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Gandula

21/05/2002

Felipão e suas vitórias vazias

MARCOS GUTERMAN
Colunista da Folha Online

Não deveria surpreender que Luiz Felipe Scolari seja técnico da seleção brasileira, ou que Rubens Barrichello tenha pisado no freio para Michael Schumacher ganhar o GP da Áustria. O esporte vale cada vez menos pela emoção que pode proporcionar do que pelos resultados e consequentes lucros que pode conferir.

A vantagem do que aconteceu no circuito austríaco, se é que algo de bom pode ser extraído desse episódio nojento, é que as coisas ficaram explícitas. Definitivamente tornou-se perda de tempo falar em "amor à camisa", "espírito esportivo" ou bobagens do gênero. Mesmo a "competição" tornou-se secundária. Não há hipótese de competição num mundo monopolizado por cartolas e patrocinadores. Nesse mercado, o esporte só ganha valor quando se converte em vitória, entendida como um objeto comercializável em larga escala.

Portanto, não é à toa que o comando daquela que é considerada a seleção de futebol mais importante do mundo tenha sido entregue a um homem cujo currículo se resume a isso: vitórias. Nele não há nenhuma contribuição fundamental para o esporte _uma tática revolucionária, um momento de beleza marcante, um modelo de sofisticação técnica. Tem-se apenas uma enorme vocação para a busca do resultado. Esse pragmatismo tornou-se a garantia de que a seleção brasileira entrará em campo para vencer _seja como for.

É desejável a vitória a qualquer preço? Nesse Brasil com enorme complexo de inferioridade, principalmente depois da inquestionável derrota para a França em 1998 (quando tínhamos uma seleção bem melhor do que esta), parece que sim. É óbvio que ninguém joga para perder, mas o triunfo tornou-se aparentemente uma obsessão _senão, como explicar que a seleção tenha trocado de técnico quatro vezes ao longo de pouco menos de quatro anos? Que buscavam os homens da CBF senão a fórmula da vitória por ela mesma, a vitória vazia de significados outros que não a manutenção de contratos?

Resta ainda uma esperança, porém: toda vez que um jogador arranca sua camisa ao comemorar um gol, como tem acontecido com muita frequência nos últimos tempos, é como se ele, momentaneamente, destruísse o mecanismo de geração de lucros que o aprisiona, é como se dissesse que aquela alegria não pertence a nenhum patrocinador, que o momento do gol, afinal, é do jogador e do torcedor. Ao oferecer o peito à massa na arquibancada e às câmeras de TV, o goleador rompe sua condição de máquina e se afirma como ser humano. É um instante redentor.

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Marcos Guterman é editor-adjunto de Mundo da Folha de S.Paulo e escreve para a Folha Online quinzenalmente às terças-feiras

Email: gandula@folha.com.br

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