Colunas

Futebol na Rede

23/09/2008

Um país dividido pela bola

HUMBERTO PERON
Colaboração para a Folha Online

O Brasil é um país dividido. Principalmente quando o assunto é futebol. E os ânimos ficam exaltados quando, numa situação como agora, os campeonatos chegam nos momentos decisivos. São acusações de favorecimento para times de alguns Estados e trocas de farpas via imprensa. Isso leva algumas regiões a ficaram em "estado de guerra".

O mais famoso racha futebolístico do país é a eterna briga entre paulistas e cariocas. Como o assunto é futebol, vamos deixar de lado a disputa que as duas cidades sempre travaram para se tornarem a mais influente do país. No futebol, desde o início do século passado a briga é ferrenha. Por exemplo, a briga entre os dirigentes dos dois estados fez com que a seleção brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1930 não tivesse os principais jogadores paulistas na delegação que foi ao Uruguai.

Temos inúmeros casos dessa briga entre Rio-São Paulo, mas basicamente ela sempre foi marcada pelos mesmos argumentos. Os paulistas sempre acusaram os cariocas de serem favorecidos porque eles teriam influência política na CBF --antes era CBD. A ascendência dos cariocas na confederação traria aos times do Rio benefícios de arbitragem, nos tribunais e viradas de mesas, sempre favorecendo um clube do Rio de Janeiro e, com certeza, prejudicando um time paulista.

Os cariocas sempre acusaram os paulistas de tentarem assumir o comando do futebol brasileiro na força. Também é freqüente a queixa de que os paulistas tendem a tratar com um desprezo enorme clubes e jogadores cariocas --mesmo que depois os times de São Paulo contratem esses mesmos atletas. Também para os cariocas, os paulistas sempre tentaram vender o futebol do Rio de Janeiro como um poço de desorganização.

O engraçado é que essa polarização entre paulistas e cariocas fez com que todos os torcedores dos demais estados desenvolvessem uma grande antipatia contra esses dois centros. É possível que esses torcedores fora do eixo Rio-São Paulo tenham razão. Com o bairrismo entre paulistas e cariocas, o futebol de outros estados sempre ficou de lado e, algumas vezes, tem pouco destaque, principalmente no noticiário.

Nessa proteção para manter a hegemonia do nosso futebol, paulistas e cariocas atacam para todos os lados. Contra os gaúchos não faltam, por exemplo, ataques. Sempre que um time do Rio Grande do Sul se destaca já começam algumas insinuações que se tornaram chavões. É só um time gaúcho começar a ter destaque e já aparecem os comentários de que o clube abusa da violência, só faz falta. Sem dizer no já famoso ambiente hostil que os gaúchos preparam antes de cada partida --os clubes reservam dois ou três hotéis para fugir da torcida gaúcha. Paulistas e cariocas não se cansam de dizer que jogar no Rio Grande do Sul é uma guerra.

O engraçado é que com o tempo muitos gaúchos se tornam unanimidades no nosso futebol. Poderia citar, por exemplo, Falcão. Os casos mais recentes são Luiz Felipe Scolari e Mano Menezes, que, queiram ou não, só obtiveram reconhecimento nacional quando vieram trabalhar em São Paulo --ou em um time de importância, como nós paulistas temos o hábito de dizer.

Como toda ação tem uma reação, os gaúchos também lançam suas armas. Irados, gaúchos adoram dizer que as críticas ao técnico Dunga, por exemplo, se devem muito mais ao fato de o comandante da seleção ter nascido no Rio Grande do Sul do que pelas terríveis atuações da seleção, como o último jogo contra a Bolívia. No momento, os gremistas acusam os árbitros de estarem prejudicando o Grêmio para favorecer o Palmeiras, um paulista, na luta pelo título do Campeonato Brasileiro.

Já com os mineiros acho que existe um certo desprezo. Não é raro se dizer que os mineiros amarelam no momento de decisão. É só um time de Minas Gerais ir bem num torneio que já começam a pipocar matérias com as derrotas dos grandes do Estado no Mineirão. Sem dizer que o eixo Rio-São Paulo deixa de lado os grandes times mineiros da história. Tivesse um grande clube paulista ou carioca ganho três títulos no mesmo ano, como o Cruzeiro em 2003, já tinha se tornado um time histórico do nosso futebol. A mesma coisa já pode se dizer de jogadores como Dirceu Lopes, Zé Carlos, Joãozinho, Reinaldo, Paulo Isidoro e Luizinho, que não chegam a ter o merecido destaque, ou que muitas vezes foram responsabilizados por derrotas do nosso futebol.

Com a região Nordeste o preconceito também é grande. Não faltam gozações a times e jogadores. É comum dar o apelido de Waldick Soriano a algumas equipes e atletas, já que eles só fazem sucesso no Nordeste. Também não faltam insinuações de que os times do Nordeste correm muito devido ao uso de doping, e não faltam as velhas desculpas dos gramados ruins e do calor da região.

Não precisa ir muito longe para ver onde o bairrismo entre nordestinos e times do eixo Rio-São Paulo é forte. A última final da Copa do Brasil, entre Sport e Corinthians, se transformou em uma guerra. Não faltaram acusações dos dois lados, com direitos a declarações inflamadas e absurdas dos dois lados.

Rivalidade no futebol é saudável, mas criar divisões no país por causa do futebol não se justifica.

Até a próxima

Diferentemente da maioria, não acho que a briga pelo título do Campeonato Brasileiro esteja restrita apenas à dupla Grêmio e Palmeiras. Com doze rodadas para o final do torneio, não se pode descartar Cruzeiro, Flamengo e São Paulo. Os mineiros enfrentam o Grêmio em casa, e os cariocas ainda vão fazer nada menos do que oito partidas em casa. Já o São Paulo ainda não engrenou, mas mesmo assim sempre continua próximo dos líderes.

Para a discussão se o João Havelange, o Engenhão, pode ou não receber clássicos. Se o estádio mais moderno do país não pode receber jogos de grande importância, alguma coisa está errada. Se a gente pensar que estamos preparando os nossos campos para uma Copa do Mundo, uma pergunta já aparece: será que depois do Mundial os estádios não poderão ser usados em jogos com duas torcidas rivais?

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve para a
Folha Online às terças-feiras.

FolhaShop

Digite produto
ou marca