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Futebol na Rede

13/10/2009

Mudança vai gerar retrocesso

HUMBERTO PERON
Colaboração para a Folha Online

Se aprovada a mudança de regulamento do Campeonato Brasileiro de pontos corridos para a volta do sistema com "mata-mata", o nosso futebol estará dando um gigantesco passo para trás. Não tenho dúvida de que a mudança no Nacional vai terminar com qualquer esperança de que os nossos clubes possam finalmente ter um mínimo de organização, ser viáveis economicamente e se planejar durante uma temporada.

Só interessa a mudança para clubes que sempre mascararam seus resultados por campeonatos com regulamentos absurdos que nem sempre premiaram as melhores equipes. Acho que já escrevi isso aqui neste espaço, por isso vale a pena lembrar. No Campeonato Brasileiro já tivemos distorções absurdas.

- Em sete oportunidades, nas edições de 1974, 1977, 1981, 1983, 1985, 1986 e 1992, o vice-campeão brasileiro acabou fazendo mais pontos que o clube que ficou com a taça. O pior aconteceu com o Atlético-MG, em 1978, e com o Internacional, nove anos depois, que mesmo fazendo mais pontos do que o campeão terminaram apenas na terceira colocação.

- Em uma oportunidade em que o vice-campeão brasileiro terminou o Brasileiro invicto. Foi em 1977, quando o Atlético-MG, em 21 jogos, conseguiu 17 vitórias e empatou em quatro. Na final, contra o São Paulo, o time, jogando no Mineirão, mesmo com a excelente campanha --aproveitamento de 90,4%--, não teve direito a nenhuma vantagem e acabou perdendo o título numa traumática decisão por pênaltis.

- Foi de 13 pontos a diferença entre o primeiro colocado, São Paulo, e o Santos, oitavo, na fase de classificação do Brasileiro de 2002. Nas quartas de final, o time santista, comandado por Emerson Leão, e com as revelações Diego e Robinho, eliminou o time do Morumbi com duas vitórias --3 a 1 (na Vila Belmiro) e 2 a 1 (no Morumbi). Embalado com a vitória sobre o melhor time do campeonato, o Santos eliminou o Grêmio nas semifinais e ficou com o título após bater o Corinthians.

- Apenas uma derrota teve o Corinthians na edição de 1993. Mesmo assim, não conseguiu chegar à decisão do torneio. O pior é que a única derrota do clube, que era comandado por Mário Sérgio, foi para o Vitória-BA, time que se classificou para a fase semifinal após vencer uma repescagem.

Talvez a grande contribuição do sistema de pontos corridos ao futebol brasileiro esteja no fato de que as equipes perceberam que só com planejamento podem conquistar o título do campeonato. Não existe a mínima possibilidade de um time ganhar o torneio sem ter um elenco bem formado, com suplentes de qualidade e um departamento médico e físico à altura.

Temos várias equipes que aproveitaram bem o período dos pontos corridos. São exemplos disso o Internacional, o Grêmio, o Atlético-MG e o Cruzeiro, que se reestruturaram e voltaram a ser protagonistas do nosso futebol. Também é sempre bom dizer que o torneio em pontos corridos valorizou a Série B, que se tornou muito mais atrativa quando também passou a usar o mesmo regulamento da primeira divisão, pois passou a premiar os times mais estruturados com o acesso.

O campeonato de pontos corridos também acabou com o mito que nós temos dez ou doze postulantes ao títulos. Isso acontecia de modo artificial no sistema de "mata-mata".

Também é temerário que com o nível de arbitragem que temos atualmente uma partida possa decidir um campeonato. Aí sim, um erro vai decidir um torneio. Já nos pontos corridos, na média, os erros são diluídos durante todo o campeonato.

Dizer que a fórmula não agradou ao público também é outra falácia. A média de público no torneio de 2002, último com mata-mata, foi de pouco mais de 13 mil pessoas. Atualmente a média é de quase 17 mil pessoas --mesmo com clubes sem grandes torcidas como Barueri e Santo André. É nítido o crescimento de assinaturas do pay-per-view e a TV, que dizem ser a maior interessada na mudança --isso não é verdade que já que vários clubes também pressionam para a mudança-- aumentou o valor dos direitos de compra do Campeonato Brasileiro.

Outra besteira dita é que o torcedor brasileiro adora finais. Pode até ser. Mas a sede de torneios "mata-mata" dos fãs já é saciada nos Campeonatos Estaduais, na Copa do Brasil e na Taça Libertadores. Também é um mito que os pontos corridos acabam com os times que têm poder de crescer no momento decisivo. Pelo contrário, isso só aumentou, pois agora todas as partidas valem e os jogadores e os times precisam jogar cada partida como se fosse uma decisão. Muitas vezes, uma derrota na primeira rodada faz um diferença no final do torneio.

Não podemos esquecer que a volta do "mata-mata" vai complicar ainda mais o nosso calendário já que o torneio vai precisar de mais datas. Também fica inviável uma fase de classificação tão grande com 38 jogos para cada clube. Teremos casos que muitas partidas não terão o mínimo atrativo para o torcedor.

Como sempre, alguns dos nossos dirigentes pensam muito em curto prazo. Agora, por alguns milhões de reais, vão jogar fora a oportunidade de organizarem. O torneio com "mata-mata" só serve para transformar dirigentes medíocres em heróis por algum tempo.

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Toda vez que o Brasil vai jogar na altitude me causa estranheza como a seleção se prepara. Com uma semana de treinamento, o ideal seria que a seleção se preparasse na cidade da partida e não chegasse apenas no local do jogo poucas horas antes de a partida começar. Tudo bem que existe o problema da adaptação ao ar rarefeito, mas, indo antes, a comissão técnica teria condições de saber quais os jogadores poderiam sentir os efeitos da altitude. Os treinos na altitude fariam os atletas se acostumarem com o tempo da bola, que cria tantos problemas quanto à falta de oxigênio.

Merece menção o trabalho do argentino Marcelo Bielsa, que transformou o time chileno e garantiu a classificação da equipe para a próxima Copa do Mundo. O treinador não tem medo de armar sua equipe no ataque, mesmo como visitante, por isso, conseguiu várias vitórias atuando longe de Santiago. Estudioso ao extremo, o técnico é viciado em futebol e por isso merece o apelido de "Louco". Aliás, o apelido vem da paixão do treinador pelo esporte e não por qualquer insanidade na armação das equipes, como alguns jornalistas brasileiros gostam de salientar.

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve para a
Folha Online às terças-feiras.

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