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Futebol na Rede

02/03/2010

Hat-trick?

HUMBERTO PERON
Colaboração para a Folha Online

Meu pai está próximo de completar 73 anos e continua acompanhando futebol com muito interesse. É lógico que com sua idade ele ainda usa termos que não são tão comuns atualmente. Vez por outra, ele usa a expressão "halfo-esquerdo" --com "o" no final mesmo, numa tropicalização da palavra inglesa "half"-- para comentar uma jogada de um lateral esquerdo. Também solta a expressão "speaker" para se referir ao narrador da partida.

Não faz muito tempo, enquanto nos assistíamos a uma partida na TV ele, até constrangido, me fez uma pergunta.

"O que é esse tal de hat-trick que o speaker já falou umas dez vezes na partida e não explicou o que é? É uma tática nova? Uma jogada ensaiada?", perguntou.

"É uma expressão, usada principalmente na Inglaterra, para o jogador que marcar três gols numa partida", expliquei sem me preocupar em explicar a origem do termo, e que ele é usado também no automobilismo e no hóquei no gelo.

"Está certo. Talvez como eu seja do tempo em que era comum um jogador fazer três gols num jogo não se precisava usar esse termo. Eu nunca vi alguém escrever que o Pelé fez esse tal do hat-trick. Ele simplesmente marcava gols. Aliás, quem faz muitos gols é artilheiro. Talvez hoje, como é raro um centroavante marcar dois gols num jogo, precisamos usar esse tal de hat-trick para marcar o feito", afirmou encerrando o assunto.

Este diálogo me fez pensar algumas coisas. Será que, algumas vezes, nós jornalistas não exageramos muito em tentar provar que temos tanto conhecimento e damos informações que não são entendidas?

O futebol só se tornou popular no Brasil porque, além de suas regras simples, foram criadas expressões que trouxeram o esporte para perto de todos. O corner virou escanteio. O já citado "half-esquerdo" se tornou o acessível lateral-esquerdo.

Na imaginação dos narradores, o grande círculo central já foi chamado de "caroço do abacate", sem falar de outras expressões que só de serem citadas já dão a noção do que está acontecendo na partida.

Por exemplo, nesse caso do "hat-trick". Não cabia na partida que estava sendo transmitida a expressão, já que ela estava sem abertura de contagem e não havia nenhuma possibilidade de acontecer três gols --principalmente de apenas um jogador.

Não sou um radical de usar "sítio" no lugar de "site" e sei que não trato bem a língua portuguesa, mas o uso de expressões estrangeiras como o "hat-trick" no nosso futebol não cabem --usem goleador, artilheiro, iluminado que todos vão entender.

Assim como dói nos ouvidos quando técnicos que não conseguem acertar um caso de concordância usam palavras como "budget" (orçamento) e definem "manager" (gerente).

Acho que é fundamental para quem escreve e fala sobre futebol a clareza.

O futebol é um esporte simples. Quase todos os leitores entendem e conseguem discutir sobre o assunto. O maior desafio do jornalista esportivo é explicar a razão de como os fatos acontecem numa partida. Não adianta ficar inventando teorias ou expressões que você acaba não atingindo seu público.

Por exemplo, como um torcedor pode dar credibilidade quando é analisada a atuação de um árbitro e um jornalista fala, talvez sem pensar, que o juiz teve uma atuação muito boa e que ele "apenas" deixou de marcar um pênalti para o time que perdeu por um gol de diferença. Isso sem dizer o vago "tudo pode acontecer".

Caros, já disse o futebol é simples. Não é usando expressões como "hat-trick" que ele vai ficar mais saboroso para pessoas como o meu pai, que adoram futebol.

Até a próxima.

Confesso que não consigo ver a maldade e a falta de ética que muitos querem ver na atitude dos jovens jogadores santistas na partida contra o Corinthians. Sempre fez parte do futebol a firula, o drible a mais e o enfeite quando um time está ganhando o jogo. Aliás, os corintianos deveriam agradecer a graça dos meninos do Santos, pois devido a ela, o time da capital quase conseguiu empatar a partida, mesmo com dois jogadores a menos em campo. O que os meninos têm que estar preparados é que, em caso de derrota, eles não podem reclamar se os adversários usarem das mesmas artimanhas.

Uma pena que duas das grandes revelações do futebol carioca, Philippe Coutinho (Vasco) e Wellington Silva (Fluminense), tão novos, já têm os seus direitos vinculados a times da Europa. Não me agrada a ida de jovens como eles para a Europa. Já são muitos os casos de talentos que desaparecem no Velho Continente por não terem maturidade. Sem dizer que alguns perdem suas principais características, como a audácia de realizar dribles e abusar das jogadas individuais, para se transformarem em autênticos robôs.

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve para a
Folha Online às terças-feiras.

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