brasil. Filas enormes para comprar ingressos antes das partidas e problemas de violência, que parecem não ter fim. No Rio de Janeiro, vários torcedores saíram feridos. Já em São Paulo tivemos confrontos entre torcedores e a policia dentro e fora do estádio.

Se Marcos merece ser citado como um dos destaques do Campeonato Paulista por suas defesas e recuperação física, não se pode esquecer de um goleiro que por muito tempo foi seu companheiro no Palmeiras. Depois de uma passagem ruim pelo Bahia, Sérgio, com suas atuações e experiência, ajudou o Itumbiara a conquistar o Campeonato Goiano derrubando o favorito Goiás. Na semana que o Palmeiras quebrou um longo jejum de títulos, vale a pena lembrar que em 1993, quando o time acabou com outro grande período sem títulos, o goleiro foi Sérgio.

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve para a
Folha Online às terças-feiras.

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